O câncer é um momento decisivo na vida de quem tem o diagnóstico: as transformações durante o tratamento deixam sua marca na vida do indivíduo; é uma jornada difícil, além de única nos inúmeros pacientes. A jornalista Mariana Sebastião foi diagnosticada com câncer de mama aos 24 anos e resolveu contar sua história e as de outras mulheres, que passaram pela mesma situação que ela, no livro A Metamorfose das Borboletas. Confira um pouco mais da experiência dela como paciente e escritora na entrevista concedida à Agência de Notícias Ciência e Cultura
POR AMANDA DULTRA*
amandadultra@hotmail.com
Ciência e Cultura: Quem é a Mariana Sebastião?
Mariana Sebastião: Eu sempre me considero como “mais uma na multidão”. Não tenho nada que me faça sentir especial ou mais alguma coisa do que outras pessoas. Sou muito família, tenho uma fé estabelecida e os pés no chão. Prefiro não arriscar a fazer nada que coloque a minha vida em risco, aprecio a companhia de pessoas queridas, amo estudar e tenho sempre muitas ideias na cabeça. Sou de “colocar o pé na lama” para fazer as coisas acontecerem e simplesmente amo a minha vida.
Ciência e Cultura: Até pouco tempo era muito raro uma mulher de 24 anos ser diagnosticada com o câncer de mama e até outro tipo de câncer, exceto as que o fator genético influencia. Como você reagiu ao saber do diagnóstico sendo tão jovem?
Mariana Sebastião: Ainda continua sendo raro se compararmos o número de mulheres tão jovens diagnosticadas com câncer de mama com os números de mulheres acima dos 50 anos. Em alguns tipos de câncer é mais comum. Eu não me lembro exatamente se fiquei surpresa, mas a sensação que me lembro muito bem de ter sentido foi a de sangue frio: quando li o diagnóstico é como se meu sangue tivesse ficado gelado e os meus pés estavam fora do chão.
Ciência e Cultura: Qual o momento de maior dificuldade na trajetória de enfrentamento da doença?
Mariana Sebastião: A de que a quimioterapia ia levar meus cabelos. Nenhum efeito colateral ou limitação do tratamento me trouxe a sensação de tristeza profunda que eu tive quando soube que o tratamento incluía ficar sem cabelos. Meus cabelos sempre foram a minha identidade e eu não estava pronta para não tê-los. Cada pessoa tem um ponto que acha mais difícil. O meu com certeza foi saber disso.
Ciência e Cultura: Pensou em desistir?
Mariana Sebastião: Acredite, não deu tempo. Depois do diagnóstico vem uma bateria de exames, consultas, coisas para resolver. Não dá tempo de descansar, pensar na doença, o que vai fazer, etc. Quando você se dá conta, já está no meio do tratamento e só quer terminar.
Ciência e Cultura: O que foi fundamental para continuar e não desistir?
Mariana Sebastião: Eu tenho uma fé estabelecida, e isso anestesiou a minha dor. Me ajudou a viver cada fase com a maior tranquilidade possível, sem pressa e sem medo, e me deixou pronta para enfrentar o que viesse. A rede de apoio é fundamental nesse processo. Eu tive uma rede incrível de família e amigos, eles preencheram a minha vida de uma forma que eu não tenho nem condição de explicar. Isso fez a coisa ficar muito mais leve.
Ciência e Cultura: Existe uma solidão neste processo todo? Ou os amigos e familiares auxiliaram no processo?
Mariana Sebastião: No meu processo não existiu solidão, existiu preenchimento, torcida, cuidado… Eles estiveram presentes em tudo. Eu me lembro muito pouco dos momentos em que eu estava triste ou me sentindo feia. Me lembro mais dos momentos que eu tive com todas as pessoas, do cuidado mesmo estando longe. Tive a real dimensão de que eu sou uma pessoa querida. Não tem coisa melhor que isso!
Ciência e Cultura: Pelo que nos foi informado, você é uma pessoa sem muitos recursos financeiros, então, qual o seu caminho de tratamento do câncer de mama (diagnóstico, exames e tratamento)?
Mariana Sebastião: Apesar de não ter recursos financeiros, eu sempre tive plano de saúde. Então o processo todo foi mais fácil. Para agilizar algumas coisas, precisei fazer exames e consultas particulares, mas família e amigos ajudaram nisso. Também tive a oportunidade de experimentar um tratamento inovador para perder menos cabelos: a touca gelada durante a infusão da quimioterapia. Esse custo foi externo ao plano e tive uma rede de família e amigos que me ajudaram a arcar. Mais uma vez, digo: uma rede de apoio é fundamental!
Ciência e Cultura: O tratamento é acessível?
Mariana Sebastião: Para quem tem plano ou para quem depende do SUS, sim, o tratamento é acessível. Claro que algumas coisas relacionadas a prazos podem diferir entre um sistema e outro. Mesmo assim, o câncer de mama é um dos tipos que mais tem políticas públicas aprovadas para o seu tratamento, seja pelo SUS ou planos: temos direito a reconstrução mamária, medicamentos específicos, entre outras coisas. Muita coisa precisa melhorar e são muitas as ONGs dentro da causa, mas o que já conseguimos até hoje coloca o tratamento do câncer de mama à frente do tratamento de outros cânceres, que ainda têm muitas coisas para conseguir.
Ciência e Cultura: Acredito que muitos questionamentos passaram em sua cabeça, mas quando a ideia do livro apareceu?
Mariana Sebastião: Me intitulo uma paciente impaciente e sempre tenho muitas ideias na cabeça. Fiz amigas queridas do peito antes e após o tratamento, e muitas delas têm a minha faixa etária. Notei que existem muitos grupos de apoio e ações que envolvem mulheres mais velhas, mas nenhuma específica a mulheres com menos de 40 anos para discutir os anseios e preocupações dessa fase da vida. A minha ideia para o livro e outros projetos surgiu da interação com elas e dessa observação.
Ciência e Cultura: O que inspirou?
Mariana Sebastião: A convivência com as novas amigas do peito e a minha própria história de vida mostraram que, apesar de jovens, vivemos coisas “dignas de novela”. A pouca idade nem sempre significa pouca experiência. Em toda essa história, enfrentar o câncer de mama é mais um detalhe que às vezes nos ajuda a ter uma visão mais ampla do nosso próprio ciclo de vida. Perceber isso foi o que me inspirou.
Ciência e Cultura: O que é o livro Metamorfose das Borboletas – Câncer de Mama?
Mariana Sebastião: É um livro que conta a história de vida de mulheres jovens, e no meio dessa história de vida, intensa, há o enfrentamento do câncer de mama. Chamo essas mulheres de borboletas porque todos os problemas e experiências, pelas quais passam dentro do seu casulo, incluindo o câncer, ajudam-nas a, posteriormente, bater as suas asas de resiliência e viver, a tomarem os seus caminhos, cada mais fortalecidas.
Ciência e Cultura: O que é preciso para a concretização?
Mariana Sebastião: Para conseguirmos imprimir o livro, abrimos um financiamento coletivo na plataforma catarse e estamos estimulando pessoas a fazer doações. Só poderemos publicá-lo se alcançarmos a meta para custear o processo.
Ciência e Cultura: Como foi o processo de coleta de dados e apuração das histórias?
Mariana Sebastião: Foi feito diretamente com cada uma das mulheres. Elas são as verdadeiras protagonistas desse livro. Elas abriram o seu livro de vida, contando experiências marcantes, e mostrando o que o câncer significou dentro de toda a sua história.
Ciência e Cultura: Como vem sendo a experiência?
Mariana Sebastião: É impossível ouvi-las e não se colocar no lugar delas. Em alguns momentos me sinto tão mergulhada nas situações delas que preciso parar, respirar e me recompor, para então ter capacidade de contar a história. Temos feito também um trabalho intenso de divulgação da campanha, para que todo esse trabalho não seja em vão.
Ciência e Cultura: Eu imagino que hoje, depois de todo processo, você é uma outra mulher. Então quem era Mariana Sebastião antes do diagnóstico e quem é a Mariana Sebastião neste momento? É possível definir e diferenciar?
Mariana Sebastião: É possível sim. Eu poderia escrever muito para explicar. Mas, de maneira geral, sou uma pessoa mais leve por dentro, agradecida pelo enfrentamento da experiência, privilegiada pela lapidação que a vida me fez passar, e com uma vontade de viver que chega a ser absurda. Às vezes parece que o câncer foi mais uma cura do que uma doença, apesar de todas as coisas que o tratamento nos faz passar.
Ciência e Cultura: E o que será daqui para frente?
Mariana Sebastião: Só posso dizer uma coisa: viver e retribuir. Viver ainda melhor e dar um retorno e a todo amparo que recebi. O livro certamente é uma forma de fazer isso.
*Estudante do Curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura