Diretor artístico e regente do "Camará", esclarece qual o principal objetivo do grupo que surge para difundir a música de concerto contemporânea e desmitificar os paradigmas criados para a música baiana
Por Mariana de Paula*
maridepaula23@gmail.com
Em entrevista com o diretor artístico e regente do Conjunto de Câmara da Ufba (Camará), Paulo Rios Filho, esclarece qual o principal objetivo do grupo que surge para difundir a música de concerto contemporânea e desmitificar os paradigmas criados para a música baiana. Ele acredita no crowdfunding (patrocínio colaborativo) como forma de financiamento, pois, segundo ele a comunidade doadora além de ganhar as recompensas oferecidas pelo realizador ainda usufrui do produto cultural gerado. Para apoiar o projeto visite a página do Camará no Catarse.
Paulo Rios Filho (1985) compositor nascido em Salvador, mestre em música, realiza pesquisa em nível de doutorado em composição musical na Ufba, orientado pelo professor Dr. Paulo Costa Lima. Em 2007, sua peça O Contrariador, foi incluída no programa da XVII Bienal de Música Brasileira Contemporânea e foi vencedora em duas categorias do I Concurso de Composição Ernst Widmer. Em 2008, bolsista de composição selecionado para o 39º Festival de Inverno de Campos do Jordão e distinguido com Menção Honrosa no I Concurso Internacional para Jovens Compositores – Cidade de Portimão, em Portugal. Em 2009, premiado com a peça Choro de Estamira, no NE/BAM Brazilian Composers Competition, na Holanda, com a peça Mau, no I Concurso de Composição prof. Fernando Burgos e com a obra O Enigmático Gato de Rimas, no prêmio FUNARTE/XVIII Bienal – categoria “câmara” – do júri da XVIII Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no Rio de Janeiro. No início de 2011, recebeu encomenda do Nieuw Ensemble, renomado grupo de música contemporânea europeu para a composição de uma obra inédita, com estreia em outubro do mesmo ano, na Concertgebouw de Amsterdã. Entre 2009 e 2010, foi professor substituto da Escola de Música da Ufba, lecionando as disciplinas de composição, harmonia e contraponto e improvisação. É membro-fundador da Oficina de Composição Agora (OCA), diretor artístico do Camará e professor de teoria musical nos Cursos de Extensão da Ufba.
Ciência e Cultura – Como surgiu a ideia do projeto?
Paulo Rios Filho – O Camará é um recém criado corpo musical da Emus, dedicado à estreia, gravação e difusão da música de concerto contemporânea brasileira, com especial ênfase à produção dos próprios compositores baianos (que têm, em sua maioria, a Escola de Música da Ufba como principal casa).
A criação e manutenção de conjuntos de música contemporânea é a estratégia mais importante para a promoção e valorização da música de concerto (ou “música clássica” ou “música erudita”, como preferir). São eles os maiores possibilitadores de uma alternativa àquela ideia da música clássica como museu. Esses grupos dedicam-se a novos horizontes musicais estampados em obras escritas por compositores que vivem nesse mundo de hoje e que, muitas vezes, consomem os mesmos produtos culturais (e vivem no mesmo contexto) que o público a que se dirige. Em suma, os conjuntos de música contemporânea são quem têm a clara missão de mostrar que a “música erudita” vive (e vive bem, obrigado).
Atentos a isso e à rica produção desse tipo de música na Bahia foi que montamos o Camará.
Nosso primeiro projeto, “Música Baiana?”, será realizado em dezembro deste ano. Trata-se da realização de dois concertos com sete obras de compositores baianos e da gravação de um álbum digital, com essas obras, que será distribuído gratuitamente na internet.
Ciência e Cultura – Por que optar pela captação de recurso através do Catarse?
Paulo Rios Filho – Acho a aplicação do crowdfunding (patrocínio colaborativo) algo desafiador. Desafia, antes de tudo, a lógica de que precisamos de alguma instância superior para tornar possível a realização financeira de projetos.
Trata-se da adoção de um trabalho muito árduo de divulgação que esbarra muitas vezes numa interpretação equivocada das pessoas, reduzindo a criação de redes e a participação colaborativa realizadora à doação.
Não se trata de esmola: a pessoa patrocina aquele projeto que quer ver acontecer; se o projeto atingir a quantia necessária (com a colaboração de outros) ele é realizado; a comunidade usufrui, assim, do produto cultural gerado; e quem patrocina ganha, além disso, um conjunto de recompensas oferecidas pelo realizador, que são um estímulo extra para colaborar (o que diferencia em termos práticos o patrocínio colaborativo do imposto que se paga e que retorna à sociedade em forma de promoção e estímulo à cultura).
Pessoalmente, acredito nessa versão de atuação no mundo.
Ciência e Cultura – Qual o tom (sentido amplo/sintonia musical) do Camará?
Paulo Rios Filho – O tom do Camará pode ser representado pela tríade:
1. Difusão da música de concerto (tônica)
2. Difusão da música de concerto contemporânea (tônica + terça)
3. Difusão da música de concerto contemporânea brasileira (tônica + terça + quinta)
Com relação ao projeto “Música Baiana?”, os principais motivadores são a necessidade de desmistificação em duas vias. Esses motivadores específicos do projeto, na verdade, confundem-se muito com os motivadores mais gerais do grupo.
a) primeiro, nós sabemos que a música baiana vai muito além da axé music, do pagodão e do arrocha; e, apesar de até gostarmos de algumas das coisas que vêm sendo feitas nessas vertentes, acreditamos fortemente no poder provocativo, transformador e inovador da música de concerto.
b) segundo, nós acreditamos que música de concerto (ou “música clássica,” “música erudita,” como preferir) não precisa ser européia e nem estar fazendo aniversário de um, dois ou três séculos para ser bela, bem feita ou merecedora de integrar os recheios do repertório de orquestras e dos demais grupos dedicados a ela.
O foco do Camará é na música de concerto contemporânea feita por compositores brasileiros e especialmente baianos, pois ela representa um ponto de partida crítico, instigante e sedutor para o ingresso nesse rico universo musical. Afinal, tratam-se de obras atuais, ligadas aos nossos dias e sobretudo aos movimentos culturais que nos cercam, em diálogo íntimo com toda aquela já conhecida – mas nem sempre bem apresentada, apreciada ou consumida – tradição da “música clássica.”
Porque o nome Camará. É uma alusão a Câmara?
Paulo Rios Filho – Sim. É um nome que tem uma alusão dupla muito afinada com a situação do grupo e com os seus propósitos: evoca, ao mesmo tempo, a música de câmara e à expressão camará, que remete ao universo da capoeira e consequentemente ao universo baiano.
Ciência e Cultura – Como está o processo de execução do projeto?
Paulo Rios Filho – Nós estamos na segunda etapa do projeto, que é o estudo individual das partituras. Cada instrumentista leva a sua parte específica para casa e a deixa pronta para o primeiro ensaio que é onde, com todo mundo junto, cada música vai tomando forma.
Os compositores já entregaram suas peças e começamos os ensaios em novembro. Nosso primeiro concerto será no dia 08/12, na Reitoria da Ufba e o segundo será no dia 16/12, no Teatro Eva Herz (Livraria Cultura do Shopping Salvador).
Além disso, estamos agora correndo com a promoção do projeto no Catarse, a plataforma de patrocínio colaborativo da qual falei acima. Devemos alcançar o valor mínimo de R$10.000,00 até o final de novembro, que servirá para pagar músicos e compositores, além de um apoio para as gravações do álbum.
Ciência e Cultura – De que forma será a distribuição do álbum digital?
Paulo Rios Filho – Será criado um site do álbum onde as pessoas poderão baixar o encarte digital, ouvir as músicas ou baixá-las em formato mp3 ou ogg.
Além disso, criaremos perfis do Camará em espaços como os do MySpace e Souncloud, onde o álbum também estará disponibilizado.
No primeiro concerto do grupo após a finalização do álbum, os arquivos mp3 serão distribuídos diretamente para os mp3 players ou pendrives dos interessados, no hall de entrada do evento.
Ciência e Cultura – Quem são os compositores convidados para o projeto?
Paulo Rios Filho – O Conjunto de Câmara da Ufba (Camará) é formado por:
Paulo Rios Filho, diretor artístico e regente; Flávio Hamaoka (flauta), Gueber Santos (clarinete), Cristiano Lira (saxofones), Vitor Rios (bandolim/banjo), Mario Ulloa (violão), Humberto Monteiro (percussão), Ana Dumitrescu (violino), Adalberto Vital (violino), Suzana Kato (violoncelo), Fernanda Monteiro (violoncelo).
Os compositores participantes do projeto “Música Baiana?” são todos baianos ou atuam na Bahia: Alexandre Espinheira (Oxowusí), Wellington Gomes (Modos Imagísticos), Vinícius Amaro (Gigitanas Nº 1), Paulo Costa Lima (Ibejis II), Jean Menezes (O conforto), Paulo Rios Filho (nova obra) e Paulo C. Chagas (Corpo a Corpo).
Dois deles são professores da Emus/Ufba; três são alunos do mestrado e doutorado na Ufba; um da graduação; e o outro é nascido na Bahia, mas professor de composição da University of California (Ucla), na Califórnia.
*Estudante de Produção Cultural da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom