João Canavilhas é Doutor pela Universidade de Salamanca e Licenciado em Comunicação Social na Universidade da Beira Interior (UBI) em Portugal. É docente, membro do Conselho Geral e Diretor do Mestrado em Jornalismo da UBI e estuda a narrativa jornalística para a Web. Na entrevista, conta um pouco sobre a importância jornalista ser cada vez mais multimídia, e destaca o quanto esse precisa dominar ferramentas que lhe permita desempenhar funções em vários meios de comunicação.
POR EDVAN LESSA*
lessaedvan@gmail.com
Ciência e Cultura – Sob que perspectiva atua com o webjornalismo, e em que estágio se encontra as suas pesquisas na área?
João Canavilhas- A minha área de pesquisa está centrada, fundamentalmente, na narrativa jornalística para a Web, desde que defendi uma linguagem própria para este jornalismo, tal como acontece na imprensa, na rádio e na TV. Por isso desenvolvi trabalho experimental que deu origem a uma proposta de linguagem que inclui uma arquitetura para a notícia web (pirâmide deitada) e uma gramática multimídia que procura ajudar os jornalistas a usar texto, fotos, vídeo e áudio de uma forma integrada. Basicamente explica-se como, quando e onde devem ser usados estes recursos.
Ciência e Cultura -Acredita haver barreiras a serem superadas no webjornalismo? Quais?
João Canavilhas – As maiores barreiras são a falta de investimento e a ausência de novos modelos de negócios. Só com a contratação de recursos humanos qualificados é possível fazer um produto diferenciado capaz de gerar receitas. Nos últimos anos a situação tem sido complicada porque estamos num beco sem saída, os jornais não investem porque temem não conseguir gerar receitas suficientes para cobrir as despesas, e os consumidores não querem pagar o acesso às notícias porque o produto jornalístico web não corresponde às suas expectativas. Faltam modelos de negócio que permitam sair deste impasse.
Ciência e Cultura - A rápida evolução dos meios de comunicação resulta em novas condições de produção da notícia e no aprimoramento das técnicas jornalísticas. Aponte as competências que o jornalista precisa desenvolver para atuar com a web e outros suportes noticiosos como, por exemplo, tablets e smartfones.
João Canavilhas – O jornalista atual deve ser multimídia, multiplataforma e multitarefa. Ou seja, deve dominar um conjunto de ferramentas que lhe permitam desempenhar várias funções em vários meios, utilizando, em cada um deles, a linguagem mais adequada. É claro que na base de tudo continuarão a existir os conhecimentos básicos da profissão na recolha e tratamento da informação com rigor e isenção.
Ciência e Cultura – Mas como o jornalismo tradicional sobrevive em mundo que se reinventa a todo o momento, sobretudo do ponto de vista informacional?
João Canavilhas – A história do jornalismo é uma história de adaptações porque a própria matéria-prima que o alimenta – a realidade – está em constante movimento. Por isso os meios ou as plataformas podem mudar, mas os princípios continuam, e é isso que interessa às pessoas.
Ciência e Cultura – Dentre algumas questões que traz em sua bibliografia, está o conceito de pirâmide jornalística, sob uma nova perspectiva, a partir da internet. Como isso se estabelece?
João Canavilhas – A proposta da Pirâmide Deitada explica-se de uma forma muito simples. Num meio interativo dirigido a um público universal e muito heterogêneo, o jornalista deve construir a sua notícia de tal forma que cada pessoa a possa ler da forma que mais lhe interessa. Ou seja, passa-se da tradicional forma de organização - do mais importante ao menos importante (Pirâmide invertida) – para um novo paradigma – de menos informação a mais informação sobre um determinado assunto – deixando ao usuário a possibilidade de fazer uma leitura pessoal.
Ciência e Cultura – A busca por informação credível tem sido afetada pelas mídias denominadas 2.0?
João Canavilhas – De certa forma sim, pois a web 2.0 veio trazer milhares de fontes informativas. No meio desta imensidão informativa há muito lixo, e por isso são cada vez mais necessários profissionais que ajudem a separar “o joio do trigo”, os jornalistas.
Ciência e Cultura – Como preservar o jornalismo, sobretudo nas mídias sociais, já que nesses espaços há certa banalização das informações?
João Canavilhas – As mídias sociais não são jornalismo. Podem ser agregadores de informação, espaços de opinião, etc., mas não são jornalismo. Na sua maioria ignoram as regras básicas do jornalismo, como ouvir todas as partes envolvidas, por exemplo. A forma de preservar o jornalismo é apostar na qualidade, no rigor e na isenção que garantem a diferenciação em relação a todo o resto.
Ciência e Cultura – Como está localizada a prática jornalística dentro do ecossistema midiático?
João Canavilhas – A prática jornalística é absolutamente essencial num ecossistema onde os usuários ganharam a possibilidade de ascender aos espaços públicos. Só os jornais e os jornalistas podem garantir informação isenta o que, infelizmente, nem sempre acontece.
Ciência e Cultura - Em que difere a retórica do jornalismo feito da internet e do jornalismo tradicional, por exemplo?
João Canavilhas- Em nada. Segue a mesma lógica, o que mudas são as técnicas de redação.
Ciência e Cultura - Quanto ao ensino desse novo jornalismo, quais desafios encontrados?
João Canavilhas – O desafio é formar jornalistas para este novo paradigma. Há novas matérias para ensinar, mas as velhas teorias da comunicação merecem uma nova leitura à luz dos novos cenários digital e online. Por vezes, há uma grande preocupação com a aprendizagem de novas ferramentas, nomeadamente softwares, mas o essencial é conhecer os princípios, e esses sofreram pequenas adaptações.
Ciência e Cultura - Quais são as dificuldades encontradas ao lidar com pesquisas sobre webjornalismo, levando-se em consideração a efemeridade intrínseca?
João Canavilhas – Esse é um problema do jornalismo e não apenas do webjornalismo. Estudar algo que está em constante mutação é um grande obstáculo. Porém, sabemos que o conhecimento avança por “saltos”, como refere Khun: durante um determinado período (ciência normal) existem teorias que explicam e enquadram a realidade, mas a determinado momento isso deixa de acontecer (crise) e acontecem os tais saltos que procuram enquadrar novas realidades. A digitalização e o online são dois exemplos de fenômenos que obrigaram a investigação a dar este salto.
Ciência e Cultura - Como acredita que o jornalismo irá se configurar daqui a 20 anos?
João Canavilhas – O jornalismo tende a ser cada vez mais online, móvel e de consumo individual. Por isso antevejo uma fragmentação, quer seja da emissão, quer seja do consumo, com mais emissores e mais receptores. É muito provável que neste período passemos a receber informação em smartphones, tablets e até nas lentes dos óculos, o que mudará o ecossistema, tal como o conhecemos.
*Edvan Lessa é estudante de Jornalismo da Facom-UFBA e bolsista da Agência de Notícias.