Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 2 DE abril DE 2016 ás 17:04

Fernando Luís de Queiroz Carvalho

Incrementar o modelo de ensino tradicional nas escolas mostra-se uma necessidade, principalmente para que o conteúdo das aulas possa ser compreendido por todos. Jogos educativos – sejam de tabuleiro ou digitais – podem ser atrativos para crianças e adolescentes, que de maneira intuitiva e mediado pelo professor, passam a entender melhor os assuntos dados em sala de aula. O professor do Mestrado Profissional Gestão e Tecnologias Aplicadas a Educação (GESTEC-UNEB), Fernando Luís de Queiroz Carvalho, em entrevista para a Agência de Notícias em C,T&I - Ciência e Cultura, conta sua experiência com o tema, sua visão do cenário baiano atual e do futuro

CAIO MARCO BRITO RODRIGUES*
caiomarco@hotmail.com

Ciência e Cultura – Como surgiu seu interesse pelo tema de jogos educativos para escolas?

Fernando Luís CarvalhoNós começamos a ter interesse por jogos, que pudessem se aplicar em saúde e educação em saúde. A partir daí, foi um pulo e percebemos que o jogo também teria como impactar de maneira positiva na relação de aprendizagem nas escolas de qualquer nível, da educação básica até o ensino superior. O interesse surgiu dentro do grupo de pesquisa, quando começamos a fomentar, em alguns estudantes de mestrado, a possibilidade de desenvolver projetos pensando em aplicação de jogos educativos como ferramenta de aprendizado.

Ciência e Cultura – Como você avalia o modelo de ensino tradicional?

Fernando Luís Carvalho – Eu entendo que estamos inquietos agora, porque o sistema tradicional vem sendo influenciado pelas tecnologias de uma maneira extremamente forte e, muitas vezes, o estudante está chegando com essa tecnologia e o professor não está capacitado para dar um retorno com a tecnologia também. Começamos a observar esse ambiente e perceber que seria importante fazer um “casamento”, nós não somos contrários ao sistema tradicional. Na realidade defendemos um modelo híbrido, um modelo que precisa ainda ter claro a condição conteudista, dispositiva, para os anos iniciais, pra quem está começando a aprender as coisas. Mas isso pode caminhar juntos com as mudanças que o ambiente mais novo está trazendo e, a tecnologia, sem dúvida nenhuma, é a ferramenta pra isso acontecer. Seja a tecnologia leve, como a aplicação de jogo de tabuleiro, até tecnologia digital com a produção de jogos e aplicativos para celulares, computadores, tablets, e assim por diante. A gente defende que o modelo tradicional possa receber bem essas “intervenções” positivas, sem que você precise abrir mão completamente do modelo vigente. Podem caminhar junto tranquilamente.

Ciência e Cultura - No seu artigo “O uso de jogos educativos e o impacto no ensino: uma experiência para o ensino de ciências e biologia” a pesquisa é feita com um jogo de tabuleiro para alunos da 7ª série e do 2º ano. Como foi a experiência de desenvolver e aplicar o jogo?

Fernando Luís Carvalho – Foi incrível, porque ela começou com um trabalho de conclusão de curso de uma estudante de biologia sobre fungos. Dentre outras coisas que ela fez para finalizar o curso, criou, usando massa de modelar – dessas que as crianças usam na escolinha -, modelos desses fungos em placas de petri para levar às escolas, já que nelas não existiam laboratórios, microscópios, como o aluno iria ver o fungo? Só no livro.

Então ela conseguiu levar uma coisa lúdica pra que eles visualizassem estrutura, tipos diferentes, cores, e assim por diante. A partir daí, quando ela pleiteou o mestrado, eu enxerguei nesse projeto dela a possibilidade de um aumento muito grande da aplicação disso. Mantivemos a massa de modelar, mas agora aplicada à sala de aula para que os alunos reproduzissem a parte de modelos que nós levamos para eles. Criamos jogos de tabuleiro, todos inicialmente na temática que ela trouxe do trabalho de conclusão sobre micologia – trabalhamos com fungos em cima de jogos de tabuleiro – como o jogo da memória, dominó, que são jogos comuns e populares, mas não há versões sobre fungos, e nós fizemos.

Criamos também um no estilo de trilha, onde você avança casas quando a informação está correta, volta casas quando não está. Isso gerou entre os estudantes um impacto muito grande, porque eles abraçaram a ideia. Os jogos eram demonstrados, havia aulas expositivas, e depois a aplicação deles. E eles tinham que aplicar o conhecimento com o jogo. E tivemos uma grata surpresa quando avaliamos estatisticamente os dados, porque encontramos respostas significativamente maiores em termos de aprendizado para o grupo-teste, que utilizou a metodologia com os jogos quando comparado ao grupo que usou apenas metodologia tradicional. Daí que defendemos os modelos híbridos, pode-se trabalhar com o ensino tradicional acoplado com os jogos ou outras ferramentas tecnológicas, sejam tabuleiros, softwares, jogos digitais, pra que sejam utilizados com mais frequência. Fizemos com fungos, mas isso pode ser feito com qualquer área do conhecimento.

Ciência e Cultura – Em sua opinião, qual o papel do professor na aplicação desses jogos?

Fernando Luís Carvalho – O professor é o grande agente disso tudo. O máximo que podemos fazer é levar o jogo para demonstrar, para que o professor entenda aquilo como uma ferramenta que vai ajudá-lo no dia-a-dia da sala de aula, tornando a aula ainda mais dinâmica. Porque por mais didata que esse professor seja, ele ganha um elemento que o ajuda didaticamente e traz aquele estudante que possa estar naquele momento não muito focado, porque ele vai ter que manipular alguma coisa, se mexer pra fazer.

Outra vantagem: os jogos não são focados em ganhar ou perder. À medida que alguém vença a partida, o fato dele ganhar vai fazer com que ele explique para os colegas qual a estratégia, o que ele aprendeu. Ou seja, você consegue fazer através do jogo uma integração que favorece enormemente o aprendizado, principalmente nessa faixa etária das crianças e adolescentes, com quem tivemos resultados bastante positivos. O professor é a mola mestra, porque se ele compra essa ideia, ele vai usar do jogo favoravelmente dentro do seu componente didático só que como uma ferramenta lúdica. Essa forma dinâmica ajuda no momento que vemos que há uma grande invasão tecnologia, que se a gente não perceber isso no ambiente educativo, ficaremos pra trás. De repente o software vai passar a nos ensinar, não os professores. E a gente não pode deixar isso acontecer jamais. A mola mestra é o professor.

Ciência e Cultura – Os jovens, hoje em dia, têm grande afinidade com a tecnologia, sendo assim, é possível que jogos educativos digitais sejam uma boa alternativa?

Fernando Luís Carvalho – Sem dúvida. Acredito muito nisso. Na Uneb agente vem trabalhando, juntamente com a professora Rosalina, uma pesquisadora que desenvolve jogos digitais há bastante tempo na área de educação, nesse conjunto educação e saúde, porque entendemos que hoje dá para fazer muita coisa importante em prol da educação não só na sala de aula, mas de uma forma global. Isso envolve saúde também de uma maneira muito forte. Então o grupo de pesquisa dela já desenvolveu alguns jogos inclusive com financiamento de secretarias de estado, na Fabesb, que estão bastante avançados nesse sentido – e que já têm jogos na praça. Ou seja, quando você faz uma busca você já encontra jogos na área de matemática, ciências biológicas, bastante coisa digital. Mas ainda sinto falta da aplicabilidade. Até que ponto esse jogo entra no conteúdo programático daquele professor, daquela disciplina. Ou na verdade o estudante é que descobriu “futucando” no computador na internet, que tinha um jogo que até ajudou ele a entender melhor aquele assunto. Então esse “casamento” ainda está faltando um pouco. Mais aplicabilidades nesse jogo. O potencial é infinito, sem dúvida nenhuma.

Ciência e Cultura – Qual o cenário baiano atual nesse aspecto? Há outras pesquisas ou desenvolvimento de jogos?

Fernando Luís Carvalho – Hoje, a gente tem visto aqui na Bahia que ainda temos dificuldades nesse sentido. Primeiro, a gente não trabalha com linhas de fomento especificas para essa temática. Também não temos ainda um grupo grande de pesquisadores desenvolvendo pesquisas com esse objeto. Então, estamos ainda num processo de início desse convencimento de que essas ferramentas são capazes, funcionais. Estudar isso dentro do mestrado, do doutorado, formar uma pessoa com essa temática, mostrando dados, inclusive com analises estatísticas mostrando diferenças na parte da aplicação deles, pode daqui a um tempo mostrar que há como desenvolver isso de maneira mais forte.

Hoje nosso grupo de pesquisa junto com outros grupos que trabalham na temática vem buscando parcerias para desenvolver os jogos, desde o de tabuleiro – onde é preciso uma oficina que corte um dominó, para que possamos colocar uma temática nele – que seja atrativo para o estudante. O objetivo é que isso, no futuro, seja de interesse das secretarias de estado, principalmente para que sejam mais aplicados, porque hoje encontramos alguns livros didáticos que trazem uns joguinhos para serem aplicados. Mas são jogos que de uma maneira geral não foram testados em sala de aula, são mais um adicional do livro e não uma ferramenta didática propriamente.

Então, ampliar as pesquisas, primeiro mostrar que eles realmente funcionam no sentido da relação com a aprendizagem é o ponto crucial para que, dali em diante, tenha-se mais capacidade de desenvolvê-los. Nos digitais temos um pulo na frente porque já tempos condição de captar recursos para jogos, mais pessoas trabalhando na temática, e aí se cria uma capilaridade.

Ciência e Cultura – Acredita que no futuro o uso de jogos educativos nas escolas será maior?

Fernando Luís Carvalho – Acho que sim, porque a condição do avanço tecnológico é praticamente uma coisa irreversível, não tem como conter. Há algum tempo, podíamos dizer que um celular era um artigo que uma ou outra pessoa conseguia ter acesso. E hoje vemos o celular na mão das pessoas ao ponto de quase não ter mais telefone fixo, virou um item meio raro no ambiente. Em vez de lutar contra o celular na sala de aula ele pode se tornar um aliado, numa aplicação direta. Mas, obviamente coordenada, com o professor sendo um ente principal do processo. Ele vai fazer a explanação, jogar o desafio, os estudantes fazem aquilo usando da ferramenta digital ou o tabuleiro. Se a gente conseguir mostrar que essa aplicação tem função no ponto de vista educacional, obviamente a chance deles vingarem e se tornarem cada vez mais frequentes na sala de aula vai aumentar. Se não conseguirmos mostrar isso, aí o jogo vai perder campo. Mas eu não acredito. Acredito que a gente só tenha a crescer nesse campo, porque a tecnologia já deixou à mão, muito mais facilmente para as pessoas acessarem.

*Estudante de graduação em Comunicação – Produção em Comunicação e Cultura.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *