A professora do Instituto de Biologia da Ufba, Blandina Felipe Viana foi indicada para representar o Brasil, na Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos – IPBES da Organização das Nações Unidas. A pesquisadora, que também já foi pró-reitora de extensão universitária da Ufba desenvolve pesquisas sobre ecologia de comunidades de abelhas, ecologia da polinização e manejo sustentável de polinizadores em agroecossistemas. Em entrevista, concedida à Agência ela explicou como será o trabalho de consultoria junto à plataforma, e quais ações estão previstas no Brasil.
EMANUELA TEIXEIRA*
emanuela.ascom@yahoo.com
Agência Ciência e Cultura – A senhora foi indicada recentemente para representar o Brasil, como especialista, na Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços ecossistêmicos – IPBES. O que é a IPBES e em que consiste essa representação?
O IPBES é um organismo intergovernamental independente, aberto a todos os países membros das Nações Unidas, foi criado em 2012 em resposta às preocupações da comunidade científica, sobre a falta de esforços internacionais para combater as ameaças à biodiversidade. A indicação é resultado do reconhecimento do trabalho de investigação cientifica, sobre a biodiversidade de polinizadores, que o nosso grupo de pesquisa vem realizando na Ufba. A representação é uma consultoria voluntária. Nenhum dos pesquisadores está recebendo por esse trabalho, que deverá ser concluído até o final de 2015, consistindo em importante passo na aproximação da ciência com a política, pois a IPBES reunirá cientistas e tomadores de decisão, para avaliar o estado atual da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos no mundo, e propor soluções para conservação e uso sustentável desses serviços prestados pela biodiversidade.
Agência Ciência e Cultura – Por que a polinização foi escolhida como o primeiro serviço a ser avaliado pela IPBES?
O tema polinização, foi escolhido para a primeira avaliação do IPBES, pelo fato dos polinizadores estarem seriamente ameaçados, na maioria dos ecossistemas terrestres. No âmbito global, sabe-se que 75% das principais culturas beneficiam-se da polinização e que 78 a 94% da flora silvestre, também depende da polinização por insetos. A polinização é um serviço ecossistêmico, que gera benefícios não apenas na área onde é conservado, mas em toda a paisagem circundante. Além disso, a polinização afeta de forma indireta, a provisão de outros serviços ecossistêmicos, como a produtividade primária e a formação do solo, consequentemente a regulação de Carbono na atmosfera, a regulação da água, através da manutenção das matas ciliares dos rios e muitos outros. É, portanto, um serviço essencial para o equilíbrio dos demais serviços e para geração de benefícios que promovem o bem-estar humano, merecendo, portanto, ações efetivas e concatenadas para sua conservação e manutenção.
Agência Ciência e Cultura – Tem sido veiculado nos meios de comunicação, que as abelhas, principais polinizadores, estão desaparecendo. Quais são as causas possíveis para o fenômeno do desaparecimento das abelhas? Quais impactos isso pode causar ao planeta e à população?
Há várias hipóteses para o desaparecimento das abelhas. Acredita-se que seja o resultado da sinergia de múltiplos fatores, dentre eles, deficiência nutricional em consequência de uma dieta empobrecida, causada pelo forrageio de pólen monoespecífico, em monoculturas ou seja, a cota de pólen produzida pelas abelhas, em uma única espécie de planta. Essa deficiência pode afetar o sistema imunológico das abelhas, tornando-as mais susceptíveis às doenças, além disso, existe a intoxicação por agrotóxicos, mais especificamente os neonicotinóides, que são inseticidas derivados da nicotina, e que podem provocar desregulação endócrina, afetando assim o comportamento das abelhas. Há relatos de desorientação das forrageiras, que se perdem no campo e não conseguem retornar às suas colmeias.
O declínio das populações de polinizadores, pode resultar na limitação dos serviços de polinização. Nos ecossistemas naturais, compromete a manutenção das comunidades vegetais, pois as espécies que dependem de um vetor animal para a transferência do pólen, terão a sua reprodução comprometida e não produzirão frutos e sementes, afetando os demais serviços ecossistêmicos, em um efeito cascata.
Nos sistemas agrícolas, o declínio dos polinizadores leva ao déficit de polinização, afetando qualitativa e quantitativamente a produção agrícola, ameaçando a segurança alimentar, já que além de comprometer a oferta de alimento, o declínio das abelhas pode agravar ainda mais a desnutrição mundial. Estudos recentes, revelaram que os polinizadores, tem um papel crucial na reprodução de culturas agrícolas que proporcionam nutrientes essenciais à nossa sobrevivência.
Agência Ciência e Cultura – Quais medidas devem ser colocadas em prática, para que haja uma redução dos impactos aos polinizadores no Brasil?
Diversas medidas vêm sendo tomadas, e a comunidade cientifica, articulada com a sociedade civil, estão tendo papel fundamental nesse processo. No Brasil estão sendo implementadas políticas públicas, como o Plano Nacional de Agroecologia e, mais recentemente, o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA), que contribuem para a redução dos impactos sobre os polinizadores.
Agência Ciência e Cultura – Como e em que nível, a relação entre ciência e política, favorece a elaboração de uma política de proteção a esse serviço ecossistêmico?
O conhecimento científico, tem um papel fundamental na nossa sociedade e tem influenciado o desenvolvimento de politicas em diversas áreas. Contudo, a relação entre ciência e politica, principalmente na área ambiental, ainda é um desafio a ser superado, pois grande parte do conhecimento científico gerado nessa área, não tem sido traduzido em políticas e diretrizes para a conservação dos recursos naturais, principalmente para aqueles que estão submetidos a sérias ameaças. Apesar de existirem evidências, amplamente reconhecidas e validadas pela comunidade cientifica sobre o papel da polinização, na produção de alimentos e na conservação dos ecossistemas terrestres, a incorporação desse conhecimento no processo político, na tomada de decisão pelos gestores e no engajamento da sociedade civil ainda é uma lacuna a ser preenchida. A IPBES se propõe a construir essa ponte entre ciência e politica, desenvolvendo mecanismos, para o uso eficiente do conhecimento cientifico, na formulação de politicas públicas e nas tomadas de decisões.
Agência Ciência e Cultura – Segundo a pesquisadora Vera Imperatriz Fonseca, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), o declínio das espécies de polinizadores no mundo estimula a polinização manual em muitos países. Ela afirma que na China por exemplo, é comum o comércio de pólen para essa finalidade. Essa seria uma solução, para recuperar o sistema de polinização em algumas áreas no Brasil?
Essa é uma das medidas para compensar a perda dos polinizadores. Outro método eficaz, para aumentar os serviços de polinização em áreas agrícolas é o adensamento com abelhas, principalmente com a introdução de colmeias de abelhas da espécie Apis mellifera, que polinizam adequadamente muitas culturas em regiões de clima temperado. Contudo, o uso dessas práticas é limitado e o custo é bastante alto. A biodiversidade realiza esse serviço gratuitamente.
Agência Ciência e Cultura – Na sua opinião, como os acadêmicos e os jornalistas científicos devem tratar os assuntos relacionados à biodiversidade e recursos naturais em seus trabalhos e reportagens?
A parceria entre acadêmicos e jornalistas científicos é essencial, para a popularização do conhecimento científico. Para a temática ambiental, a comunicação tem um papel fundamental no processo de sensibilização e no despertar da cidadania. Além disso, a popularização do conhecimento científico se constitui em importante ferramenta de mobilização popular, pois amplia a possibilidade e a qualidade de participação da sociedade, na formulação de políticas públicas e na escolha de opções, instrumentalizando os atores sociais a intervirem melhor no processo decisório.
*Jornalista e editora-chefe da Agência de Notícias em C,T&I