Doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Juliana Gutmann teve sua tese de doutorado intitulada “Formas do Telejornal: um estudo das articulações entre valores jornalísticos e linguagem televisiva” laureada no Prêmio de Teses e Dissertações do Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós 2013). Em entrevista para a Agência de Notícias Ciência e Cultura, a vice coordenadora do Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo da UFBA fala sobre sua tese e discorre sobre questões referentes ao telejornalismo
POR ANALÚ RIBEIRO*
analluribeiro@yahoo.com.br
Agência de Notícia: Por que o interesse em analisar a relação entre jornalismo e sua articulação com o formato televisivo?
Juliana Gutmann: De maneira sintética, o interesse pela pesquisa pode aparecer de diversas formas, seja uma curiosidade pelo assunto ou uma lacuna que o pesquisador perceba. Uma tese geralmente vem de um espaço que você acredita que deva ser preenchido. No meu caso, eu tinha uma relação com o meu mestrado, onde estudei a linguagem audiovisual da MTV. E, como professora de telejornalismo eu sentia uma dificuldade de encontrar bibliografias que falassem sobre linguagem audiovisual pensando o jornalismo. Então comecei a perceber que o que eu apreendia na linguagem da MTV poderia também extrair no telejornal, sendo que este se apresenta num formato mais enrijecido. Partindo dessa questão, eu tinha a motivação pessoal, que é trabalhar com audiovisual, e uma lacuna profissional que era a falta de bibliografias sobre o assunto.
Agência de Notícias: No resumo de sua tese, a senhora fala sobre uma deficiência que muitos trabalhos apresentam em analisar o jornalismo só pelo seu conteúdo, não fazendo relação com o formato em que ele se apresenta. A que se pode atribuir essa dificuldade?
Juliana Gutmann: A maioria dos trabalhos acadêmicos se volta para pensar o telejornalismo baseado no conteúdo – enquadramentos, notícias, enfoques. O que eu percebia é que o modo de materializar o conteúdo, isto é a forma, é que determina o efeito produzido na recepção. O pensamento hegemônico que se tinha era que a maneira que articulo a linguagem audiovisual com o jornalismo acaba se tornando sensacionalismo e por isso buscava-se que o conteúdo prevalecesse sobre a forma. Só que as pessoas esqueciam que a televisão tem uma linguagem própria e muitos dos valores propostos pelo jornalismo (objetividade, interesse público, instantaneidade) podem ser construídos através da forma em que o conteúdo está apresentado.
Agência de Notícias: Que análise pode se feita sobre a metodologia de ensino do telejornalismo na graduação? Há a articulação do jornalismo enquanto conteúdo e forma?
Juliana Gutmann: A disciplina de telejornalismo não dá pra ser meramente teórica. O docente tem que ter uma experiência boa de mercado. O que se deve é dizer ao discente o porquê de fazer tais escolhas técnicas e não só reproduzir modelos. É necessário que se avalie a intencionalidade proposta com o uso da técnica. Na Faculdade de Comunicação da UFBA, noto que há uma estrutura física e um capital simbólico que auxiliam na construção desse tipo de metodologia para os discentes – os professores tiveram experiências externas e, portanto, possuem um conhecimento teórico-prático; e o laboratório de tevê torna a prática mais próxima dos alunos.
Agência de Notícias: Na construção da sua tese, qual o caminho seguido para responder a problemática central?
Juliana Gutmann: Minha tese tem uma estrutura bastante peculiar. Para além da pesquisa sobre o telejornal, eu acredito que não há pesquisa em que você não tenha como objeto de pesquisa o próprio movimento de pesquisa, ou seja, fazer pesquisa é pensar sobre aquele objeto e refletir como eu pesquiso sobre ele. Eu queria fazer uma tese analítica, de pesquisa. Por isso, ela começa pela análise e depois retorna aos conteúdos, conceitos. O meu intuito foi ver primeiramente minha análise para depois pensar os conceitos e depois retornar as análises novamente, gerando um processo cíclico.
Agência de Notícias: Houve alguma descoberta científica inédita na sua tese? Qual?
Juliana Gutmann: Não existe nada inédito. O trabalho pode ter uma originalidade por criar um caminho de construção de tese diferenciado do modelo hegemônico.
Agência de Notícias: De que maneira os estudos culturais e a semiótica estiveram presentes na elaboração da sua tese?
Juliana Gutmann: Na época da graduação sempre gostei muito de semiótica e estética, as quais são disciplinas que dialogam muito. Os estudos culturais eu descobri no mestrado e me apaixonei. Minha orientadora é da área dos estudos culturais, dialoga bem com a semiótica e eu puxei isso para mim. Fazer esses campos dialogarem foi outro problema da minha tese e estou satisfeita com o resultado. Na pesquisa você tem que articular algo que contribua para o campo científico com algo que lhe proporcione prazer em fazer.
Agência de Notícias: Seu trabalho serviu de incentivo para outros pesquisadores do grupo de telejornalismo que a senhora faz parte?
Juliana Gutmann: Acho que sim por que os trabalhos dos meus colegas me servem muito de experiência. É prazerosa a partilha de conhecimento entre colegas no jornalismo e isso ainda é pouco na nossa área. A minha pesquisa foi construída não só por mim, mas a partir da minha formação, do meu trabalho no grupo de pesquisa. Logo todo mundo contribuiu, têm-se uma autoria compartilhada.
Agência de Notícias: Em sua opinião, quais as mudanças que o telejornalismo brasileiro tem sofrido desde a década de 50 até os dias atuais?
Juliana Gutmann: Assim que a televisão foi inaugurada, dias depois nasceu o primeiro telejornal, Imagens do Dia. Ainda não tínhamos aprendido a fazer televisão e o telejornal era na verdade um radiojornalismo televisionado, como acreditam alguns autores, pelo fato de se ter uma imagem do radialista falando. Com o desenvolvimento cultural, político e tecnológico, a técnica televisiva foi se transformando, dando lugar a narração aliada com imagens, repórteres no local do acontecimento, entre outras mudanças. Tudo isso é construído culturalmente. Atualmente, se nota uma maior intimidade dos telejornais com o receptor, mas ainda mantendo marcas do gênero, a exemplo da bancada que é um dispositivo que diferencia os apresentadores do público, legitimando o local de fala. Pensar gêneros no telejornal é pensar marcas de continuidade e ruptura, com mudanças e permanências.
Agência de Notícias: Com o boom da internet e a intensa convergência das mídias, quais as perspectivas para o telejornalismo? A sua linguagem tende a se readaptar utilizando características de outros meios?
Juliana Gutmann: A gente não tá sabendo ainda fazer essa readaptação e não se pode pensar que um meio vai acabar em detrimento de outro que está em maior notoriedade. O telejornal tem feito aproximações com outros meios, a exemplo da internet, mas o que se vê é a reprodução do que é passado no formato televisivo e não a adaptação da reportagem para o ambiente virtual.
Mais informações: http://telejornalismo.org/
*Analú Ribeiro é estudante de jornalismo e colaboradora da Agência de Notícias em C,T&I da Faculdade de Comunicação da FACOM – UFBA