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Atualizado em 26 DE outubro DE 2017 ás 22:35

Gerfson Moreira Oliveira

Considerado como um campo correlato com a saúde mental, a Redução de Danos ainda é um assunto tabu na esfera pública brasileira. De acordo com o professor e pesquisador Gerfson Moreira de Oliveira, professor da Faculdade Baiana de Medicina e Saúde Pública, desde 1980, a partir da epidemia de aids e dos problemas decorrente do uso de drogas, o CETAD-UFBA implantou um dos primeiros programa de redução de danos, a partir da troca de seringas para usuários de drogas injetáveis. Saiba mais sobre este assunto na entrevista completa realizada pelo repórter José Amorim. Gerfson Moreira de Oliveira é especializado em Saúde da Família e em Avaliação Psicológica. Mestre em Saúde, Ambiente e Trabalho pela UFBA e experiência na área de Saúde Mental, Saúde Coletiva, Psicologia Clínica e do Trabalho. Foi Coordenador de Capacitação do CAPSad Gregório de Matos - Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti (FMB-UFBA). Atualmente é coordenador de Práticas da Pós-Graduação em Clínica Psicossocial (ARD/FC-UFBA) e professor de Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública

POR JOSÉ AMORIM*
contatoslos@hotmail.com

Ciência e Cultura: O que você entende ou define como Redução de Danos (RD)?

Gerfson Oliveira: Entendo a redução de danos como um campo correlato com a saúde mental. Podemos compreendê-la sob diversas perspectivas: tratamento, conjunto de conhecimentos e práticas, política pública de saúde e estratégia para lidar com as pessoas – sobretudo com usuários de substâncias psicoativas. Acrescento ainda: é uma posição subjetiva, uma atitude diante do mundo e do outro, uma arte de cuidar e viver.

Ciência e Cultura: Como e quando se deu o processo de RD no Brasil?

Gerfson Oliveira: Tínhamos um modelo hegemônico de cuidado às pessoas com sofrimento psíquico centrado na doença, exclusão e no saber técnico científico, não valorização da integração do usuário com a comunidade. Com a reforma psiquiátrica e sanitária, que ganharam força a partir da década de 1970 e inspiradas em experiências locais e mundiais de cuidado em saúde mental, o Brasil começou a propor novas experiências de atenção às pessoas em sofrimento. A Bahia é um dos estados pioneiros na implantação de propostas inovadoras de atenção às pessoas em sofrimento decorrente do uso de drogas. Na década de 1980, com a epidemia de aids e os problemas decorrente do uso de drogas, o CETAD-UFBA implantou um dos primeiros programa de redução de danos, a partir da troca de seringas para usuários de drogas injetáveis. A proposta era diminuir os riscos e danos associados ao uso de drogas injetáveis, como HIV e hepatites virais.

Ciência e Cultura: O que você destaca como desafio, em relação ao cuidado de pessoas que sofrem algum transtorno psíquico, decorrente do uso abusivo de drogas?

Gerfson Oliveira: De modo geral nos temos dois grandes paradigmas na atenção as pessoas que usam drogas: um focado na abstinência, que diz o seguinte: para a pessoa se cuidar, se organizar melhor na vida e cuidar da sua saúde ela precisa interromper o uso da droga. Para este modelo é muito difícil cuidar da saúde sem esta meta definida no plano de tratamento. Já o paradigma da redução de danos entende que o sujeito não necessariamente precisa interromper o uso de drogas para cuidar da saúde (tanto porque em muitas situações ele não consegue ou porque ele não deseja interromper o consumo). A redução de danos compreende que o direito à saúde não pode ser restringido pelo fato da pessoa usar drogas. A saúde é um direito de todos e um dever do estado. O grande mal hoje das drogas não é exatamente o efeito da substância em si, mas o estigma,  a discriminação que as pessoas têm em relação aos usuários e as mortes e encarceramento decorrentes da política atual de guerra as drogas.

Ciência e Cultura: Como podemos entender a reforma manicomial?

Gerfson Oliveira: Durante muito tempo o modelo proposto de atenção e cuidado as pessoas em sofrimento psicológico foi conhecido como modelo manicomial, onde pessoas tinham acesso por meio de instituições que ofertavam serviços de tratamento a saúde mental. Entre os diversos problemas, destaco o usuário que era afastado da sua família, uma tecnologia no cuidado muito deficiente somado as dificuldades da própria instituição. Foi o que Basaglia (pai da psiquiatria democrática italiana) chamou de dublo da doença mental, ou seja, as pessoas adoeciam não só pelas questões clínicas, mas, sobretudo, pelas condições insalubres existentes nas instituições manicomiais. Embora este movimento de reforma no Brasil tenha se iniciado há mais de 20 anos, gostaria de destacar que estamos em processo de reforma, ou seja, as coisas ainda estão ganhando corpo. As Políticas Nacionais de Saúde Mental e de Atenção ao usuários de Álcool, Crack e outras Drogas são recentes e o próprio conceito de RD evoluiu ao longo deste processo desde a década de 1980 até os dias atuais.

Ciência e Cultura: Como avalia a Política de droga e a relação com a política de saúde RD no Brasil?

Gerfson Oliveira: O professor Tarcísio Andrade apresenta em suas pesquisas, inicialmente, três pilares para compressão da política de drogas: prevenção, tratamento e repressão. Além destes três eixos ele apontou um outro eixo que chamou de redução de danos. A partir das vivências, experiências e práticas do cotidiano eles começaram a entender que a RD não era um eixo, mas sim a base para os demais eixos. Contudo, o eixo repressão, na perspectiva da RD, é conflitivo porque nós temos uma política de drogas proibicionista (e a redução de danos além de não exigir abstinência, rompe com a lógica de criminalização do usuário). Temos hoje no Brasil duas políticas relacionadas a questão das drogas: uma política da saúde – que propõe a RD como eixo do cuidado – e temos uma política de drogas da justiça que também acolhe a importância da RD, porém, na sua base, sustenta a proibição de algumas substâncias, criminalizando os usuários.

Ciência e Cultura: Como estas práticas e experiências impacta sua vida pessoal?

Gerfson Oliveira: Os campos da saúde mental e da redução de danos me tornaram um sujeito mais consciente e crítico da realidade vivenciada por todos nós. Mais do que acolher e cuidar dos problemas subjetivos, e também objetivos, enfrentados pela população – atribuições que, tradicionalmente, se aproximam do meu fazer profissional e que possuem sua importância e lugar -, me preocupo em promover rupturas com as estruturas sociais produtoras de adoecimento e exclusão. Buscar melhorias para todos é um compromisso ético e político indispensável para transformação social.

Ciência e Cultura: Analisando a atual conjuntura política que vem sendo desenhada por uma série de retirada de direitos sociais, estamos em um cenário de retrocesso e ameaça no âmbito da saúde mental? Quais as consequências disso?

Gerfson Oliveira: Sem dúvida! A construção da saúde (física e mental) está intimamente relacionada aos determinantes sociais. Diversos estudos no mundo inteiro apontam isso. Quanto menor a desigualdade social, maiores as condições de saúde e qualidade de vida de uma população. É lamentável o que o governo federal tem apresentado como proposta. Dentre as muitas ameaças ao campo da saúde mental, a meu ver,  estão  a restrição de direitos  sociais e de acesso aos serviços de saúde gratuitos e de qualidade, ênfase no tratamento em regime fechado e isolado, financiamento de instituições privadas e sucateamento dos serviços públicos, baixo investimento em ações de promoção e prevenção em saúde mental, menor articulação e inserção dos agentes comunitários de saúde nos territórios  (com as mudanças na política de atenção básica à saúde) e ao  perigo de maior estigmatização das pessoas em sofrimento mental e seus familiares.

Ciência e Cultura: Baseado em sua experiência e nas pesquisas de campo, como a sociedade civil organizada e servidores podem contribuir e/ou intervir para assegurar a manutenção no âmbito da saúde mental?

Gerfson Oliveira: A partir do engajamento ético-político. Considero muito difícil a produção de cuidado em saúde mental sem o compromisso de transformar as estruturas sociais que, na maioria das vezes, produzem mais sofrimento do que a doença mental em si.

* Estudante do curso de Produção em Comunicação e Cultura da Faculdade de Comunicação da UFBA e bolsista do CAPSad Gregório de Matos – Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti (FMB-UFBA) e da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura.

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