O professor da Escola de Belas Artes da Ufba e orientador de pesquisas de ornamentação em madeira esculpida, explica a adoração católica às imagens, sincretismo religioso e critica burocracia dos editais de financiamento de pesquisas
Por Luana Amaral*
luamaral89@gmail.com
Ciência e Cultura – Qual o sentimento do pesquisador que trabalha com a questão histórica da arte?
Luiz Alberto Freire - São vários sentimentos, dois em especial. O primeiro é o sentimento de empatia, o gosto que a gente tem em trabalhar com uma produção que tem valor estético, simbólico. Compraz muito saber que nossos ancestrais fizeram coisas tão bonitas. O outro sentimento é de decepção ao ver o grau de conservação dessas coisas, é decepcionante ver como a documentação sobre o trabalho artístico é tão negligenciada e lacunar por falta de conservação. Mais decepcionante ainda é a falta de recursos humanos para gerenciar o patrimônio, tanto documental quanto artístico.
Ciência e Cultura – Em relação às demais regiões do Brasil, como é a situação da Bahia quanto à valorização da arte?
Luiz Alberto Freire - Eu não sei do resto do país, mas eu tenho muito contato com Minas e lá existe um maior investimento na divulgação e preservação da cultura, produção de conhecimento e novos artistas.
Ciência e Cultura – Quanto às verbas quais são as dificuldades enfrentadas?
Luiz Alberto Freire - A disponibilidade de verbas está ligada aos editais, e os editais nunca contemplam o necessário para fazer a pesquisa. O professor, que é uma mão de obra capacitada para a pesquisa, para analisar, comparar e criticar, é levado através desses editais a sair do seu trabalho para fazer coisas burocráticas que são alheias ao seu universo, como por exemplo, prestar contas, fazer cotação de preços, aquisição de material, coisas que ele não entende bem pra fazer uma escolha. É um trabalho que deveria ser feito por pessoas específicas. Perdemos o tempo que poderia ser dedicado à pesquisa com a burocracia.
Ciência e Cultura – Em sua opinião, como deveria ocorrer esse processo de contemplação de verbas?
Luiz Alberto Freire - Deveria acontecer como no mundo desenvolvido. A gente precisa de estrutura, a instituição consegue essa estrutura através do seu setor de materiais. Qualquer empresa tem seu setor de materiais para prover o funcionário da mínima estrutura necessária.
Ciência e Cultura – O culto aos santos católicos foi trazido pelos portugueses para o Brasil. Hoje é possível observar um sincretismo religioso na nossa cultura, mas como se deu a aceitação dessas imagens no Brasil colonial pelos índios e negros?
Luiz Alberto Freire – È difícil afirmar, pois inclui a recepção da obra. A gente não tem a fala dos índios e africanos, mas remanescências. Temos a fala do português, que é um discurso parcial. O que ele julgava ser uma aprovação do índio poderia não ser. Pela fala dos portugueses, os índios se encantavam com o aparato barroco. Um ritual religioso indígena, uma festa indígena, tem cantos, a música, danças, pintura corporal, adereços plumados, lutas, uma exuberância artística. Tudo isso era característica da cultura indígena, assim como a africana. Entender por essa via a cultura barroca foi muito fácil. Mas essa cultura não foi um pacote pronto trazido pra cá, se desenvolveu aqui com contribuições, e essas foram se adaptando em uma contínua e complicada negociação. Nosso barroco tinha intenções políticas e religiosas. A idéia da aculturação dos gentios, como era chamada índios e africanos permeavam essa negociação cultural que se desdobra até hoje. Pelo relato dos portugueses os índios ficavam muito devotos. Agora, até aí saber se eles estavam conscientes da nova fé é complicado. De qualquer maneira esse contato começa uma mescla cultural.
Ciência e Cultura – A adoração às imagens ganhou força na idade Média, quando a maioria da população era analfabeta e as imagens eram o meio encontrado pela igreja para educar e difundir seus ideais. E hoje, como o senhor vê a relação entre os fiéis, a igreja e as imagens?
Luiz Alberto Freire – Hoje a igreja mantém a relação com a imagem, mas essa relação foi esmaecendo em função do próprio concílio do Vaticano, que pregou uma religião mais essencial, mais centrada na palavra. Mas tradicionalmente o cristianismo sempre se valeu de imagens. Quando a religião era perseguida no império romano, era necessário reunir-se clandestinamente, eles se apropriavam de símbolos pagãos, ressemantizando a relação dos objetos com os conteúdos cristãos. De modo que se a guarda romana os surpreendesse diante de um símbolo desses, eles não entenderiam que esse símbolo tinha um conteúdo cristão. As âncoras, peixes, o Bom Pastor vieram dessa antiguidade romana e permanecem até hoje. Desde essa época, paleolítica cristã, o catolicismo falava através de imagens. Na idade média havia a necessidade da igreja em transmitir seus ensinamentos para uma população em grande parte analfabeta (existiam, inclusive, reis que não sabiam ler). Os santos deveriam ser testemunhas da fé e de uma vida virtuosa. No gótico, isso se intensifica. No renascimento a produção é grande, e no barroco explode, já que havia um acontecimento a mais. Era época do surgimento do protestantismo e a contra reforma, com o Concílio de Trento, queria fazer da arte uma forma de propaganda para conquistar os pagãos dos novos territórios. Houve um convênio entre a igreja e os Estado colonizador, que daria suporte pra a ação da igreja em conquistar mais fiéis para o cristianismo e súditos para a coroa.
Luiz Alberto Freire é professor da Escola de Belas Artes da UFBA onde orienta projetos de pesquisa na linha de História da Arte Brasileira. Desenvolve pesquisas sobre a arte da talha- a ornamentação em madeira esculpida- das igrejas baianas, especialmente do século XIX, sobre os estilos: maneirista, barroco, rococó e neoclássico. É membro do Comitê Brasileiro de História da Arte da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP.
*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom