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Atualizado em 27 DE março DE 2013 ás 21:29

“Quando as pessoas vão dar um basta à sociedade capitalista?”, questiona Harvey

O Café Científico desta terça-feira trouxe a Salvador o geógrafo David Harvey para falar sobre as consequências da crise econômica no mundo e a nova configuração política no Brasil.

POR NÁDIA CONCEIÇÃO* e ÍTALO RICHARD**
nadconceicao@gmail.com e italo.richard@gmail.com

As consequências da crise econômica global e da nova configuração política no Brasil e no mundo foram alguns dos pontos tratados no Café Científico da UFBA, que trouxe para Salvador a Conferência internacional Para ler O Capital ministrada pelo professor da The City University of New York e consagrado geógrafo britânico David Harvey, na noite desta terça-feira (26), no salão nobre da Reitoria da UFBA.

O Café Cientifico, promovido em parceria com a Boitempo Editorial e a Fundação Lauro Campos no Brasil, é uma atividade de extensão realizada pela Pró-Reitoria de Extensão Universitária da UFBA, o Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA/UEFS) e a Livraria Multicampi (LDM). A conferência integra a programação do seminário internacional “MARX: a criação destruidora”, cujo objetivo é  debater a atualidade e a pertinência da produção teórica do filósofo alemão, além de incentivar a popularização da ciência e analisar os seus efeitos imediatos na transformação da sociedade.

Especialista em Marx realiza palestra no Salão Nobre da Reitoria, em mais uma edição do Café Científico, em Salvador.

Foto de Alysson Viana Martins

Aos 77 anos, o Geólogo e professor de antropologia da Universidade da Cidade de Nova York, David Harvey, contou que começou a ler a teoria Marxista aos 35 anos e cheio de dúvidas. “Comecei a ler Marx porque estava em busca explicações que não encontrava em outros lugares. Estava angustiado quando alguém sugeriu que eu lesse Marx, como sou pesquisador e muito curioso comecei a ler, juntamente com mais 10 pessoas. Formamos um grupo de leitura, lemos ‘O Capital’ durante um ano e não entendemos nada. No ano seguinte reiniciamos a leitura, foi quando passamos a entender alguma coisa”.

O professor contou também que, nos anos 1970, quando iniciou os estudos sobre Marx, quem lia sua obra era tido como “terrorista”. “Eu andava com a minha cópia de ‘O Capital’ embrulhada em um papel”, recordou. À época, David Harvey lecionava Geografia na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos, e decidiu iniciar um curso sobre O Capital no campus. Era um tempo em que, segundo ele, “muitos radicais achavam que ler não era algo tão radical”.

De acordo com o professor, “O Capital não é uma teoria sobre o capitalismo enquanto formação social”. Ele explicou que o livro representa uma “teoria sobre a engenharia econômica que comanda o capital”.

Segundo Harvey, O Capital é uma obra de economia política e não existe no livro a preocupação com o detalhamento de particularidades – como os debates sobre o patriarcado, o racismo e a homofobia, mas se atém com mais amplitude ao funcionamento global do sistema capitalista. “A fonte primária de informação utilizada por Marx era a econômica política clássica. Pela leitura crítica dessas teorias, ele chegou à determinação de como as coisas funcionavam”.

Para David Harvey, em O Capital, Marx optou por se debruçar exaustivamente sobre o sistema econômico para facilitar o entendimento sobre seus mecanismos e, consequentemente, embasar ações práticas para sua superação. “Marx descreve tão bem a engenharia econômica do capitalismo para que você saiba o que é ser anti-capitalista através de uma visão profunda sobre o que é o capital e como ele opera. O livro é um projeto político do que é ser anti-capitalista. É uma leitura importantíssima para o momento atual, quando o capital e o capitalismo enfrentam muitos problemas”.

Foto Alysson Viana Martins

O fetichismo

Em sua fala, Harvey explicita que uma das principais questões provocadas por Marx em O Capital é a reflexão sobre dinheiro e mercadoria. O pesquisador coloca o problema dentro da dialética a respeito do valor, dividido em duas categorias: valor de uso e valor de troca. “O valor de troca não pode existir sem uma medida. Ele requer algo chamado dinheiro. O que é o dinheiro?”, questionou Harvey.

“A maioria das pessoas lida com dinheiro todos os dias, corre em busca dele, mas mesmo assim, não faz ideia do que é o dinheiro”, criticou. Nesse sentido, o professor sinaliza que o mercado esconde o que está acontecendo com as pessoas ; o dinheiro encobre as verdadeiras relações sociais que estão por trás da mercadoria. “Não sabemos nada do trabalho social presente no commodity. São transformações fetichistas porque mascaram as verdadeiras relações sociais”, disse.

Na concepção de Harvey, quem ler O Capital vai entender como o fetichismo envolvendo o dinheiro e a mercadoria mascaram as relações sociais. “Quando você compra uma casa, você quer morar nela – aparentemente é uma troca simples e lógica. Mas há muita coisa escondida por trás dela. Você não sabe nada sobre quem construiu aquela casa, nem como ela foi construída, muito menos quais relações sociais e condições econômicas determinaram sua construção. Nesse caso, a casa é apenas um objeto do qual nos apropriamos com um outro objeto chamado dinheiro”, observou.

Para David Harvey, mais importante, ainda, do que “desfetichizar” a mercadoria, é “desfetichizar” o dinheiro. “Marx explica que o dinheiro é uma medida da sociabilidade do trabalho. Mas a sociabilidade do trabalho é uma relação social, e relações sociais são invisíveis e imateriais, portanto, precisam dessa representação material, que é o dinheiro”, comentou.

Para o professor, há uma contradição entre o que o dinheiro representa e o que ele, de fato, é. “O dinheiro nos anima, nos dá uma sensação de poder, mas a sociabilidade do trabalho humano não”, criticou.

O Capital problematiza o sistema capitalista, além de “desfetichizar” as relações envolvendo o valor de troca. “O livro nos provoca uma reflexão política. Devemos construir uma sociedade que se preocupe, prioritariamente, com a disponibilização de valores de uso para a maioria da população, sem colocar os valores de troca como fatores determinantes à produção”, defendeu.

Temos que defender o não crescimento das cidades, pois “uma sociedade que não está crescendo  tende a se tornar uma cidade de crescimento zero e, consequentemente, uma sociedade não capitalista. Dessa forma temos que imaginar e torcer para que a sociedade se levante e diga um basta às sociedades capitalistas”, concluiu Harvey.

O seminário internacional “MARX: a criação destruidora”, o IV Seminário Margem Esquerda, também se estende às cidades de São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Recife. Confira a programação completa do seminário em todas as cidades.

*Nádia Conceição é jornalista, estudante de Produção Cultural da UFBA e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura.

* Ítalo Pereira é produtor cultural, estudante de jornalismo da UFBA e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura.

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