Especialista em gestão de informação em mídias integradas, a jornalista Marjorie Moura, 54, é a atual presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba), há 8 anos. Com 28 anos de jornalismo, já atuou como repórter em jornal impresso e rádio, editora e assessora de imprensa. Em entrevista exclusiva à repórter Thainara Oliveira, da Agência de Notícias Ciência e Cultura, Marjorie fala sobre o papel da imprensa brasileira no cenário atual e os fatores que contribuem para a postura da grande mídia e de jornalistas independentes. A presidente afirma que “é necessário parar com as picuinhas e voltar a profissionalizar a comunicação”. Na oportunidade, a jornalista também explicou que a mudança de sede do Sindicato se deu por dois motivos: por economia, pois pagavam aluguel, e pela reformulação das atividades na área do Pelourinho pelo governo do Estado. “Tínhamos essa sede própria [na rua Chile], desde a década de 70, e já estávamos querendo se instalar aqui. Temos nesses tempos difíceis - principalmente com a reforma trabalhista - a missão de reduzir custos”, afirma.
POR THAINARA OLIVEIRA*
thzinara@hotmail.com
Ciência e Cultura – Quais as perspectivas para se fazer jornalismo nos tempos atuais?
Marjorie Moura – São boas, só que não nos moldes convencionais. De uma maneira geral, o mundo do trabalho tem que rever suas posições porque as relações estão mudando, o emprego está mudando ou simplesmente acabando e o que estamos vendo são pessoas partindo para serem um microempreendedor, já que é o caminho que resta com a existência de nichos de emprego que o empresário é obrigado a manter. Há vulnerabilidade para os dois lados.
Ciência e Cultura – Dessa forma, podemos considerar que vivemos uma crise no jornalismo baiano? Considerando que nos últimos anos presenciamos muitas demissões nos principais veículos do estado, como o Jornal A Tarde, por exemplo?
Marjorie Moura - Acredito sim, e a crise não é de agora. Desde o advento da internet e das redes sociais a pressão é muito grande no sentido de que a informação é gratuita e, portanto, você não precisa pagar para produzir ela, mas na verdade a boa informação é cara. Então, as mídias sociais, em raras exceções, não se paga o suficiente para se manter como uma mídia fora dos padrões tradicionais. O jornalismo impresso ainda não soube se adaptar a estes novos tempos. Os donos do negócio não entendem seu próprio negócio, como ele pode se tornar mais comercial e baixa na publicidade, que também está em crise e é responsável por dar sustentabilidade para qualquer mídia. O número de assinantes é importante porque faz com que chame atenção para aquele canal de comunicação e a publicidade que paga boa parte dos custos dessa operação.
Ciência e Cultura – Estamos em um momento de alerta com relação a ameaças às liberdades de imprensa e de expressão em todo mundo. Acredita que essas ameaças são uma preocupação para a sociedade ou apenas para comunicadores?
Marjorie Moura – Todos os anos o Fórum Nacional de Juízes Estaduais (FONAJE) lança um documento de denúncias contra jornalistas e no mundo todo em todos os anos é uma profissão de risco. Eu costumo brincar que o jornalista não é um ser humano normal porque se você presencia um tiroteio, você corre e o jornalista vai para cima saber o que está acontecendo, então faz parte da nossa profissão assumir alguns riscos de uma maneira racional, algumas vezes vemos colegas ultrapassarem essa linha e nesses casos podem acontecer os problemas, outros não, você está na berlinda sempre por ser jornalista.
Nesse momento em que os direitos individuais de uma maneira geral da população estão sendo negados e atacados, o jornalista que está na interface entre a sociedade e o poder público é que sofre mais.
Ciência e Cultura- Ainda no quesito riscos, alguns levantamentos afirmam que é crescente o número de assassinatos de jornalistas em trabalho no Brasil e no mundo. Como estão esses números na Bahia?
Marjorie Moura – Não tenho noção de como estão os números na Bahia. Esse ano infelizmente tivemos alguns casos de agressões, felizmente nenhum homicídio e de uma maneira geral foi até um ano tranquilo, embora tenha acontecido as eleições com um período bastante tenso, mas aqui no estado não foi especialmente significativo no número de profissionais que tiveram esse problema.
Ciência e Cultura – Quais as seguranças são previstas na Constituição para o exercício livre da imprensa? Como os sindicatos de classe podem assegurá-lo?
Marjorie Moura – Segurança física não existe, só o direito à livre expressão, o direito da imprensa de escrever, filmar e produzir seu material. Só que fisicamente, que é o problema que recai sobre nós jornalistas no exercício da nossa profissão, não tem nenhum tipo de previsão. Os 31 sindicatos do país vem tentando incluir nas cláusulas de acordo coletivo a obrigatoriedade da manutenção de equipamentos de segurança e também o direito de consciência, sendo possível recusar uma pauta quando coloca em risco sua integridade física, moral ou o que seja, mas isso é um movimento mais da área do trabalho do que uma questão legislativa.
Ciência e Cultura – O Sinjorba está pensando em novas políticas de atuação de acordo com o atual cenário?
Marjorie Moura – Nós estamos refazendo nossas visões de uma maneira geral, houve uma mudança muito grande na mentalidade do trabalhador. O jornalista é pouco afeito a organização sindical porque ele não se acha trabalhador, ele se acha um intelectual. Então, não procuram sua entidade a não ser que sofram algum tipo de ataque, precise de documentação porque não temos um conselho e a única estância para te representar é o sindicato. Existe um grupo pequeno que mantém o sindicato funcionando porque entende que é um defensor dos interesses coletivos da categoria, mas a maior parte dos jornalistas não.
Ciência e Cultura – Como o jornalismo deve se armar para sobreviver em um cenário hostil, tendo em vista um governo crítico às mídias tradicionais como o do presidente eleito Jair Bolsonaro?
Marjorie Moura – A gente tem que aprender a desconstruir esse discurso, vemos que ele é um mero imitador de Donald Trump, que faz isso nos Estados Unidos constantemente. Ninguém escreve melhor, é mais capaz de desenvolver reportagens, investigações, apurar de forma ética com coragem para escrever e divulgar isso que o jornalista. Isso precisa ficar claro para nós jornalistas e para sociedade, construindo as estratégias para neutralizar esse tipo de discurso de uma pessoa que diz que não precisa de jornalistas.
Ciência e Cultura – As afirmações feitas à imprensa pelo presidente eleito, principalmente ao jornal Folha de S. Paulo (“Por si só, esse jornal se acabou”), podem ser considerados como um tipo de censura ao jornalismo?
Marjorie Moura – Críticas não são consideradas censura, temos que aprender também que estamos aqui para sermos criticados, faz parte da democracia que afeta os jornalistas e os meios de comunicação. Existem os limites de onde vai essa crítica ou situações que ocorreram como o impedimento da presença de jornalistas em coletivas de imprensa que já ultrapassam o limite. A questão de dizer que ele não iria liberar verbas públicas ao jornal, nesse caso sim é uma tentativa de censura descarada, que é o que vem acontecendo no país nos últimos anos, com uma enorme quantidade de processos que atingem apenas os jornalistas, que é a parte mais fraca desse elo e o judiciário também entrando nessa seara tentando calar a imprensa em um modo geral.
Ciência e Cultura – O jornalismo brasileiro tem recebido diversas críticas com relação a uma “falsa postura de imparcialidade”. A senhora como jornalista e como presidente do Sinjorba defende a questão de uma mídia imparcial nos moldes atuais?
Marjorie Moura – Na verdade sabemos que não existe imparcialidade porque todas as pessoas têm uma formação ideológica, cultural, uma trajetória e uma caminhada. Só que o jornalista e a empresa de comunicação que é séria e que pauta pelo jornalismo, tem sua postura, sua posição. No entanto, ela permite que todos os outros setores envolvidos em um determinado fato fale, é o contraditório. Você está respeitando a questão da imparcialidade quando escreve com o contraditório, quando não está escrevendo como opinião. Então, eu acho que existem jornais sérios. Existem momentos que a mídia séria derrapa, mas é necessário olhar o tratamento por um todo que é dado a determinado fato.
Ciência e Cultura – Incentivados por essas críticas, muitos veículos alternativos de jornalismo surgiram nos últimos anos, como o Jornalistas Livres, The Intercept, entre outros, mas com um posicionamento político bem definido. A senhora acredita que isso é bom para o jornalismo?
Marjorie Moura – Existe uma moda entre alguns jornalistas de escreverem opinando. Opinião não é jornalismo, isso é colunismo. O colunista pode ser jornalista, mas a partir do momento que ele assume uma posição política e ideológica ele está se afastando do que é tradicional, que é o jornalismo contraditório. O site Brasil 247 posta muitas informações da esquerda partidária, muito próxima de interesses relacionados ao PT e isso é um exemplo de um veículo que não está praticando um bom jornalismo se ele não houve o contraditório, é uma reação? É! Estamos vendo a grande imprensa atacar a esquerda e essa é uma reação, só que acaba caindo no mesmo erro dessa grande mídia porque se você está tomando partido ao escrever matérias não está sendo bom jornalista.
Ciência e Cultura – Podemos atribuir o surgimento dessas mídias “independentes” como uma consequência das demissões de jornalistas ou da insatisfação desses profissionais trabalharem em prol de uma linha editorial marcada pela lucratividade? Como a senhora analisa este cenário?
Marjorie Moura - Depende do que você chama de jornalismo independente, porque eu não considero jornalismo independente a pessoa que pega o celular, abre um site ou algo do tipo. O independente para mim são grupos de jornalistas sérios, que já tem algum tempo de mercado e que criam meios alternativos para divulgação da informação sabendo a maneira como ela é tratada na grande mídia. Ela atende a interesses muito exclusivos com assuntos econômicos, políticos, religiosos, sociais e então, na verdade o jornalismo independente nessa maneira não ameaça. O que ameaça talvez seja esse de uma pessoa estar na rua, fazer uma foto e mandar para o jornal de graça enquanto tem repórteres fotográficos trabalhando ali, é o que se chama de repórter cidadão, mas eu acho que toda profissão possui caminhos novos a serem trilhados e desenvolvidos.
Ciência e Cultura – Como você analisa o tratamento da mídia para alguns casos ocorridos no cenário político brasileiro atual?
Marjorie Moura – Hoje em dia nesse país está se condenando, tanto na imprensa como na justiça, sem provas com base no que se diz. Na última quinta-feira, 29, saiu a manchete de que o Pezão foi preso e ele é governador em exercício, e se não houve flagrante, como ele poderia ser preso? E você não vê ninguém criticando isso. É preciso entender de justiça e legislação para não ser um mero reprodutor do boletim que vem do órgão oficial, para quando ir na coletiva de imprensa da Polícia Federal questionar: ‘você prendeu fulano de tal, mas tinha mandado para invadir a residência? Porque a lei diz isso e isso’ e eles estão passando por cima. Inclusive isso ocorreu na Operação Lava Jato diversas vezes com o futuro Ministro da Justiça, Sérgio Moro, que burlou várias vezes a lei e responde a processos na Secretaria Nacional de Justiça (SNJ).
Há um desrespeito profundo que está estabelecido com a desculpa de que os fins justificam os meios e não é assim. Hoje não existe legitimidade, não existe civilidade, se você não respeita as leis do seu próprio país. Existe uma expressão no direito “Dura lex, sed lex”, que significa “dura é a lei, mas é a lei”, portanto, se ela está na vigência precisa ser respeitada e não podemos aceitar e reproduzir absurdos como estes que estão acontecendo.
Ciência e Cultura – Como você recebe a suposta indicação de Carlos Bolsonaro para assumir o Ministério da Comunicação?
Marjorie Moura – Já negaram isso e é uma das estratégias que temos que aprender, que é a de se calar diante dos absurdos. Porque é divulgada determinada informação, os jornais fazem alarde e ele chega e diz: ‘eu não disse nada disso, vocês estão praticando fake news’. Então, é necessário neutralizar, não temos que ficar reagindo o tempo todo às informações que eles publicam. Se sair uma informação da Secretaria de Governo em transição e foi anunciado pelo Governo oficialmente ai sim, mas ficar reagindo a essas bobagens do Carlos ou do Flávio Bolsonaro, que as pessoas noticiam o tempo todo, é o problema. É necessário parar com picuinhas, já acabou a eleição então, temos que voltar a profissionalizar a comunicação.
Ciência e Cultura – Qual o papel que a mídia teve na cobertura dessas eleições? Quais aspectos negativos e positivos você acredita que o jornalismo desempenhou?
Marjorie Moura – Na verdade foi uma situação muito complicada, como a maioria da grande mídia é muito contra o PT os ataques sempre foram fortuitos e rasteiros, já que não houve seriedade nesse aspecto. Não ocorreu uma análise ou uma cobrança de que os candidatos apresentassem propostas, só víamos ataques de ambas as partes e fez com que fosse menos sério nesse sentido, foi raro o jornalista que procurou abordar quem eram os candidatos, qual a postura dele, qual a previsão do governo e achei muito pobre o trabalho da imprensa nesse momento.
Ciência e Cultura – Tendo como parâmetro o cenário incerto de nossas liberdades de imprensa, como jornalistas e sociedade podem colaborar para serem informados com notícias credíveis?
Marjorie Moura - Tanto para o jornalista como para sociedade existe uma fórmula simples de saber o que está acontecendo, veja várias fontes. Se chegou no seu Whatsapp a informação, vá procurar em sites sérios que você conhece se procede ou não aquilo, existem muitas empresas e sites de análise de fatos para dizer se o que está circulando é boato ou não. Esse sempre foi o caminho do jornalismo e está sendo redescoberto devido a tudo que está acontecendo. Então, não existe um jornalista investigativo, todo jornalista tem a obrigação de ser investigativo.
*Estudante de graduação do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia é repórter da Agência de Notícias em C,T&I – Ciência é Cultura