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Atualizado em 8 DE maio DE 2012 ás 11:43

Gilca Oliveira

POR VITOR GABRIEL
vicgss@hotmail.com

A doutora Gilca Oliveira é graduada em Engenharia Agronômica. Atualmente é professora da Universidade Federal da Bahia lecionando as disciplina de Economia Rural e  coordenadora do Curso de Mestrado em economia da Ufba (CME/UFBA). Integra o Grupo de Pesquisa Projeto GeografAR, onde atua nas áreas de Economia Agrária, Agricultura Familiar, Desenvolvimento Regional e Indicadores de Sustentabilidade. Nesta entrevista, a professora fala sobre sua pesquisa, que tem como objeto o mapeamento do trabalho escravo na Bahia, envolvendo questões como a ação dos Movimentos Sociais do Campo, as Políticas Públicas e a Produção do Espaço.

Ciência e Cultura – Em que regiões da Bahia predominam o trabalho escravo?

Gilca Oliveira – O resgate de trabalhadores em condições análogas a de escravo, na Bahia, predomina na região oeste do estado. Num total de dezenove municípios onde aconteceram resgates, dez deles estão no oeste do Estado, nos municípios de: São Desidério (10), Barreiras (7), Formosa do Rio Preto (7), Luis Eduardo Magalhães (4), Baianópolis (3), Riachão das Neves (3), Cotegipe (2), Cristópolis (1), Santa Rita de Cássia (1) e Wanderley (1).

Ciência e Cultura – Quais as condições – físicas e psicológicas – a que esses trabalhadores estão submetidos?

Gilca Oliveira – Normalmente, não têm seus direitos de dignidade e trabalhistas garantidos. Estes trabalhadores são sujeitos à coação física e psicológica, impedimento de deslocamento por dívidas ou por isolamento, muitas vezes com o uso de armamentos. Além disso, são mantidos em condições degradantes de moradia e alimentação, situações nas quais qualquer um de nós qualificaria como desumana.

Ciência e Cultura – Quem são os responsáveis por escravizar os trabalhadores?

Gilca Oliveira – As denúncias e os resgates de trabalhadores na Bahia tem sido na área rural, o que não quer dizer que não ocorram situações de trabalho degradante também no setor urbano. Os resgates têm ocorrido, principalmente, nas atividades de soja, milho e algodão (34%), seguido de carvoarias (25%), preparação do terreno (20%), cultivo de café (7%), eucalipto/reflorestamento (5,5%) e extração de madeira (3,6%). Além de serraria, bovinos e cultivo de cebola, todos com, aproximadamente 2%. Os responsáveis são os proprietários destes empreendimentos que exploram ao máximo o trabalhador, sujeitando-o a condições degradantes.

Ciência e Cultura – Quais os desafios para o combate ao trabalho escravo na Bahia?

Gilca Oliveira – A maior dificuldade de se combater o trabalho escravo na Bahia está na estrutura social extremamente desigual em que vivemos. No campo baiano, unem-se dois entraves: a estrutura agrária extremamente concentrada e a falta de oportunidade de trabalho. Assim, os trabalhadores resgatados não têm outra alternativa senão se sujeitar ao capital para poder garantir a sobrevivência de sua família. O trabalho escravo é uma questão séria e deve ser combatida com medidas estruturantes, como uma reforma agrária decente. Neste, sentido a PEC 438/2001, a conhecida PEC do trabalho escravo, tem sua contribuição. Este Projeto de Emenda Constitucional dá nova redação ao artigo 243 da Constituição Federal, que trata da função social da propriedade. Ela estabelece a expropriação da terra (rural) ou estabelecimento (urbano) em áreas onde forem resgatados trabalhadores, revertendo a área ao assentamento de trabalhadores. Além do resgate, os trabalhadores precisam de oportunidades dignas para que sejam reinseridos socialmente.

Ciência e Cultura – O que o Estado tem feito para combater essa prática?

Gilca Oliveira – No âmbito federal, há a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), dois Planos Nacionais de Combate ao Trabalho Escravo. Há também o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), que atua no resgate dos trabalhadores, composto por auditores fiscais do trabalho do MTE, que coordenam as ações de campo, procuradores do Ministério Público do Trabalho e Policiais Federais. Além deles, ainda contamos com a Lista dos Empregadores Infratores, conhecida como Lista Suja, onde é possível encontrar informações sobre os empregadores que forem flagrados impondo condições de trabalho escravo. A Lista é um importante instrumento para a sociedade tomar conhecimento destes empreendedores e agir cobrando ações de punição aos mesmos. No Estado da Bahia, há a Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE) que busca atuar também nesta frente. E, na sociedade civil organizada, tem-se a Campanha contra o Trabalho Escravo encabeçada pela CPT, na qual estamos juntos, tem por objetivos: Alertar e sensibilizar a sociedade para a existência de aliciamento e trabalho escravo na Bahia e estimular a participação no seu combate; realizar Diagnóstico das condições de trabalho nas fazendas, tanto na Bahia quanto nos lugares onde os baianos migram; Informação e formação sobre direitos de trabalho e procedimentos para fazer denúncias; Denúncias aos órgãos públicos responsáveis pelo resgate dos trabalhadores e punição dos culpados.

Ciência e Cultura – Qual a punição para essas pessoas? E é realmente cumprida?

Gilca Oliveira – O Código Penal brasileiro prevê punição em seu artigo 149 – alterado pela Lei nº. 10.803/2003, entretanto, a legislação é branda e, nem sempre é aplicada, devido as diversas instâncias para recorrer e a própria prescrição. Em abril deste ano, um empresário (identificado como B.R. P.F.) de Barreiras foi condenado a quatro anos de reclusão e pagamento de multa, mas devido aos condicionantes, a pena foi revertida em trabalhos na comunidade.

Ciência e Cultura – Quais são as dificuldades para pesquisar sobre o tema?

Gilca Oliveira – No nosso caso, trabalhamos com dados primários, secundários e acompanhando as ações do Governo. Os dados secundários estão disponíveis de forma bastante transparente nas diversas páginas de organizações que tratam do tema como  Ministério do Trabalho e Emprego; Repórter Brasil, Organização Internacional do Trabalho, dentre outros. Aqui na Bahia, o grupo de pesquisa do qual faço parte, Projeto GeografAR, também apresenta em sua pagina eletrônica os mapas que construímos e a base de dados do trabalho escravo na Bahia, que já são resultados do nosso estudo. Quanto aos dados primários temos alguma dificuldade em tratar com os sujeitos resgatados, mas nossos parceiros Comissão Pastoral da Terra, Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais, Pastoral do Migrante e SINTAGRO, nos apoiam nesta interlocução. Tratar com os empregadores é ainda mais difícil porque não uma aceitação desta condição pelos mesmos. O diálogo com o governo enfrenta diversas dificuldades. O trabalho escravo não é uma temática que foi, de fato, acolhida pelo Governo Estadual. Muito ainda há por ser feito, como a consolidação da COETRAE, o comprometimento da Secretarias de Estado quanto ao Plano de Erradicação do Trabalho Escravo e um orçamento específico para as diversas frentes do Combate ao Trabalho Escravo.

Ciência e Cultura – Qual a sua avaliação sobre o fato de Bahia ocupar 7º lugar no ranking de trabalho escravo no país?

Gilca Oliveira – O Trabalho escravo é encontrado em Estados ditos desenvolvidos, como São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, assim como em estados denominados pobres, como a Bahia. Está disseminado por todo o país. Na verdade, não importa nossa classificação: importa estarmos convivendo com isso. Importa estarmos sentados em nossas salas de aula e, neste mesmo momento, milhares de brasileiros estarem sendo humilhados em busca da ilusão de dias melhores. Importa que, de aproximadamente 25.000 trabalhadores resgatados, no Brasil, de 2003 a 2011, aproximadamente, 3.000 eram baianos. Não podemos aceitar esta situação.

Ciência e Cultura – Quais os principais resultados da sua pesquisa?

Gilca Oliveira – Nossa pesquisa tem também caráter de formação, tanto no campo, tratando dos direitos dos trabalhadores quanto na universidade, denunciando a prática deplorável que ainda se mantém no Brasil e na Bahia. Além disso, foram realizados diversos trabalhos que se transformaram em dissertações, monografias, artigos científicos, cartilhas, dentre outros materiais. Mais do que isso, nos serviu para pequenas e grandes reflexões quanto às extremas desigualdades que nos cercam e nosso papel neste cruel cenário.

Ciência e Cultura – Quem são os pesquisadores envolvidos? E quais são as áreas que eles atuam?

Gilca Oliveira – Nossa pesquisa tem apoio do CNPq e da CPT. Estão envolvidos: Guiomar Germani – professora do Mestrado de Geografia da UFBA e coordenadora do grupo de pesquisa Projeto GeografAR. Todo o pessoal do GeografAR apóia a pesquisa, diretamente ligado a ela estão: Hernane Nery – estudante do curso de Geografia da UFBA e Ludiara Fernanda dos Santos – mestre em Economia UFBA. Também participam os estudantes do curso de graduação em Economia/UFBA Rômulo e Theo. Os parceiros da CPT, em especial, Juliano Vilas Boas e Tatiana Dias Gomes (Direito). E da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais, em especial, Maurício Correia (Direito). E Domingos Gomes da SINTAGRO-Juazeiro.

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