Problemas na saúde, educação e segurança pública: essa agenda já é uma marca de campanhas nas eleições políticas. Os candidatos parecem possuir a fórmula certa para equilibrar as contas fiscais até chegarem ao poder. Quando estão no governo, muitos representantes se queixam da falta de recursos públicos para encaminhar os projetos mais diversos possíveis. Essa situação se repetiria e passaria despercebida não fossem o uso do conhecimento e instrumentalização da ciência para detectar uns equívocos quase imperceptíveis pelos olhos do “senso comum”. Com as análises de pesquisadores como o do professor Reginaldo Souza Santos, titular da Escola de Administração da UFBA, é possível identificar como alguns projetos nunca saem do papel ou não nunca se completam e qual as implicações individuais e coletivas dos agentes envolvidos nas esferas públicas e privada de representação de interesses.
DEIVSON MENDES SANTOS*
dvsonmendes@gmail.com
Ciência e Cultura – O senhor tem pesquisado no segmento de Inovação. Quais as suas vertentes específicas de estudos?
Reginaldo – Eu trabalho, amplamente, a ‘relação de tecnologias e organizações’. E, dentro do setor específico, estudo a implicações do processo de inovação tecnológica e organizacional. O que eu procuro saber é como os setores econômicos se modificam em função da corrente inovação que aconteceu no passado, que acontece no presente e projeta modificações para o futuro. Se pensarmos numa empresa petroquímica, por exemplo, que passou por fases de inovação, seria possível analisar o que proporcionou essas mudanças e quais os efeitos disso e as variáveis que podemos relacionar com a direção dessas mudanças; é possível analisar quais são as condições que essa petroquímica pode ter, mesmo passando por esses processos de inovação, para assegurar o mínimo de competitividade frente ao cenário internacional. Para isso, eu foco no desempenho organizacional e nas mudanças internas de uma empresa.
Ciência e Cultura – Durante o desenvolvimento desse atual projeto, quais os resultados obtidos?
Reginaldo – Percebi que uma empresa só pode obter um bom desempenho através da inovação é preciso que haja uma cooperação “intra e interorganizacional” entre a gestão e seus colaboradores. Cheguei, então, a algumas perguntas que foram ou ainda tentam ser respondidas: o que é cooperação? Como ela se dá no ambiente organizacional? Como isso pode se intensificar? Além disso, a inovação está fortemente associada ao fomento e exploração do conhecimento.
Ciência e Cultura – A universidade é um local propício à produção e difusão do conhecimento. Como uma instituição pública de educação pode realizar o processo de inovação em parceria com empresas e garantir seus princípios e valores públicos e sociais?
Reginaldo – É preciso muito cuidado ao discutir esse assunto, porque falam muita bobagem sobre isso. Primeiro, é necessário entender que a universidade não vai resolver os problemas de uma empresa nem aqui e nem em nenhum lugar do mundo. A universidade pode ajudar a empresa a resolver seu problema de inovação. Se uma empresa não tem conhecimento suficiente para incrementar no desenvolvimento de um produto, ela recorre à universidade para preencher essa lacuna dentro do processo inovativo. É assim que funciona no mundo todo. A universidade não vai desenvolver um produto para que a empresa venha a comercializar.
Ciência e Cultura – Como é possível uma empresa obter benefícios sem que necessariamente tenha lucros e até patentes com a produção acadêmica? De que forma é regulada essa relação?
Reginaldo – A universidade não inova – no máximo, ela inventa. Já a patente é resultado de uma invenção. 95% das patentes não servem para nada e não tem valor econômico nenhum, portanto, não vira inovação. Essa, por sua vez, só acontece quando o conhecimento se transforma em produto ou processo, que pode chegar ao mercado. A universidade não inventa pelo lucro, embora algumas empresas insistam em abusar das invenções aqui realizadas. O que acontece é que, por exemplo, eu sou cobrado o tempo todo sobre os resultados de minhas pesquisas; tenho que apresentar constantemente um relatório de minhas atividades realizadas à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq. Acho que a regulação já começa por aí.
Ciência e Cultura – O atual projeto de pesquisa que o senhor coordena é financiado também pela Petrobras. De que forma a UFBA tem um controle dos resultados de pesquisa do senhor para que as invenções não se transformem em patentes e inovação de empresas?
Reginaldo – Isso é uma discussão sem fim entre a Petrobras e a universidades. Se a Petrobras diz que investiu, ela quer retornos e, se o pesquisador não concorda com isso, não peça financiamento da Petrobras – ele deve saber para o que foi chamado e quais são as regras do jogo e o que a empresa espera dele. Tem servidoras da UFBA que tem patentes como resultados de pesquisa em parceria com a Petrobras. Eu não sei quem é responsável por controlar isso.
Ciência e Cultura – Com financiamento e resultados de pesquisa previamente orientados por uma empresa, o pesquisador não estaria com seu olhar científico “comprometido”? Quem se beneficia nesse processo?
Reginaldo – Talvez. Porém, não existe isenção em ciência – não acredito em neutralidade para isso. Um cientista usa o espaço e recursos de uma universidade pública para pesquisar, quem se beneficia diretamente é ele, claro e, depois, a universidade ganha equipamentos novos ou bolsas de financiamento, por exemplo.
Ciência e Cultura – Como é possível manter o caráter social da ciência em uma universidade e evitar que empresas desenvolvam um caráter unicamente mercadológico nessa parceria?
Reginaldo – Não vejo problemas nas relações de mercado entre universidades e empresas. Será que a função social da universidade é manter a miséria? Ou fazer com que empresas, como a Petrobras, possam avançar na sua produção, produzir cada vez mais, e produzir riqueza, emprego, renda e imposto para o país? Posso dizer que o objetivo social dessa parceria não se resume aos objetivos da empresa. É uma ideologia difusa na universidade e, particularmente na Universidade Federal da Bahia, em que alguns grupos acham que o lucro representa o “diabo” (sic). Estamos no sistema capitalista ou não? Agente vai mudar isso a partir da universidade? Agente vai fazer a revolução socialista com isso?
Ciência e Cultura – De que forma os resultados de pesquisas são acompanhados pela UFBA, inclusive as conclusões de trabalhos do senhor?
Reginaldo – Eu não sei se existe acompanhado sistemático pela universidade dos resultados da pesquisa que se faz no seu interior. Sei que a universidade delega os resultados de produção acadêmica à Capes e CNPq. Talvez, além desse ponto, fosse interessante à UFBA saber sobre a qualidade de suas pesquisas.
*Deivson Mendes Santos é estudante de graduação em Comunicação Social – Jornalismo, da Faculdade de Comunicação da UFBA.