Pós-doutor pela Universidade Paris-Dauphine, Bouzid Izerrougene é um nome mundialmente citado quando o assunto é economia e comércio. Hoje, atua como professor associado da Universidade Federal da Bahia. Segundo ele, os programas e apoio ao desenvolvimento científico estão em plena expansão no Brasil, a exemplo do programa Ciência Sem Fronteiras e os inúmeros editais de estímulo à extensão e pesquisa no País. Recentemente, Izerrougene publicou o livro “Pretérito do Futuro”, obra ficcional em que o autor desvela o enigma de um transumano que assimila o despedaçamento de sua pessoa, reorganiza seus figurinos e reanima o jogo da sua vida, decompondo-se no final. Em entrevista à Agência de Notícias Ciência e Cultura, o pesquisador relata a importância do investimento dentro do capitalismo cognitivo propriamente dito. Ele ainda reflete sobre os desafios que o Brasil irá enfrentar para formar um Mercosul com integração social e como as novas tecnologias de informação e comunicação podem ajudar o desenvolvimento industrial-econômico.
VICTÓRIA LIBÓRIO*
Agência de Notícias – O que o senhor pretende quando fala dos desafios da integração social do Mercosul?
Bouzid Izerrougene – Existem grandes diferenças entre os países componentes do Mercosul, principalmente, as sociais, o que impedirão a efetivação da unidade deste bloco tal qual se observa na constituição da união Europeia. Os países ainda sofrem com a grande disparidade econômica entre eles e entre seus habitantes, tornando impossível uma unidade cidadã como é proposta pelo bloco econômico.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – Onde estão essas dificuldades?
BOUZID IZERROUGENE - Existem uma série de dificuldades orçamentárias, sociais, econômicas, políticas e jurídicas que dificultam a possibilidade de garantia direitos sociais fundamentais a essa população do Mercosul. Como será possível garantir os plenos direitos a um cidadão do Mercosul se seus países são incipientes? Principalmente, devido às suas distinções.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – Como poderiam ser solucionados estes problemas?
BOUZID IZERROUGENE - Por conta de estes países sofrerem com a imensa desigualdade social, devido à concentração de renda, os Estados se apoiam em medidas emergenciais de assistência, daí a necessidade de políticas sociais. Os esforços para assegurar direitos sociais mínimos se esbarram com um padrão de forte iniquidade, resultante de desequilíbrios acumulados ao longo de séculos e que transformaram a região numa área de extrema concentração de renda e flagrantes desequilíbrios sociais e territoriais.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – O que o senhor entende por economia política do conhecimento e capitalismo cognitivo?
BOUZID IZERROUGENE – A acumulação na base do conhecimento é o sinônimo de uma situação de inovação permanente, em que a valorização se sustenta no tempo subjetivo e intersubjetivo da criação, isto é, no trabalho vivo e coletivo. O capitalismo cognitivo surge com a promoção de trabalho ativo cooperativo, social e abstrato, fruto da energia intelectual e linguística dos operários intelectuais e afetivos, os quais produzem bens intangíveis.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – Quais os recursos básicos para essa acumulação?
BOUZID IZERROUGENE – O recurso básico é a informação, objeto de formação de sistemas de valor, isto é, de conhecimento. O que importa não são os objetos técnicos em si, mas as lógicas de acumulação e valorização social. A compreensão do modo como o capital se valoriza nessa nova base passa pelo estudo dos fundamentos do regime de produção do conhecimento por conhecimento, da sua lógica de valorização-exploração e das mudanças introduzidas pela difusão maciça das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação – NTICs.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – Quem usa esses NTICs e como isso se insere no capitalismo cognitivo?
BOUZID IZERROUGENE – A função e o uso das NTICs são construídos e inventados pelo próprio usuário. Não podem funcionar independentemente dos conteúdos culturais, artísticos, ideológicos e técnicos. A rede do que se trata no capitalismo cognitivo é, antes de tudo, uma rede humana construída pela circulação de informações, de significados e de artefatos técnicos produzidos por inúmeros usuários-produtores inter-relacionados. Com as NTICs, o conhecimento pode circular independentemente do trabalho do capital. Ele nasce e se difunde ao longo das trajetórias desenhadas por relações criativas cumulativas, cooperativas e amplamente socializadas dentro de contextos de produção e de uso.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – O senhor ainda fala da inovação sobre a economia do país. Como elas funcionam?
BOUZID IZERROUGENE – As performances inovadoras são diretamente associadas à importância do investimento coletivo em infraestrutura, instrução, formação e pesquisa, cujo custo é amplamente socializado. É nesse sentido que os direitos sobre a propriedade intelectual e acesso às redes constituem uma modalidade de captação de “externalidades”; uma forma poderosa para as hierarquias de valor e de exclusão.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – Então como o capitalismo cognitivo se utiliza da inovação para a economia? Poderia me dar um exemplo prático das NTICs?
BOUZID IZERROUGENE – É inegável a crescente importância do cognitivo como fonte de criação econômica, principalmente, quando enxergamos o processo de produção industrial. O imperativo do capital de reduzir o tempo de transformação das mercadorias em dinheiro, tanto na fábrica, como no mercado, gerou a necessidade de acelerar o ritmo comunicativo e induziu o advento do Toyotismo: um interregno em que as mercadorias são produzidas de acordo com a demanda, na medida exata. Daí o papel central conferido aos meios de comunicação no processo de acumulação, como agente de redução, ou mesmo de anulação do tempo que cobre as operações de produção/realização.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – O senhor enxerga a comunicação como algo essencial à inovação tecnológica e, portanto, à economia?
BOUZID IZERROUGENE - Hoje, a cooperação vinculada nas redes de comunicação é inerente à atividade produtiva e à intersubjetividade que ela envolve e tende a não se limitar a um lugar específico, mas espalha-se para o espaço da totalidade social. As redes de comunicação impõem normas de funcionamento que dissolvem as fronteiras espaço-temporais e contestam a figura linear e autoritária do capitalismo industrial, assim como o seu caráter bipolar. As atividades produtivas se tornam indistinguíveis e o tempo da invenção, enquanto criação contínua do “novo”, se retoma cada vez mais ao tempo da repetição, ao tempo sem memória do capitalismo industrial.
Consequentemente, os valores de uso e troca tendem a se articular e fundir no conjunto de processos sociais; trabalho e propriedade privada tendem a se sobrepor. A destruição das distâncias une figuras de naturezas diferentes e transforma-as em séries de redes híbridas de participação global, abolindo tanto as divisões binárias do modelo fordiano, quanto a sua ideologia homogeneizante e massificante. A tecnologia intelectual reinventa incessantes relações singulares e diversas em redes multidimensionais, onde o trabalho aparece como o poder de agir de uma forma que é ao mesmo tempo singular e universal.
AN – Como o senhor propõe as inovações tecnológicas sobre o ciclo econômico?
BOUZID IZERROUGENE – Os ritmos oscilantes de desempenho econômico refletem menos um suposto jogo necessário de ciclos tecnológicos longos, do que um universo social de natureza evolutiva, na qual se integram os próprios fatos econômicos. Embora representem uma realidade transformadora, os ritmos de crescimento caracterizam bem mais os múltiplos ciclos de vida dos produtos e das tecnologias – que são específicos de cada indústria – do que ciclos econômicos gerais.
AGÊNCIA ARTE E CULTURA – As mudanças trazidas pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e das comunicações têm provocado importantes consequências sobre a organização industrial e as estratégias empresariais?
BOUZID IZERROUGENE – Sim. Por sua importante dimensão e densidade, as inovações continuam a suscitar a ideia de ciclo tecnológico determinante da dinâmica econômica, embora a lógica das inovações fizesse sempre parte integrante do processo competitivo e da sua subsequente renovação de estruturas de desenvolvimento econômico e social. O contexto de economia de mercado e a propensão das empresas em inovar são duas faces de uma mesma realidade, tendo o ritmo das mudanças tecnológicas como fator influente nas flutuações conjunturais do crescimento econômico, mas não no fato decisivo da evolução do crescimento capitalista de longo prazo.
*Estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e Estagiária da Agência de Notícias