O aumento global da temperatura, acelerado pelas alterações no clima, tem sido entendido como grande problema nos debates da comunidade cientifica mundial. Estudos apontam que os efeitos serão drásticos até o final do século XXI, caso medidas reparatórias não sejam executadas. Desse modo, buscando entender os impactos que a elevação da temperatura causaria no Brasil, especialmente em Salvador, o repórter Josenildo Moreira*, da Agência de Notícias em CT&I - Ciência e Cultura, conversou com a pesquisadora em serviços ecossistêmicos de recifes de coral em cenário de mudanças climáticas pelo Programa de Pós-Graduação em Geologia da Universidade Federal da Bahia, Carla Isobel Elliff. Confira a seguir a entrevista na íntegra
JOSENILDO MOREIRA*
josenildo-junior@hotmail.com
Agência de Notícias Ciência e Cultura – Nos últimos anos, muito tem se falado sobre a elevação do nível do mar, em função do derretimento das geleiras, causado pelo aumento global da temperatura, acelerado pelo efeito estufa. Qual sua opinião sobre o assunto? Acredita no efeito estufa ou entende que é mais um ciclo da Terra?
Carla Elliff – Primeiro, é importante esclarecer que o efeito estufa trata-se de um processo natural que permitiu a evolução da vida como conhecemos hoje. Sem ele, a Terra seria extremamente fria. Acredito que o termo mais correto para falar sobre esses fenômenos que estão ocorrendo no planeta seja “mudanças climáticas”, pois têm-se observado em algumas regiões recordes extremos de frio e, em outros, de calor. Segundo, quanto à subida do nível do mar, percebida em diversas regiões do planeta, é necessário ressaltar que é uma resposta direta ao aumento de temperatura das camadas superficiais dos oceanos que, em função da expansão molecular (maior espaçamento entre as moléculas de água), tem seu volume aumentado. O derretimento das geleiras contribui com uma pequena parcela para esse aumento.
Por fim, não há dúvidas que mudanças climáticas estejam ocorrendo na Terra. Diversos estudos apontam para maior ocorrência e intensidade de eventos climáticos extremos (tempestades, furacões, etc.) e os efeitos de um planeta mais aquecido já tem sido observados em vários ecossistemas, como no caso do branqueamento de recifes de coral. Embora o planeta passe sim por ciclos climáticos naturais em uma escala de tempo geológica, a existência de influência humana sobre o clima é um consenso entre 97% da comunidade científica especializada no assunto.
Agência de Notícias Ciência e Cultura – Alguns pesquisadores apontam que até o final do século a temperatura poderá subir em 4º C. Caso isso venha acontecer, quais seriam os impactos diretos no Brasil?
Carla Ellioff – Essa estimativa de 4ºC refere-se na realidade a uma média global, mas supondo que no Brasil o aumento seja de fato de 4ºC, podemos esperar uma alteração relevante na ocorrência e intensidade de chuvas no país todo, erosão costeira intensificada em consequência do aumento do nível do mar e degradação ambiental. Essas mudanças nos afetariam tanto no âmbito social, quanto econômico, com a perda de importantes serviços ecossistêmicos, que são os benefícios obtidos pelo meio ambiente, como a provisão de alimento e matéria-prima, regulação da água, atividades como a pesca, o turismo, etc.
Agência de Notícias Ciência e Cultura – E os impactos indiretos?
Carla Elliff – Acredito que indiretamente o país sofreria principalmente problemas econômicos causados pelos efeitos das mudanças climáticas sobre os países com os quais o Brasil tem negociações. Muitos outros países sentiriam a mesma dificuldade que o Brasil na produção de alimento (agricultura, pecuária e pesca), por exemplo.
Agência de Notícias Ciência e Cultura – Caso a previsão se confirme, a senhora acredita que cidades litorâneas, como Salvador, podem ter partes submersas? Quais seriam as regiões mais afetadas da capital baiana?
Carla Elliff – Estudos têm mostrado que há tendências para um aumento do nível médio do mar para toda a costa do Nordeste. É importante notar que esse processo de subida do nível do mar não é repentino e, assim, a cidade será primeiro afetada por intensificação de processos erosivos, com marés de tempestade alcançando distâncias cada vez maiores. É como se a praia estivesse gradualmente migrando para dentro da cidade, destruindo calçadões e vias públicas, causando diversos transtornos para o dia-a-dia das pessoas. Desse modo, locais que já sofrem erosão atualmente provavelmente sentirão uma piora da situação. Acredito que antes de haver uma real submersão de partes da cidade, haverá uma demanda grande por projetos de adaptação urbana, que permitam contornar os principais problemas, porém isso sem dúvida afetará significantemente a vida na capital.
Agência de Notícias Ciência e Cultura – Quais seriam outros efeitos em Salvador?
Carla Elliff – Como mencionei, a erosão costeira se tornará um problema cada vez mais presente. Isso pode levar a necessidade de projetos de “engordamento” de praias, por exemplo, e modificações na infraestrutura de vários aspectos da cidade. Além disso, se o regime de chuvas for alterado positivamente (mais chuvas que a média atual) ou o número de ocorrência de tempestades aumentar, situações como as que vivenciamos no último mês podem se tornar mais frequentes, com alagamentos de vias públicas e desmoronamento de terras.
Agência de Notícias Ciência e Cultura – Como as pessoas podem ajudar a retardar ou retroceder esse processo?
Carla Elliff – Como mencionei, 97% dos especialistas na área concordam que o ser humano tem uma influência considerável no aumento da temperatura global. Entendendo que isso se deve, em grande parte, à emissão de CO2, medidas que diminuam a nossa “pegada” são altamente recomendáveis: reduzir a utilização de carros ou praticar o costume de caronas, procurar consumir produtos produzidos localmente (que não necessitam de grandes deslocamentos e, assim, grandes emissões), e diminuir o consumismo supérfluo.
Agência de Notícias Ciência e Cultura - E as empresas?
Carla Elliff – As empresas também precisam buscar maneiras de tornar sua produção mais eficiente, diminuindo o consumo de matéria-prima e energia, além de ter sempre uma política de sustentabilidade. Apesar disso, é muito importante garantirmos a resiliência dos ecossistemas, ou seja, diminuir os nossos impactos para permitir que os ecossistemas tenham melhor capacidade de se adaptar naturalmente a essas condições estressantes causadas pelas mudanças climáticas. Um ecossistema saudável tem maiores chances de recuperação do que um impactado.
*Graduando do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na Universidade Federal da Bahia, e bolsista da Agência de Notícias em C,T&I-Ciência e Cultura .