Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 21 DE setembro DE 2016 ás 01:05

Lidércia Cavalcanti

A pesquisadora Lidércia Cavalcanti possui doutorado em Química Analítica pela Universidade Federal da Bahia e possui experiência na área de Farmacotécnica, Cosmetologia e Química, estudando o desenvolvimento de sistemas de liberação de bioativos das plantas com finalidade medicamentosa e ou cosméticas. Também coordenou o primeiro curso de extensão em cosmetologia da faculdade de farmácia da UFBA em 2015. Ela e a sua equipe trazem o olhar científico acerca das novas formas de cuidado capilares, low e no poo, populares principalmente entre meninas de cabelos cacheados, e as consequências para a indústria farmacêutica devido a esse movimento

POR RENATA OLIVEIRA*
renatsoliveira@hotmail.com

Ciência e Cultura: A área de cosmetologia é recente no Brasil? Explique um pouco sobre como essa ciência farmacêutica se desenvolve.

Lidércia Cavalcanti: Desde o início da civilização o homem já utilizava produtos encontrados na natureza com finalidade cosmética. Os portugueses, ao chegarem ao Brasil, encontraram índios que utilizavam produtos de origem vegetal, como o urucum e jenipapo, para decoração dos corpos. O desenvolvimento da indústria cosmética no país ocorreu principalmente após a política de incentivos do governo na década de 1950 que permitiu a implantação de indústrias de grande porte no Brasil, a exemplo da Avon e L’Oréal. O desenvolvimento da indústria química e farmoquímica permitiram o desenvolvimento contínuo de produtos cosméticos. A cada ano são desenvolvidos vários novos ativos e veículos permitindo a evolução destes produtos.

Ciência e Cultura: Existem estudos e desenvolvimentos da cosmetologia na Bahia?

Lidércia Cavalcanti: Toda indústria cosmética, seja na Bahia ou em todo Brasil, realiza pesquisas de desenvolvimento de seus produtos, visando obter um produto de qualidade, que atenda às necessidades do seu público alvo, a um custo acessível. As Universidades também frequentemente realizam pesquisas no intuito de identificar novas substâncias ativas derivadas da flora com o objetivo de utilizá-las em medicamentos e ou produtos cosméticos. A UFBA e a UNEB possuem grupos de pesquisa que estudam esses produtos naturais bem como o desenvolvimento de novos produtos cosméticos a base destes.

Ciência e Cultura: Dentro da cosmetologia, existe alguma área específica para produtos capilares? Se sim, qual o nome?

Lidércia Cavalcanti: A Cosmetologia Capilar é a área que trata especificamente dos produtos cosméticos destinados à aplicação nos cabelos e cuidado dos mesmos.

Ciência e Cultura: O que é o cabelo?

Lidércia Cavalcanti: O cabelo é um anexo da pele, responsável por várias funções no organismo como proteção térmica além da função estética. É formado por uma haste (porção visível do cabelo) e a raiz. A haste é formada por células mortas e ricas em uma proteína que lhe confere resistência, a queratina. A raiz possui células vivas e é responsável pela formação e crescimento da haste.

Ciência e Cultura: Qual a diferença estrutural entre o fio crespo, cacheado e o fio liso?

Lidércia Cavalcanti: A diferença está basicamente no formato do corte transversal do fio e da distribuição da queratina ao longo da haste. O cabelo liso tem formato do corte circular e arredondado, com a queratina distribuída uniformemente sobre o fio. O fio cacheado tem o corte com formato ovalado e com a queratina distribuída irregularmente, concentrando-se mais em uma face longitudinal que em outra. O cabelo crespo tem corte com formato elíptico, com achatamento, e distribuição irregular da queratina.

Ciência e Cultura: Muitas pessoas, principalmente as de cabelos cacheados, tem adotado uma nova rotina de cuidados capilares onde o uso de produtos que contenham os componentes químicos da classe dos petrolados e sulfatos são proibidos. Essa técnica é chamada de “low e no poo”. Qual a função destes componentes em um produto capilar? Eles causam algum dano real para os fios?

Lidércia Cavalcanti: Os petrolatos são normalmente utilizados em condicionadores e cremes capilares, com a função de conferir emoliência, lubricidade e sobreengorduramento ao fio. Os sulfatos são agentes tensoativos usados em xampus com a função de detergente, eliminando as sujidades. Os petrolatos tendem a se acumular no fio e no folículo, podendo prejudicar o crescimento do fio, além de formar um filme impermeável à água e outros nutrientes para o fio. Os sulfatos tendem a remover excessivamente a oleosidade natural dos fios, tornando-os gradativamente mais secos, opacos e porosos. Também são agentes normalmente aniônicos que alteram a formação de cargas elétricas dos fios, deixando-os também mais ásperos, volumosos e de difícil penteabilidade.

Ciência e Cultura: A cozinha tem virado o novo armário daqueles que procuram cuidar do cabelo de forma mais saudável. O uso de produtos alimentícios, tais como o vinagre (para tratamento de caspas), a maisena (para hidratação) e principalmente, o óleo de coco (para nutrição), se tornou cada vez mais comum. Estes alimentos são realmente capazes de tratar o cabelo?

Lidércia Cavalcanti: O vinagre, devido à presença do ácido acético, pode apresentar uma certa ação antiséptica, entretanto não existem estudos que comprovem sua eficácia contra o fungo causador da caspa. Além disso, seu pH baixo pode afetar negativamente a estrutura do fio do cabelo, deixando-o mais opaco e difícil penteado. O amido que compõe a “maisena” por ser um carboidrato pode agir no fio como umectante pois tende a absorver umidade do ambiente e hidratando o fio, mas isso só ocorre quando a umidade relativa do ar está elevada. O óleo de coco é rico em ácidos graxos e vitaminas e dessa forma pode ter sim ação nutritiva.

Ciência e Cultura: A senhora estuda o desenvolvimento de sistemas de liberação de bioativos das plantas com finalidade medicamentosa e/ou cosméticas. O que os seus estudos vem apontando em relação a área cosmética?

Lidércia Cavalcanti: Em nossos estudos buscamos utilizar os bioativos presentes em plantas e aplicá-las algumas técnicas e processos que potencializem a atividade de interesse em produtos cosméticos, tais como, antioxidantes, hidratantes, emolientes, fotoproteção. As pesquisas também visam inserir o estudante de Farmácia para atuar no campo dos cosméticos, principalmente no setor de pesquisa e desenvolvimento, considerando que tal setor é uma área do conhecimento do profissional farmacêutico com perspectivas promissoras. Os sistemas de liberação de bioativos mais estudados no nosso laboratório são os sistemas nanotecnológicos, em especial os lipossomas. A nanotecnologia, por exemplo, está sendo um dos principais recursos para o desenvolvimento e inovação na área cosmética. Em se tratando de produtos cosméticos, a substância ativa, ao invés de ser adicionada diretamente no veículo cosmético, ou seja, na forma livre, é encapsulada em vesículas nanométricas – os lipossomas, e estas são capazes de melhorar a distribuição, na pele, das substâncias incorporadas aos cosméticos.

Ciência e Cultura: A senhora poderia apontar as melhores indústrias de cosméticos brasileiras? Em termos de transparência em torno da composição, produção, uso de componentes naturais, etc.

Lidércia Cavalcanti: Eu particularmente aponto a Natura, principalmente pelo uso dos produtos da flora brasileira e estímulo da agricultura familiar.

Ciência e Cultura: Em 2015, a senhora coordenou um curso de extensão em cosmetologia na Faculdade de Farmácia da UFBA. Como foi essa experiência? Teremos uma nova edição agora em 2016?

Lidércia Cavalcanti: Foi oferecido um curso de extensão, voltado para profissionais do campo da produção e desenvolvimento de cosmético e houve uma procura considerável. A princípio estava prevista somente uma turma, mas em razão da demanda tivemos que ofertar por mais de uma vez. E em 2016, encontra-se em fase de estruturação um curso de especialização em cosmetologia com o intuito de capacitar profissionais para atuarem no setor da produção de cosméticos

Ciência e Cultura: a Faculdade de Farmácia da UFBA possui algum tipo de direcionamento para a área de cosméticos?

Lidércia Cavalcanti: O Colegiado de Graduação de Farmácia oferece na condição de conteúdo optativo e com carga horária de quatro horas semanais, há aproximadamente quatro semestres, a disciplina cosmetologia.

Ciência e Cultura: Qual a grande revolução que deve-se fazer na formação dos estudantes de farmácia perante esta mudança de comportamento do consumidor? Como a busca por produtos de origem natural, preocupação com os componentes químicos e origem daquilo que se consome influencia no estudo e criação de produtos?

Lidércia Cavalcanti: Incentivar cada vez mais o discente de Farmácia a buscar o conhecimento cientifico, tanto em relação à composição, propriedades e uso de plantas, mas também a aplicação e utilização de materiais, insumos, processos e novas tecnologias voltadas para o mercado cosmético.

Ciência e Cultura: A proposta de inovação dentro da área farmacêutica, especificamente a indústria cosmética, propõe a propagação da sustentabilidade aplicada a área ambiental. De que forma essa sustentabilidade está sendo aplicada no momento, em termos de pesquisa?

Lidércia Cavalcanti: Em nível de Brasil percebe-se a preocupação de algumas empresas com aquelas pessoas que possuem o conhecimento popular do uso das plantas. Tais empresas já incentivam o cultivo sustentado nas próprias comunidades, como também a comercialização. Além da existência de grupos organizados ou em parcerias com instituições privadas, religiosas, e filantrópicas as quais tratam de aproveitar o potencial natural da região em prol das próprias comunidades. Em muitos casos oferecem cursos, capacitando os membros daquela comunidade a cultivar e utilizar o que tem disponível e transformá-lo em cosméticos, tanto para uso próprio como para comercialização.

*Renata Oliveira é estudante da Faculdade de Comunicação da Ufba e colaboradora da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *