Considerado como um engenheiro de referência em remediação de acidentes ambientais no Brasil, João Salles foi o executor do Projeto Chumbo Santo Amaro-BA pela Comissão do Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. Foi supervisor das obras da Transposição do Rio São Francisco pelo Ministério da Integração Nacional (MIN). Com vasta experiência internacional, Salles atuou como consultor técnico de um dos casos mais graves de contaminação por vazamento de combustivel, que gerou, pela primeira vez, e um caso em que pessoas físicas ganharam na justiça contra um vazamento de um posto da Petrobrás, o caso ficou conhecido em 2005 como Brazuca. Confira.
POR JÚLIA LINS
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Ciência e Cultura – Como foi o processo que você venceu contra a Petrobrás? É verdade que foi a primeira pessoa física a ganhar causa contra a empresa?
João Salles – Desde 2001 represento uma comunidade de Brasília que foi atingida pelo vazamento do Posto de Combustível Brazuca, bandeira BR Distribuidora (do grupo Petrobrás). O caso Brazuca, como é conhecido, é emblemático no país, pois é a primeira vez que pessoas físicas contaminadas por vazamento de posto são indenizadas. Neste caso, trabalho com uma equipe formada por médico toxicólogo e advogados. Eu constatei a poluição da água subterrânea por benzeno, carcinogênico contido na gasolina, vinda do Posto. É bom observar que o custo para despoluir um lençol de água subterrâneo é muitas vezes maior que despoluir as águas superficiais de um rio ou lago.
No caso Brazuca, o médico toxicólogo comprovou a intoxicação das pessoas. Intoxicação humana, somente se dá via três rotas (dérmica, ingestão, inalação) do benzeno e outras substâncias tóxicas vazadas do Posto de Gasolina. Portanto, como não havia outra fonte de contaminação na área, a intoxicação somente aconteceu devido ao Brazuca. O advogado entrou com ação civil de indenização contra a BR Distribuidora que, para evitar problemas com a sua imagem negativa na mídia, fez um acordo extrajudicial com a comunidade e eles foram indenizados pelos danos patrimoniais sofridos, desvalorização de suas residências face à poluição, assim como receberam outra casa, uma vez que não havia condições de habitarem no local poluído. O terreno, agora de propriedade da BR Distribuidora, está sendo despoluído.
Música Purificar o Subaé da autoria de Caetano Veloso
A luta ainda não terminou, pois eles ainda têm que receber a indenização pela saúde comprometida. A BR vem resistindo, alegando que eles não foram intoxicados, mas apenas expostos aos contaminantes vazados do Posto. Outra questão, ainda pendente neste caso, é que a Secretaria de Receita Federal reteve o imposto de renda referente à indenização paga pela BR. Isto é irregular, uma vez que o imposto retido deve ser sobre renda auferida e não sobre indenização paga. Como a Receita nunca lidou com um caso como este antes, ela tem dificuldades de aceitar a realidade e a lógica. Quando os fatos são novos, a primeira reação do funcionário público acostumado a trabalhar em rotinas é, inicialmente, dizer não! Na verdade, como todos pioneiros, estamos abrindo caminhos para que outras comunidades contaminadas possam receber também suas justas indenizações e ter o meio despoluído. É bom que você saiba que a lei de crimes ambientais não privilegia as pessoas atingidas, mas sim o meio ambiente contaminado, que é um bem coletivo.
É nesse sentido que agente vê por aí nos jornais o pagamento ao órgão ambiental, de compensações ambientais por empresas que poluíram. Estes recursos são utilizados para remediar a área poluída. Ou seja, meio físico e o biótico, não o antrópico. Você pode ir preso se derrubar uma árvore, porém se uma pessoa morrer contaminada, a lei de crimes ambientais não prevê nenhuma pena. Aí você perguntaria como então conseguimos as indenizações das pessoas contaminadas? Além do direito ambiental, que trata do bem difuso e coletivo, partimos para o direito civil, do código civil, que trata da defesa e proteção do cidadão comum em qualquer circunstância. Assim, estabelecemos um nexo de causalidade entre a poluição da água pelo Posto Brazuca e as pessoas contaminadas por essa mesma água.
Ciência e Cultura - O caso Brazuca, como sabemos, foi uma exceção, o que geralmente ocorre com os responsáveis por esses desastres?
João Salles – Sim, no caso Brazuca os poluidores foram punidos exemplarmente. Normalmente o que ocorre é a impunidade. O caso Brazuca ficou como referência e tem sido estudado por outros especialistas em outros casos semelhantes que ocorrem às centenas no Brasil.
Ciência e Cultura – Há quanto tempo e em quantas despoluições de rios já trabalhou? Quais são os casos de rios mais gravemente poluídos?
João Salles – Meu trabalho vem sendo mais amplo, ele é ambiental com foco no homem. Não podemos desvincular o social do ambiental. Trabalho com despoluição há mais de 10 anos, preferencialmente na proteção das comunidades atingidas por acidentes ambientais. Descontaminando não só a água, mas também o solo e o ar, em prol da garantia de uma qualidade de vida melhor para a população. Meu trabalho subsidia tecnicamente os processos em defesa da população e do meio ambiente, contra empresas poluidoras.
Na verdade, a gente trabalha por bacia hidrográfica do rio tal, por ser a unidade para o planejamento dos recursos hídricos. Já atuei em diversos outros casos de poluição de rios e águas subterrâneas. Tais como, o do Rio Mampituba que divide o Rio Grande do Sul de Santa Catarina, do rio São Francisco, do Aqüífero Guarani, do rio Amazonas, do rio Madeira. Mas os casos mais graves de rio poluído são o Tietê-SP e o São Francisco, o da unidade nacional. Este caso está ligado ao da Transposição das Águas do São Francisco.
Ciência e Cultura - Seu pai era santoamarense e você ainda possui família por lá, como é sua relação com a cidade de Santo Amaro da Purificação? Como foi trabalhar lá?
João Salles – Existem familiares distantes. Fui trabalhar lá através da Câmara dos Deputados, que estava atendendo uma representação da Dona Canô, mãe de Caetano Veloso, relativa à poluição do Rio Subaé.
Ciência e Cultura – Geralmente as iniciativas de despoluição dos rios partem de quem? Por quem você é contratado?
João Salles – Na verdade, a iniciativa parte de uma denúncia via ONG ou mídia, atores imprescindíveis na defesa do meio ambiente e das populações atingidas. As iniciativas de despoluição raríssimas vezes são espontâneas. Quem polui, via de regra, não se auto-denuncia. Por isso, existe a Lei de Crimes Ambientais, o gerador da poluição deverá providenciar, às suas expensas, a despoluição, dentro do Princípio do Poluidor-Pagador. Ele deverá pagar pelo passivo ambiental que gerou. Eu posso ser contratado por quaisquer das partes envolvidas na poluição, por quem poluiu ou por quem foi afetado pela poluição.
Ciência e Cultura – No caso Brazuca foi você quem descobriu a contaminação?
João Salles – Baseado na análise de laudos técnicos, eu comprovei a existência da poluição.
Ciência e Cultura – Como funciona tecnicamente o processo de despoluição desses rios, de maneira geral? Além de descobrir a origem da contaminação o que mais é feito?
João Salles – Os passos para a despoluição de rios são: Análise físico-química e bacteriológica da água; identificação e corte das fontes de contaminação; identificação da população que se utiliza da água contaminada; classificação do rio segundo resolução CONAMA 357/05; caracterização dos contaminantes e suas concentrações na água; tecnologias a serem aplicadas para a despoluição e para eventual desintoxicação da população; monitoramento da despoluição do rio e das pessoas e finalmente restabelecimento dos padrões anteriores da qualidade da água e da qualidade de vida da população.
Ciência e Cultura – Como monitorar um rio considerado como ecossistema?
João Salles – O rio, como um “corpo d água”, possui um ecossistema aquático. É um estudo muito específico da zoo e da fitologia. Já um rio, como parte da bacia hidrográfica correspondente, faz parte de um ecossistema mais extenso, abrangendo fauna e vegetação, hidrologia, geohidrologia, climatologia, etc. Sendo assim, para se estudar e monitorar um ecossistema é necessário o trabalho multidisciplinar de vários especialistas.
Ciência e Cultura - Considerando que você foi o Supervisor das obras da Transposição do Rio São Francisco em 2008 e 2009 pelo MI, gostaria de saber: Quais os aspectos positivos e negativos desse projeto considerado “faraônico”?
João Salles – O aspecto positivo é que levará água para a população de 12 milhões de pessoas carentes do semiárido nordestino e, consequentemente saneamento básico e alimentos irrigados; quanto aos aspectos negativos, um deles é o seccionamento de ecossistemas da caatinga, pela presença de quilômetros de canais. Infrutiferamente se tentou utilizar passagens de fauna nos canais.
Ciência e Cultura - Ciro Gomes quando ainda era ministro da Integração Nacional assegurou que esse projeto é a garantia do abastecimento para 12 milhões de pessoas que vivem em pequenas, médias e grandes cidades. Alguns grupos afirmam que a transposição irá beneficiar principalmente a empresários e latifundiários. O que leva essas pessoas a acharem isso?
João Salles – A população de 123 milhões representa as pessoas direta e indiretamente beneficiadas pelo PISF, após a conclusão total de suas obras, prevista para aproximadamente 2014. É prioritário o atendimento das populações carentes da caatinga, porém também está previsto a implantação de empreendimentos hidroagrícolas que proporcionem a melhoria da economia da região, gerando mais emprego e renda. O PISF está sendo construído com dinheiro público, porém os custos para sua operação deverão vir dos investimentos feitos.
Ciência e Cultura - Esse projeto está avaliado em mais de R$ 4,5 bilhões. Em entrevista ao site Brasil de Fato, o bispo Dom Luiz Cappio disse que na própria Agência Nacional das Águas (ANA) existem projetos mais econômicos, mais funcionais e ecologicamente sustentáveis, “mas que o governo se nega a ouvir as próprias soluções que apresenta, porque está, infelizmente, comprometido com um pequeno grupo de elite”. Você tem conhecimento desses projetos? Você concorda com a afirmação de que, se não há poderia haver um projeto alternativo, que trouxesse resultados mais positivos para a população do Semi-Árido?
João Salles – O projeto executivo do PISF, tal como está sendo construído agora, é resultado do estudo de várias alternativas apresentadas ao longo dessas últimas décadas. O que pode ainda haver seriam projetos complementares. Os benefícios sociais e econômicos do PISF ultrapassam os custos de R$ 4 bilhões. Qualquer hidrelétrica de grande porte tem custos pouco superiores a esse e, no entanto, os benefícios não são tão superiores ao do PISF, socialmente falando.
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