O coordenador do Laboratório de Biotecnologia e Ecotoxicologia da Faculdade de Tecnologia e Ciência (FTC), professor do Mestrado Profissional em Bioenergia da mesma faculdade e professor de Biotecnologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Vitor Hugo Moreau fala do acordo firmado entre os dois centros de pesquisa e fornece detalhes das três patentes relacionadas à produção de biodiesel, desenvolvidas pelo grupo que lidera, e que serão partilhadas entre as instituições. Moreau comenta ainda o que ele chamou de “gafe técnica”, cometida pelo governo da Bahia quando defendeu o uso da mamona como um dos insumos para a produção de biodiesel
Por Wagner Ferreira e Danilo Moraes
wagner.ferreira@ufba.br / dalmeidamoraes@gmail.com
Ciência e Cultura – Qual a principal área de pesquisa do laboratório que o senhor coordena?
Vitor Hugo Moreau – É o desenvolvimento de estratégias enzimáticas de catálise. Hoje o processo é desenvolvido com catálise química; alcalina. Existem vários problemas ambientais associados a esse processo, assim como problemas técnicos em relação a reaproveitamento de catalisador e à neutralização do produto. No mundo inteiro estão sendo produzidos trabalhos de alto impacto no intuito de desenvolver uma forma de catálise que seja mais limpa e que gere produtos, não só limpos, do ponto de vista ambiental, quanto do ponto de vista industrial. Isso deve diminuir o número de procedimentos adicionais que é a limpeza, purificação e neutralização do produto, fazendo com que a produção de biodiesel seja mais barata.
Ciência e Cultura – Quantas patentes foram depositadas pelo seu grupo de pesquisa e como está o processo?
Vitor Hugo Moreau – São três patentes na área de produção de biodiesel; produção enzimática, mais especificamente no desenvolvimento de catalisadores de enzimas já comerciais, e também no desenvolvimento de catalisadores próprios, desenvolvidos em laboratório e baseados em tecnologia de DNA recombinante. Duas dessas patentes já foram depositadas no INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial] e uma se encontra em trâmite no Núcleo de Inovação Tecnológica da Ufba (NIT). Ainda entre as três, duas estão relacionadas ao aproveitamento e ao uso de matérias primas específicas de alta acidez, que são óleo e gordura residual para a produção de biodiesel. Com isso, pretendemos produzir uma enzima modificada que seja mais adequada para a produção de biodiesel em escala industrial.
Ciência e Cultura – Como é feito o processo de pedido de patente?
Vitor Hugo Moreau – As patentes são depositadas com procuração da FTC, junto ao NIT-Ufba. Atualmente depositamos com o meu grupo de pesquisa, com alunos tanto daqui como da Ufba. Mas o depósito de patentes sempre foi um salto muito difícil a ser dado pelo pesquisador no Brasil. O Núcleo da Ufba é bastante atuante, sob a coordenação da professora Cristina Quintela, que tem ajudado muito nesse processo. Hoje posso dizer que o NIT foi fundamental para ter nosso processo de depósito de patentes possibilitado.
Ciência e Cultura – Analisando sob a ótica do cientista, quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelo pesquisador que pretende obter patentes no Brasil?
Ciência e Cultura – A maior barreira nem é tanto financeira, porque no Brasil não é tão caro depositar patentes, mas é a do conhecimento, ou seja, conhecer um modelo de escrita e de apresentação da patente, e nisso o NIT nos apoia muito. Hoje tenho uma aluna, egressa da FTC, que cursa o mestrado em Biotecnologia na Ufba. Ela fez cursos de Propriedade Intelectual e Redação de Patentes no NIT. O treinamento foi muito útil para que ela pudesse participar ativamente do processo de redação das nossas patentes.
Paralelo a isso, nós temos como política interna do meu grupo de pesquisa, sempre a publicação também do artigo científico. Assim que a patente é depositada, não é preciso manter o sigilo, que só seria para fins comerciais, o artigo traz um peso, com mais explicações sobre a pesquisa.
Ciência e Cultura – Existem diversas pesquisas no Brasil em relação à produção de microalgas para a produção de biodiesel, mas aqui na Bahia, são notados incentivos para o dendê, o pinhão manso, a mamona, o girassol, entre outros insumos. Uma das justificativas é alavancar a agricultura familiar. Por outro lado, o apoio pode dar margem à monocultura, já que seus produtores recebem subsídios do governo para o plantio das culturas que servem para extração do óleo.
Vitor Hugo Moreau – Tem muita gente boa trabalhando com microalgas. A minha opinião particular é que o uso de microalgas, embora seja possível, é uma tecnologia ainda para longo prazo. Acredito que ainda existam muitas barreiras tecnológicas para que a utilização de microalgas seja uma fonte viável economicamente para a produção de biodiesel. Uma dessas barreiras é o método de cultivo que não é simples, por não ser agronômico; exige um tipo de cultivo específico. A questão de transferência de energia e captação de energia solar é outro problema; o modelo de reator que se deve utilizar ainda não é consenso, e outro tema que se discute é a retirada da água e o modo de separar o óleo da alga no meio que ela cresce. Hoje, para fazer esse tipo de separação é muito caro.
Então quando você associa com uma commodity, como é o caso do biocombustível, o tipo de produção tem que ser o mais barato possível. Não estamos falando de um produto de alto valor agregado, ou que custa 2 dólares o litro. Então, se você precisa gastar muito dinheiro para conseguir um litro de óleo para produzir biodiesel essa tecnologia fica inviável. Mas é importante dispor de tecnologias que possamos utilizar a curto, médio e longo prazo. Hoje nós temos a catálise alcalina, que é um processo com inúmeros obstáculos técnicos, utilizando basicamente o óleo de soja, que tem problemas inclusive sociais, por ser comestível; sua utilização gera uma competição com a indústria alimentícia.
Em outra escala, na Bahia é muito utilizado o dendê, o óleo de palma e a mamona, que apresenta um problema técnico sério, por não ser apta para a produção de biodiesel, apesar de ser muito propagandeada.
Ciência e Cultura – Há mais de cinco anos o governo da Bahia utiliza biodiesel em alguns dos trios elétricos que saem às ruas durante o Carnaval de Salvador. Em 2006, a produção foi aumentada para 7,2 mil litros para que a demanda fosse atendida. Para reforçar a sua utilização, em 2010 foi feita uma ampla campanha de marketing que divulgava a utilização do girassol, do dendê e a mamona estava entre as protagonistas da campanha. Sua revelação de que o insumo é um dos menos indicados para tal produção é muito importante. O governo não tinha entendimento dessa limitação?
Vitor Hugo Moreau – O que aconteceu foi que o governo se valeu do Programa Nacional de Produção de Biodiesel, que teve um cunho político muito forte, mas do ponto de vista técnico, a mamona não é nem de perto a melhor oleaginosa para produção de biodiesel. Por dois motivos: primeiro porque o óleo da mamona possui um componente especial que torna esse combustível muito viscoso, então pra você utilizar a mamona é preciso utilizar de 5 a 10% adicionado ao diesel de petróleo, acima disso o motor começa a apresentar uma rejeição a esse tipo de óleo. Um dos motivos é essa viscosidade.
Ciência e Cultura – E por que a viscosidade não é boa para a produção de óleo de motor?
Vitor Hugo Moreau – Esse é o segundo ponto. O óleo de mamona é comercializado como lubrificante e o preço desse lubrificante é bem maior do que o do biodiesel. Em detrimento de um produto de alto valor agregado, vamos deixar de produzir esse óleo como lubrificante pra aplicar na produção de biodiesel combustível?
Ciência e Cultura – Essa opinião sobre a utilização da mamona como insumo de biodiesel já é um consenso na comunidade científica ou é sua visão? Hoje o governo do estado tem a consciência disso, inclusive em relação às linhas de financiamento de pesquisas ligadas ao aproveitamento da mamona?
Vitor Hugo Moreau – Não. Em minha opinião o governo tem uma dificuldade de desmentir a campanha que foi feita na campanha nacional de biocombustível, que foi uma “gafe técnica”, como várias outras cometidas, por exemplo, com o pinhão manso. O insumo é uma oleaginosa bastante apta, inclusive para produção de biodiesel e o governo incentivou o seu plantio, mas a Embrapa, que é o órgão oficial que concede certificação de semente no país não tinha feito a certificação para o plantio industrial do insumo, ou seja, não se permite o plantio de sementes que não sejam certificadas pelo órgão. Mesmo assim o plantio de pinhão manso foi estimulado, como mais uma estratégia política. A certificação só saiu muito tempo depois.
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Biodiesel e patentes com Vitor Hugo Moreau
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