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Atualizado em 15 DE dezembro DE 2017 ás 17:44

Ricardo Sinay

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas no mundo sofrem com a depressão. Para muitos, a doença se configura como o “mal do século XXI”. Entretanto, o médico e psicanalista Ricardo Sinay afirma que a depressão sempre existiu, o que mudou é a nossa forma de enxergá-la, estudá-la, além do aumento das possibilidades de diagnósticos e tratamentos. Com mais de 30 anos de experiência em psicanálise, Ricardo também é médico especializado em endocrinologia e hoje trabalha com análise clínica de pacientes em consultório. Em sua carreira, prestou mais de 15 anos de serviço ao Hospital Irmã Dulce, em Salvador, onde coordenava a linha de pesquisa Psicanálise e Corpo, juntamente a Sociedade Latino-americana de Psicopatologia Fundamental

POR MARCELA VILAR*
marcelavilarms@gmail.com

Dr. Ricardo Sinay / Foto: Marcela Vilar

Ciência e cultura – Como surge a depressão?

Ricardo Sinay – O surgimento, em cada pessoa, tem a ver com dois fatores: um fator interno e outro externo. O primeiro é o fator genético, que se define pela estrutura dos genes e o tipo de organização cerebral. Na psicanálise, Freud diz que cada pessoa tem uma intensidade de desejos e de libido específica, que seria a quantidade da vontade de viver da pessoa. Não necessariamente sexual, mas desejo em várias ordens. Em medicina, isso seria a expressão do humor de cada um. Dentro da nossa estrutura genética, cada pessoa tem uma forma de lidar com as situações da vida. Na depressão, a pessoa modifica a estrutura genética do próprio cérebro. Essa mudança também pode ser feita pelo ambiente, quando, após um trauma, você modifica sua estrutura cerebral. Essa linha de pesquisa se chama epigenética, em que as experiências de vida marcam a pessoa de uma forma que muda as possibilidades de funcionamento do próprio cérebro. Logo, o ambiente social tem muita importância, a cultura, a história familiar, o grupo étnico e racial, mas depende também da base genética. A depressão pode ser também neurótica ou psicótica, no sentido de ser delirante, de não existir nenhum fato e a pessoa construir uma realidade, e, partir daí, não ter razão de continuar a viver.

Ciência e cultura – O que define um quadro depressivo?

Ricardo Sinay - Primeiro, é preciso diferenciar o luto da melancolia. Pelo olhar da psicanálise, o luto é uma situação originada por algum fato externo ou pensamento que te leva a um estado de tristeza, você deixa de ter um bem estar. Esse luto profundo pode evoluir para transtornos físicos e levar inclusive até à morte. A vida deixa de ter um sentido para você. Na melancolia, existe a situação da tristeza, mas você não sabe o que te levou àquele estado, que também tem gradações, desde algo leve até uma situação extremamente grave, que deixa o indivíduo incapacitado de exercer suas atividades, até a morte. A gradação de uma situação para outra é que define, de certa maneira, o que seria uma tristeza normal e o que seria um quadro depressivo. No luto, a situação se ocasiona principalmente de um fato externo e, na melancolia, é intrínseca à própria estrutura da personalidade da pessoa. Essas duas questões são muito importantes para tentar esboçar o que é a depressão, mas não se resume a isso.

Ciência e cultura – Como diferenciar a tristeza “normal” da tristeza “depressiva”?

Ricardo Sinay – Momentos de tristeza são normais. O que é não é normal é uma pessoa ficar sempre triste, ou sempre feliz, isso foge à média do funcionamento normal do cérebro humano. É uma questão de gradação, porque nem toda tristeza se caracteriza como um quadro depressivo. Depende muito de como a pessoa está levando a vida. Se, ao ouvir uma pessoa, você perceber que ela está com essa tristeza e não consegue ficar melhor, e ela achar que experimentar alguma substância pode trazer algum benefício, ela experimenta. Às vezes tem uma boa resposta, as vezes a pessoa só responde por um período de tempo e às vezes a pessoa experimenta todas as técnicas e não melhora. Tem situações que estão relacionadas com doenças auto-imunes, em que o corpo se volta contra uma área específica do próprio cérebro. Nesses casos, você deve tratar com um regulador de imunidade. Cada situação é única, cada pessoa tem sua história, sua genética e sua perspectiva.

Ciência e cultura – O gene da depressão pode ser hereditário?

Ricardo Sinay – Sim. Parte da carga genética é compartilhada pelos familiares. As pessoas têm o gene em comum e, em determinado momento, alguma coisa externa pode desencadear a expressão desse gene. Porém, o fator genético não é tudo.

Ciência e cultura – Quais as diferenças nos tipos de depressão?

Ricardo Sinay – Cada pessoa tem uma história única, mas existem similaridades. Nas similaridades, existe um enredo semelhante, uma genética semelhante. Até porque nossos genes são comuns. Geneticamente falando, somos 99% iguais. Do ser humano para um chimpanzé, a semelhança é de 98% e para uma planta de trigo, 20%. Existem semelhanças, mas as singularidades fazem toda a diferença. Agora, as estruturas do sistema de saúde não têm o treinamento de profissionais para lidar com essas diferenças nem a especificidade do tratamento. A tendência, no futuro, é que haja a particularização do remédio, que será muito mais compatível com a necessidade do paciente. Tudo isso a partir de estudo genético. O que fazemos hoje, frente a alguns anos, é muito grosseiro, apesar de termos evoluído muito em relação a tempos passados. Essa área ainda vai evoluir muito, não só em questão de medicamento, mas em relação às induções transcranianas, eletromagnéticas. Você tira a pessoa do conflito com essas técnicas. Um experimento recente, que foi feito com a molécula DMT, que é uma molécula de percepção de realidade, com o capacete de indução magnética, tendo estudado onde essa substância age, você consegue mudar a percepção de uma certa experiência da pessoa. Isso porque você age sobre a região que interfere na passagem substância química do circuito elétrico-cerebral. Por uma via eletromagnética, você consegue o mesmo resultado com a depressão.

Ciência e cultura – Entre seus pacientes, é possível apontar uma causa comum que ocasione a depressão?

Ricardo Sinay – Sim, a ambição não atendida. Num sentido de que a pessoa quer que alguma coisa aconteça de uma forma e ela não acontece. Por exemplo, sendo bem simplista, quando o filho não é do jeito que a pessoa queria que fosse, ou o pai, a mãe, a faculdade, a profissão, a altura, o nariz do jeito que queria… A partir daí, você pode encontrar milhares de formas de ser infeliz. Essencialmente, o que mais aparece é isso: “o mundo não me atende”. O próprio Sartre já dizia que o inferno é o outro. Hoje, vivemos numa era que a felicidade é o outro e isso tem muito a ver com as redes sociais, em que as pessoas postam grandes fantasias em que as outras pessoas olham e dizem “nossa, essa pessoa tem tanto e eu tão pouco!”. Isso tem um efeito dramático, porque é um espelho distorcido da verdade, e, quando algumas pessoas comparam com sua própria realidade, acham que têm uma vida miserável frente àquilo.

Ciência e cultura – Muitos afirmam que a depressão como o “mal do século”. Qual a sua visão sobre isso?

Ricardo Sinay – A depressão sempre existiu. Antes, nós não entendíamos e não conseguíamos fazer o diagnóstico. A medida que o humano está ganhando mais valor, você melhora o diagnóstico em relação ao passado. Antes, não era visto. E o que não se vê, não se mede. A questão humana hoje está valendo mais do que antes para o próprio humano. O valor de uma criança é infinitamente maior que no século XIX, por exemplo. Até no âmbito das religiões que têm surgido, o humano é o centro, a coisa mais importante existencialmente. Antes, era a pátria, a ideologia, o partido, isso valia mais. Claro que o valor do bem material e da posição sócio-econômica continua tendo uma influência muito grande, mas não como o discurso do mais importante, já não é mais aceito. Como o humano e sua subjetividade passou a ter um valor maior, você passa a enxergar mais isso, mas não que a depressão não existisse.

Ciência e cultura – Qual a influência hormonal num quadro depressivo?

Ricardo Sinay – Os hormônios mudam completamente. Tudo o que você pensa, bioquimicamente, se dá por uma forma eletromagnética. Todo pensamento é eletromagnético, com o retardo dos impulsos via substâncias químicas. Dependendo do que você sente, você muda seu funcionamento hormonal. Por segundo, cada pessoa processa, simultaneamente, um nonilhão de informações. Quando você mexe com isso, você mexe com alguma dessas substâncias, para mais ou para menos, em algum lugar que vai funcionar uma fração de segundo a mais.

Ciência e cultura – Quais são os tipos de tratamento?

Ricardo Sinay – Numa situação de tristeza, em que a pessoa tem dificuldade de levar a vida e fazer enfrentamentos, ela pode se tratar ouvindo música, indo à praia, encontrando um amor novo e dando um novo sentido à existência. A pessoa muda e essa situação se reverte. Mas, às vezes, uma medicação que aumenta a vida útil das substâncias produzidas no cérebro, os estimuladores cerebrais, que chamamos hoje de anti-depressivos, também podem trazer benefícios. Às vezes, todos os métodos são usados simultaneamente. Outra opção é fazer acupuntura ou aumentar a quantidade de exposição a luz solar para tentar melhorar a qualidade de vida. Todas as técnicas vão ter alguma vantagem, mas varia de pessoa em pessoa. Depende da estrutura genética, cultural e inclusive a microcultura da experiência de vida dela.

* Estudante de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura Ufba

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