Professor e pesquisador do Instituto de Psicologia da UFBA, Marcos Emanoel Pereira tem desenvolvido pesquisa na área de estereótipos, que julga ser importante, principalmente por questões relacionadas ao preconceito e à discriminação. Em entrevista à Agência de Notícias Ciência e Cultura, Marcos Emanoel sintetiza seu trabalho de pesquisa intitulado Um ambiente online para estudo dos estereótipos. No projeto, preparou-se um ambiente virtual para a condução das pesquisas sobre o processo de esterotipização.
POR THAIS BORGES*
Ciência e Cultura – Quem financiou a pesquisa?
Marcos Emanoel – A pesquisa é um desdobramento de um projeto de pesquisa que comecei no pós-doutorado, que foi financiado por uma bolsa da CAPES. Como uma parte do pós-doutorado foi realizada na Espanha, ao final do pós, eu e um professor espanhol, professor José Luís Álvaro, entramos em um projeto conjunto, financiado pela AECID (Agência Espanhola Internacional de Cooperação do Desenvolvimento). E , posteriormente, o projeto de pesquisa foi contemplado por editais do CNPq, o edital de humanas e o edital universal.
Ciência e Cultura – Por que o interesse na área de estereótipos?
Marcos Emanoel – Eu já venho trabalhando com estereótipos desde o meu projeto de doutorado, porque existe uma importância prática, sobretudo nas questões relacionadas com preconceito e discriminação. Contudo, o desenvolvimento desse projeto visou, principalmente, atender uma necessidade – de natureza conceitual e de natureza teórica – de desenvolver um modelo geral dos estereótipos e submeter a teste esse modelo. Em linhas muito gerais, o entendimento que eu tinha ao desenvolver esse projeto era de que a definição conceitual dos estereótipos tinha algum problema e o problema se relacionava porque os estereótipos eram vistos como crenças que se referiam a categorias sociais. E eu acredito que podem existir outros estereótipos em relação a outros tipos de entidades, que não as categorias sociais. Particularmente, existem estereótipos a respeito de grupos, bem como a respeito de agregados. Assim, associar estereótipos com categorias sociais é uma ideia insuficiente e imprecisa para desenvolver o estudo do estereótipo. Acreditei que a melhor maneira de fazer esse estudo avaliando como os estereótipos vão se manifestar em relação a esses três tipos de entidades (categorias, grupos e agregados) seria fazer uma pesquisa utilizando o ambiente web.
Ciência e Cultura – De que maneira a pesquisa foi conduzida?
Marcos Emanoel – Já estamos no terceiro desdobramento dessa pesquisa. A formulação inicial foi desenvolvida como uma pesquisa web utilizando o recurso de coleta online de dados, que é a parte mais significativa do estudo. Nós adotamos um design de amostras independentes onde os participantes acessavam uma página e, mediante processo de aleatorização, um grupo (como um grupo de trabalhadores) ou uma categoria (como a categoria das mulheres) ou agregado um agregado (como pessoas numa fila) era avaliado. A avaliação era feita em duas dimensões que acreditamos que são fundamentais para o estudo dos estereótipos. A primeira era da desindividualização, em que se deixa de ver e perceber uma pessoa como indivíduo para vê-la como membro de um grupo ou de uma categoria social. Assim, retira-se o caráter de uma pessoa de indivíduo e diz-se que ela faz parte de um todo. A segunda dimensão seria a construção de uma teoria do senso comum, uma teoria explícita a respeito daquela pessoa. Pensando nos estereótipos, se identificamos um baiano e dizemos “baiano é preguiçoso”, deixamos de ver aquela pessoa como indivíduo, passando a incluí-la na categoria de “baiano”, com uma teoria a respeito de porque baiano é preguiçoso. E utilizamos essa teoria de porquê os baianos são preguiçosos para ajustar minha conduta com relação a esse tipo de pessoa. Então, nesse sentido, o primeiro modelo visou comparar os diferentes tipos de entidade em função desses dois domínios. A segunda derivação desse estudo já foi fazer uma testagem na mesma pessoa, utilizando um desenho de medidas repetidas. Esse também é um tipo de pesquisa que só pode ser conduzida na internet, porque eram doze entidades, sendo quatro grupos, quatro categorias sociais e quatro agregados. As duas dimensões eram compostas por várias subdimensões, existindo uma infinidade de respostas para a pessoa. E a pessoa avaliava várias dessas condições para várias dessas categorias, somente utilizando recursos da web. E num terceiro momento, em que estamos trabalhando ainda hoje, começamos a conduzir pequenos estudos de natureza experimental e de natureza variável, tentando identificar como, de uma forma comparativa, grupos ou categorias eram avaliados quando modificávamos cada uma dessas dimensões. Consiste em um experimento comparando dois grupos ou categorias, e as dimensões específicas dessas categorias e desses grupos, para identificar, de forma mais precisa, as relações que existem entre essas entidades e teorias.
Ciência e Cultura- O que são os estereótipos?
Marcos Emanoel – A definição que eu adoto é que estereótipos são crenças compartilhadas a respeito de determinados entes sociais, que podem ser categorias, grupos ou agregados. Tais crenças compartilhadas se fundamentam em teorias implícitas, em teorias do senso comum, que podem ser teorias que fazem referência a causas internas, como casos psicológicos.
Ciência e Cultura – Como ocorre o processo de estereotipização ?
Marcos Emanoel- O processo de formação dos estereótipos, fundamentalmente, se dá na socialização. Aprendemos estereótipos desde muito cedo. Quando se diz que “menino não chora”, já estamos introduzindo um estereótipo. Logo, as crianças aprendem muito cedo e já associam determinados traços ou características a determinados grupos ou determinadas categorias sociais. Quando dizemos algo assim, estamos afirmando que existe uma diferença entre meninos e meninas, e que essa diferença faz com que todos os meninos sejam assim. Quando você diz que menino não chora, está dizendo que nenhum menino pode chorar. E os estereótipos, nesse sentido, são expectativas. É algo que você espera que vá acontecer com uma determinada pessoa, não porque ela é do jeito que ela é não porque ela é indivíduo, não porque ela é particular, mas pelo mero fato de ela pertencer a um grupo. Isso acontece durante o processo de socialização. Inicialmente, no ambiente familiar, posteriormente, na escola. É também na escola que encontramos uma série de mecanismos de socialização mediante aplicação de apelidos, de atribuições de características a estudantes, professores, pais e funcionários. Tudo isso está diretamente envolvido com estereótipos. E, por último, um grande fator para a formação dos estereótipos, além da família e da escola, é a indústria cultural e os meios de comunicação de massa. Os meios de comunicação de massa reforçam, sobretudo, a pauta dos estereótipos que são discutidos no cotidiano das pessoas. Não é que a indústria cultural ou os meios de comunicação de massa “enfiem” isso diretamente na cabeça da pessoa. Não se trata de um modelo da agulha hipodérmica. Mas as pessoas assimilam isso a partir do diálogo, do comentário, das pautas de relacionamento interpessoais, do gerenciamento dos encontros. As pessoas começam a tomar conhecimento e produzem seu repertório discursivo, e acabam assimilando, muitas vezes sem nem se dar conta, que estão reproduzindo um estereótipo.
Ciência e Cultura – Os estereótipos podem interferir na personalidade do indivíduo?
Marcos Emanoel – Julgo que sim. Existe um conceito na literatura que é o conceito de auto-estereótipo. Você pode supor que os estereótipos são aplicados aos outros, mas os estereótipos também são aplicados a categoria a qual você pertença. Eu não diria que interfere na personalidade, entendendo personalidade como constructo que envolve características estáveis da pessoa. Mas me parece que os estereótipos contribuem para a formação da identidade pessoal por conta de que uma parcela significativa de nossa identidade pessoal é construída com base em nossa identidade social. E os estereótipos estão presentes na construção da nossa identidade social.
Ciência e Cultura – Como processo de estereotipização influencia a construção de identidades virtuais?
Marcos Emanoel – Eu julgo que o mero fato de você selecionar um avatar, criar um nome para fazer alusão a si mesmo, acaba de certa forma, sofrendo o impacto daquilo que se define como estereotipização. Se, no contexto virtual no qual estou virtualmente inserido, agrego ao meu nome, alguma coisa tipo “nerd”, isso vai envolver um grau de estereotipização. Logo, se eu incluo aquilo como parte do meu avatar, como parte da minha identidade virtual, é perfeitamente compreensível que as pessoas me atribuam aqueles traços e características. E, por mecanismos de profecias que se realizam por si mesmas, as pessoas acabam ajustando suas condutas àquilo que se supõe que viria a ser a maneira pela qual elas construíram essa identidade virtual.
*Thais Borges é estudante de Comunicação – Jornalismo da Faculdade de Comunicação, da Universidade Federal da Bahia (UFBA)