Contenção, caracterização do solo soteropolitano e o panorama de causa e consequência da ocupação em zonas de risco foram os temas centrais da entrevista realizada com o engenheiro e professor da Escola Politécnica da UFBA, Luiz Edmundo Prado de Campos, que aponta a prevenção como melhor forma de evitar os desastres
POR JÉSSICA MUNIZ*
jessikamunniz@gmail.com
Todo ano os índices de tragédias e acidentes envolvendo deslizamentos de terra crescem, devido não somente às chuvas, mas causadas também pela ocupação desenfreada em áreas de risco, com barrancos e encostas. O engenheiro civil Luiz Edmundo Prado de Campos, professor titular da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia e coordenador do Laboratório de Geotecnia, que realiza pesquisas na área de solos, monitoramento de chuvas e prevenção de deslizamentos de terras e contenções, falou com a repórter Jéssica Muniz, da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura, e descreveu o panorama das encostas em Salvador.
Ciência e Cultura – Quais as características predominantes dos solos soteropolitanos?
Luiz Edmundo – Com nosso trabalho podemos observar que o solo de Salvador é muito bom. É um solo proveniente de uma rocha, a partir da decomposição de um granolito. Grande parte da cidade está no solo residual do granolito, que tem uma boa característica. E temos uma parte da cidade baixa onde se pode encontrar em alguns locais um solo chamado massapê e é um solo com características ruins, por ser expansivo ao absorver água, tendo suas propriedades modificadas, perdendo a resistência devido ao umedecimento, tendendo a inchar e/ou rachar. Então é importante fazer essa diferenciação, porque muitas vezes as pessoas colocam o problema que acontece em Salvador (deslizamentos) é devido à topografia ou tipo de solo inadequado, não é bem verdade, talvez na região de massapê isso até se aplique, mas é uma região muito pequena, não corresponde nem aproximadamente 5% do território aqui de Salvador.
Ciência e Cultura – Como o crescimento urbano desenfreado contribui para ocupação da população em áreas de risco?
Luiz Edmundo – Muitos dos escorregamentos estão relacionados com a forma desordenada que a população ocupa, por falta de orientação, pois a cidade antiga era toda desenvolvida na região alta, posteriormente foram ocupadas as Avenidas de Vale e ficou essa região entre a parte alta e as avenidas de Vale um vazio, que a população passou a ocupar, por querer um local próximo ao trabalho, por questões sociais e de renda. E ocuparam as áreas que de certa forma eram pequenas, expandindo-a horizontalmente, fazendo cortes, jogando material na própria encosta em cima de vegetação, lixo e hoje é o que observamos que são as incidências de escorregamento correspondendo a essas regiões mal ocupadas. Se tivéssemos um projeto de ocupar as encostas de forma mais ordenada, hoje não teríamos esse prejuízo tão grande, até pelo custo elevado de uma cidade desorganizada, sem vias de acesso boas, as escadarias em condições precárias, então vemos uma situação muito ruim, do ponto de vista que se fosse uma cidade planejada.
Ciência e Cultura – É pertinente associar índice pluviométrico das chuvas com ocorrências e deslizamentos de terra?
Luiz Edmundo – Estamos realizando um trabalho com a prefeitura sobre correlacionar chuva com deslizamento de terra. E a primeira conclusão que tivemos analisando os dados é que não tem nada a ver o número de deslizamentos de terra com precipitação anual. Tem anos que choveram muitos mais e os deslizamentos foram pequenos e anos que choveram menos e os deslizamentos foram maiores, me refiro à precipitação anual. Temos uma média de cerca de 1.900 milímetros por ano em Salvador e observamos aqui que em 2005, 2009, 2015 foram anos relativamente mais secos do que outros e tiveram grandes números de deslizamentos. Então a relação maior é com a chuva dentro de um período de dez dias, ou seja, em anos que se choveu muito, porém, em um intervalo de tempo pequeno foram muito mais críticos do que anos que choveu o ano inteiro. Às vezes é uma chuva continua, ou essas outras chuvas concentradas e faz diferença, então, 2005, 2009 e 2015, foram anos bem atípicos.
Ciência e Cultura – Como as chuvas são monitoradas no laboratório de geotecnia?
Luiz Edmundo – Estamos desenvolvendo um trabalho de alerta com a prefeitura. Acompanhamos as chuvas em Salvador por diversos pluviômetros distribuídos pela cidade. E fornecemos os dados de quanto choveu. Os dados são atualizados a cada dez minutos em tempo real pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN). Dados e acompanhamentos que são acessíveis a qualquer cidadão através da página do CEMADEN, onde são encontradas informações sobre chuvas desde o inicio do ano, ou das ultimas semanas, 24 horas.
Ciência e Cultura – Os deslizamentos de terra que ocorreram em maio de 2015 na região do Barro Branco / Alto do Peru, voltaram a se repetir 19 anos após o deslizamento, na mesma localidade que fez 22 vitimas. Isso mostra que as soluções tomadas em 1996 foram ineficazes?
Luiz Edmundo – Fomos avaliar a região do Alto do Peru/ Barro Branco onde ocorreram os deslizamentos de terra no ano passado que vitimaram 12 pessoas. E ali há uma parte com uma contenção ou solo grampeado feito anteriormente, mas até determinado local. E o deslizamento aconteceu na parte que não tinha essa contenção no lado esquerdo da região, abaixo de um prédio. No deslizamento em 1996 demoliram-se as casas que estavam em baixo e as casa de cima que estavam em risco nessa região onde caiu, esse outro lado que não havia caído acabou sendo preservado, que veio a soterrar na chuva do ano passado, então acredito que deveria ter estendido mais a solução que foi dada para esse outro local, porque observamos que não ouve uma ruptura do que foi tratado anteriormente e sim da continuação onde parou a obra.
Ciência e Cultura – Quais as possibilidades para contenção de encostas? É sempre a alternativa mais viável tanto para moradores quanto para prefeitura/governo?
Luiz Edmundo – Existem diversos tipos de contenção, as estruturas mais esbeltas que têm se utilizado bastante em Salvador, é a cortina tirantada, uma parede de concreto que segura o terreno. O outro é o solo grampeado que é uma solução de reforço para o terreno, similar ao bolo que cai uma fatia e se coloca uns palitinhos para que essa fatia permaneça sustentada. Colocam-se umas barrinhas de ferro para formar uma estrutura armada no terreno e possui um custo mais barato do que a cortina tirantada. A cortina tirantada tem um alto custo, R$ 2 mil reais o m², então pegar um terreno com 5m de largura X 5m de altura é equivalente a 25m², R$100 mil reais, a casa custa em torno de R$18 a 20 mil reais. Então se gastar um valor alto equivalente a uma moradia, podendo atender uma demanda maior. Não acho que se deva partir da premissa de tirar o morador, mas quando se coloca que para manter a pessoa ali o custo da obra é muito superior ao da casa, passa-se a refletir se vale a pena fazer isso ou não. Como é que você pode concentrar muito em determinado local e deixar outras pessoas de lado? Então é um gerenciamento difícil.
Ciência e Cultura – Qual importante medida para prevenção dos desastres nas áreas ameaçadas devido a encostas?
Luiz Edmundo – O maior problema que temos aqui, maior que a contenção é a necessidade de obras de drenagem para evitar que as águas de chuva que não tem um direcionamento. Não querendo com isso culpar a população, mas ela joga água diretamente nas encostas, pois não tem uma rede de coletas de águas pluviais. Acontecem também rupturas de tubulações e o lançamento de esgoto. Sendo o esgoto prejudicial, pois joga água por tempo indeterminado, seria como se permanecesse chovendo o ano inteiro. Falta de drenagem da rua, as tubulações vão jorrando, falta de infraestrutura, então devido a esses fatores quando chega realmente o período de chuva a situação do solo já está bastante agravada.
Ciência e Cultura – Como cidadão acredita que virou uma questão cultural culpar a população que se expõe a morar em locais ameaçados após os acidentes e tragédias? Como analisa isso?
Luiz Edmundo – Acho que sim, não podemos culpar uma população devido ao um período muito ausente de investimento na politica habitacional, tivemos o Banco Nacional de Habitação (BNH) há um tempo e mais recentemente o “Minha Casa Minha Vida”. Nesse buraco que ficou sem investimento a população teve que “se virar” e acabaram “se virando” como puderam. O ideal seria que as prefeituras, não só de Salvador, mas qualquer cidade fizesse toda infraestrutura para se implantar casas, colocar nas ruas redes de água, esgoto, telefonia, rede elétrica, daí se construiria as casas nesses lotes programados para moradia. O que não foi feito em Salvador e as pessoas foram ocupando o espaço, puxando água, energia de qualquer jeito e depois vem o poder público quando já está estabelecido naquela área tentando atender aquela situação.
*Jéssica Muniz é estudante de graduação em Bacharelado Interdisciplinar – Humanidades