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Atualizado em 22 DE dezembro DE 2016 ás 16:52

Paulo Augusto da Costa Pinto

Paulo Augusto da Costa Pinto é engenheiro Agrônomo, especialista em Solos e Nutrição de Plantas e Gestão de Resíduos Orgânicos e professor da Universidade Estadual da Bahia. Para ele, o uso do agrotóxico se popularizou devido a Segunda Guerra Mundial, servindo até como arma para alguns países, como o “Agente Laranja”. Em entrevista, o engenheiro defende a agricultura orgânica como alternativa que poderia substituir o uso dos agrotóxicos. Confira abaixo a entrevista realizada por Rafaela Souza e Victor Fonseca

POR RAFAELA SOUZA e VICTOR FONSECA*
rafaelasouzaper@gmail.com / victorf.santos95@gmail.com

Ciência e Cultura: Como e quando os agrotóxicos começaram a ser utilizados na agricultura mundial?

Paulo Augusto da Costa: Tem-se notícia de que os agrotóxicos começaram a ser usados em escala mundial após a segunda grande Guerra Mundial. Muitos desses produtos serviram de arma química nas guerras da Coréia e do Vietnã, a exemplo do Agente Laranja, desfolhante responsável pela morte de milhares de soldados e civis.

Países nos quais a agricultura era a principal base de sustentação econômica, tais como a África, a Ásia e a América Latina, foram fortemente pressionados por organismos financiadores internacionais para adquirir essas substâncias químicas. Com a Revolução Verde, ocorrida na década de 1970 e, no Brasil, por volta de 1975, foi desenvolvido o Plano Nacional de Defensivos Agrícolas, que incentivava o uso de agrotóxicos e, inclusive, disponibilizava créditos para produtores rurais que desejassem fazer uso dessa tecnologia. Algumas indústrias também receberam incentivos para se instalarem no Brasil.

Ciência e Cultura: Como e por que a indústria de agrotóxicos se proliferou no Brasil?

Paulo Augusto da Costa: As multinacionais, sempre utilizaram o argumento de que os agrotóxicos asseguram a produção de alimentos para combaterem a fome. Até pouco tempo, ainda se usava o disfarce de que agrotóxicos são “defensivos agrícolas”, os quais foram impostos compulsoriamente, juntamente com adubos e fertilizantes químicos, nos financiamentos agrícolas.

Dessa forma, o uso de agrotóxicos se fortaleceu e se disseminou no país. Conforme Letícia Rodrigues da Silva, especialista em Regulação e Vigilância Sanitária, quando atuou como gerente de normatização e avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e responsável pelas reavaliações toxicológicas dos agrotóxicos, nos anos 1990, houve um movimento mundial de reestruturação das empresas produtoras e, no final dos anos 2000, ocorreram muitas fusões e incorporações em função do esgotamento da matriz petroquímica. Daí para frente, muitas dessas empresas químicas começaram a atuar também com sementes transgênicas, se consolidando outro tipo de mercado: as empresas que eram grandes ficaram ainda maiores ao adquirirem empresas pequenas. Por volta de 2007 em diante passou a se ter a entrada de empresas chinesas no mercado de agrotóxicos. Essas indústrias têm fábricas na China e trazem grande parte de seus produtos de lá em função da redução do custo de mão de obra e dos custos de produção desses produtos.

Atualmente, seis empresas são responsáveis por 65% do mercado brasileiro e treze empresas são responsáveis por 90% do mercado nacional. Isso se repete no âmbito mundial, onde o mercado é ainda mais concentrado: seis empresas são responsáveis por 70% do mercado.

Ciência e Cultura: Como o cidadão pode identificar produtos contaminados por agrotóxicos?

Paulo Augusto da Costa: Não é uma tarefa fácil identificar produtos contaminados com agrotóxicos. A rigor, a identificação e a quantificação precisas de agrotóxicos em frutas e hortaliças requerem amostragem adequada e análise laboratorial dos ingredientes ativos e seus metabólitos, utilizando técnicas e equipamentos sofisticados, a exemplo de cromatografia gasosa, cromatografia líquida de alta eficiência e cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas. Para o consumidor final, é praticamente impossível saber que produtos estão com níveis muito altos de agrotóxicos somente olhando o produto exposto no supermercado. Entretanto, em alguns casos extremos, pode-se sentir o cheiro de venenos no produto exposto ou ver manchas claras causadas pelos resíduos. Nestes casos, não se deve comprar o produto e notificar o vendedor.

Pensar que produtos manchados ou atacados por insetos possuem menos agrotóxicos em muitos casos pode ser um mito. Muitas vezes produtos com pior aparência, podem ter sido mais atacados por insetos ou devido ao uso incorreto dos agrotóxicos, gerando riscos ainda maiores de contaminação dos alimentos. Assim, produtos mais feios não é sinal de conterem menos agrotóxicos. Lavar os alimentos pode ser muito importante para evitar a proliferação de doenças, mas não é uma medida eficaz para eliminar os agrotóxicos dos alimentos. Grande parte dos agroquímicos é absorvida pelas plantas e, por isso, não estão somente na casca do vegetal, mas também no seu interior. Uma medida eficaz é a retirada das folhas mais externas dos vegetais. Nosso sentimento de impotência diante da falta de controle na produção de alimentos deve nos levar a exigir do governo medidas eficazes de fiscalização e educação dos agricultores, assim como preferir produtos com certificação de boas práticas agrícolas. Por enquanto, uma alternativa segura de que nossos alimentos não possuirão níveis inaceitáveis de agrotóxicos são os alimentos orgânicos certificados.

Ciência e Cultura: Quais são os critérios adotados no Brasil para registrar agrotóxicos? E qual a participação do setor de saúde pública neste processo?

Paulo Augusto da Costa: O Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, regulamenta a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Conforme a Anvisa, para se obter o registro no Brasil, o agrotóxico deve passar pela avaliação de três órgãos do governo federal: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Anvisa. Cada um desses órgãos realiza um determinado tipo de avaliação do produto, de modo independente do outro. Cabe ao Ibama a realização de um dossiê ambiental, no qual é avaliado o potencial poluidor do produto. Ao Mapa é atribuída a responsabilidade de avaliar a eficiência e o potencial de uso na agricultura, por meio de um dossiê agronômico. Já a Anvisa realiza o dossiê toxicológico, avaliando o quão tóxico é o produto para a população e em quais condições o seu uso é seguro.

A Anvisa é uma agência reguladora, na forma de autarquia de regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde. A mesma exerce o controle sanitário de todos os produtos e serviços (nacionais ou importados) submetidos à vigilância sanitária. É responsável pela aprovação dos produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, para posterior comercialização, implementação e produção no país. Sua atuação abrange também o monitoramento e a fiscalização dos ambientes, processos, insumos e tecnologias relacionados à saúde. Também realiza a reavaliação de moléculas já registradas, elabora monografias dos princípios ativos de defensivos agrícolas (todas publicadas e de livre acesso em seu sítio na internet), coordena o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos nos Alimentos (PARA), assim como a Rede Nacional de Centros de Informação Toxicológica, e promove, ainda, ações de capacitação em toxicologia no Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS).

Ciência e Cultura: Já estão comprovados os malefícios que o agrotóxico pode causar não só na saúde humana, mas na saúde animal e principalmente, na terra. Quais seriam opções que poderiam substituir o uso do agrotóxico?

Paulo Augusto da Costa: A humanidade produziu alimentos sem requerer a aplicação dos venenos que hoje conhecemos desde os primórdios da história – há milhares de anos – até à época da 2ª Guerra Mundial. Só após essa monstruosa guerra os agrotóxicos começaram a ser usados em escala mundial até para aproveitar as indústrias especializadas em produzir substâncias químicas para matar pessoas. Com a preocupação constante das pessoas de adotarem hábitos saudáveis de alimentação, devido à consciência de que os produtos pertencentes a essa categoria são menos nocivos à saúde, pois não utilizam agrotóxicos no processo produtivo, é crescente a área cultivada com técnicas sustentáveis e o número de produtores envolvidos com esse tipo de cultivo.

*Estudantes da graduação do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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