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Atualizado em 1 DE novembro DE 2018 ás 17:16

50 anos de Pedagogia do Oprimido

Apontada como uma das principais obras de Paulo Freire, o livro Pedagogia do Oprimido completa 50 anos. A compreensão de uma outra forma de educação, construída na parceria entre professor e aluno, continua levantando polêmica

POR L. COSTA*
costa.larissa164@gmail.com

O pedagogo, educador e filósofo Paulo Freire dedicou sua obra Pedagogia do Oprimido “aos esfarrapados do mundo e aos que com eles lutam”. Segundo afirma nas primeiras linhas da obra, escrita em 1968, que completa cinquenta anos neste ano, o desejo é inspirar a ação libertadora. Para ele, nada é mais libertador que a educação.

Pedagogia do Oprimido e outras tantas obras de Freire, como Educação como prática da liberdade, se basearam em suas experiências com a alfabetização de adultos pelo Brasil. Formado em Direito, acabou atuando unicamente como educador, onde desenvolveu o que ficou conhecido como “Método Paulo Freire”. “Ele tinha um propósito além de ensinar a ler. Era mudar a prática [educadora], para fazer a chamada conscientização do sujeito, do lugar que ele estava, que ele falava e da palavra dele. Paulo Freire dizia que é preciso ler a própria palavra para ser sujeito de sua história”, afirma a professora doutora da Faculdade de Educação da Universidade federal da Bahia (FACED-UFBA), Uilma Matos.

Tida como obra principal do educador, Pedagogia do Oprimido trata de uma dialética entre os oprimidos e os opressores. Neste embate opera a desumanização dos oprimidos, que se alienam de seu meio e de si mesmos. Para Freire, a educação é o meio de libertação tanto dos opressores quanto dos oprimidos. Por isso torna-se tão importante que a pedagogia do oprimido seja construída em comunhão com aqueles que mais necessitam, pois somente eles têm real noção das opressões da sociedade.

Manuscrito do livro Pedagogia do Oprimido/ Fonte: Reprodução

Manuscrito do livro Pedagogia do Oprimido/ Fonte: Reprodução

A pedagogia do oprimido se refere também a uma causa coletiva. “Solidarizar-se com estes [oprimidos] é algo mais que prestar assistência a trinta ou cem. A solidariedade, exigindo de quem se solidariza que ‘assuma’ a situação do outro, é uma atitude radical”, afirma Freire no livro. Essa prática educadora se coloca como um diálogo entre os diferentes, reconhecendo as experiências de cada um.

Vem daí a crítica feita ao que é chamado de “educação bancária”, onde existe uma relação de superioridade entre professor e aluno. Paulo Freire se opõe a essa prática em que somente um lado tem direito a ensinar e o outro é visto apenas como receptáculo do conhecimento passado. Para ele, o sujeito só se torna completo na sua relação com o outro, mas deve também ser protagonista de si mesmo. “Talvez seja esta o sentido mais exato da alfabetização: aprender a escrever a sua vida, como testemunha de sua história”, comenta o professor Ernani Maria Fiori na introdução do livro.

O método Paulo Freire aplicado - Das experiências de Freire com a alfabetização de adultos, destaca-se a realizada na cidade de Angicos, Rio Grande do Norte, em 1963. As atividades feitas ao longo de dois meses somaram as famosas quarenta horas de Angicos, onde o método consistia na ação do educador de conhecer a realidade do aluno e extrair dali os termos que orientavam o ensino, chamadas de palavras geradoras. Do cotidiano das pessoas saíam as palavras a serem trabalhadas. Com a turma de Angicos uma das palavras geradoras era belota [enfeite para redes de dormir]. No Rio de Janeiro, estudaram também a palavra favela.

Turma de Angicos/ Fonte: Reprodução

Turma de Angicos/ Fonte: Reprodução

O livro de Carlos Rodrigues Brandão, O que é o método Paulo Freire?, explica que as palavras geradoras eram estudadas tanto a partir dos seus fonemas e sílabas, quanto a partir da carga sentimental e das questões que elas evocavam, chamadas de temas geradores. Com esses temas se buscava fazer uma problematização do cotidiano.

Eram usadas projeções nas aulas com desenhos de elementos culturais da cidade, para levantar debates. No documentário 40 horas, 50 anos depois [realização: Agência Frisson Comunicação], Maria Pureza, aluna do método, lembra que Paulo Freire perguntava tudo sobre suas vidas, sobre como eram feito os tijolos de suas casas, as panelas de barro usadas na cozinha. Como exemplifica Carlos Rodrigues, a imagem de um poço levava ao questionamento da utilidade deste elemento. Por que alguém teria que construí-lo? A resposta – pela necessidade de beber água – ajudava a aprofundar a visão do contexto daquelas pessoas.

Toda essa ação era estruturada na crença de Paulo Freire de que o aluno tinha tanto a oferecer quanto o professor. “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”, diz uma famosa frase sua. Herança de suas influências cristã e existencialista, Freire acreditava na potência do ser humano. Assim formou sua Pedagogia do Oprimido, como o ensino desenvolvido com o aluno e não para o aluno.

Em sala de aula a pedagogia se traduzia nas formações das palavras. Os alunos aprendiam os fonemas das palavras geradoras e depois os usavam para formar novas palavras. Aí estava a “mágica” do método. Os alunos se emancipavam e conseguiam também avançar sozinhos. “Eu lembro que minha mãe escreveu uma carta dizendo: agora eu não sou massa, virei povo”, lembra Maria Eneide, que participou do programa de Angicos quando era uma criança e hoje é professora. Em outro documentário sobre a experiência, 40 horas na Memória: Resgate da Experiência dos Alunos de Paulo Freire em Angico/RN [realização da Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA], os alunos recordam o prazer de poder votar pela primeira vez, em tempos de voto impresso.

Paulo Freire com a turma de Angicos durante a formatura e trinta anos depois/ Fonte: Acervo Paulo Freire

Paulo Freire com a turma de Angicos durante a formatura e trinta anos depois/ Fonte: Acervo Paulo Freire

O que aconteceu depois e o que acontece agora – “[Paulo Freire] queria que as pessoas conhecessem seus direitos. Mas era o tempo da ditadura militar, e os militares não queriam que ninguém conhecesse seus direitos”, afirma Maria Pequena no documentário 40 horas na Memória.

A formatura da turma de Angicos contou com a presença do presidente João Goulart e do General Castelo Branco. Uilma Matos nos conta que o General teria questionado Paulo Freire sobre seu método, perguntando se não era trabalho subversivo. “Se for para reverter a desigualdade que está grassando esse país, eu subverterei sempre que for necessário”, respondeu Freire.

No ano seguinte, 64, por ocasião do golpe militar, todo o Plano Nacional de Alfabetização, fruto do governo de Goulart, foi desestruturado. Posteriormente, Paulo Freire seria exilado e teria suas obras proibidas no Brasil, só voltaria ao país em 1980. Uilma recorda também quando presenciou uma palestra dele, em 1982, em Salvador. “Ele começou a falar pedindo desculpa às mulheres por ter escrito a Pedagogia do Oprimido toda se dirigindo ao professor. Disse: hoje eu já tenho consciência de que o magistério é feito de mulheres em sua maioria, mas como esse lugar é invisibilizado eu escrevi todo o livro me dirigindo ao masculino”.

Essa disposição de sempre criticar relações de opressão fez com que acusassem Paulo Freire de ser comunista. Ainda hoje apontam como marxista doutrinador o patrono da educação brasileira. Esse título, aliás, esteve em risco quando no ano foi apresentado uma proposta legislativa no site do Senado para retirar a homenagem. O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, já declarou que “vai entrar com um lança-chamas no MEC e tirar o Paulo Freire lá de dentro”.

Paulo Freire em Angicos/ Fonte: Acervo Paulo Freire

Paulo Freire em Angicos/ Fonte: Acervo Paulo Freire

A crítica feita a Paulo Freire, de ser doutrinador, vem da incompreensão do caráter político de sua obra. Carlos Rodrigues afirma que esse aspecto sempre foi parte do método de Freire. “Há uma proposta politicamente mais humana, a de criar, com o poder do saber do homem libertado, um homem novo, livre também de dentro para fora. O método é instrumento de preparação de pessoas para uma tarefa coletiva de reconstrução nacional”. Esse projeto, no entanto, nunca foi realmente testado no Brasil.

Mas se no seu país Paulo Freire é criticado por muitos, no exterior seu trabalho é mais apreciado. Segundo pesquisa feita pelo professor Elliot Green, da London School of Economics, Freire é o terceiro pensador mais citado do mundo em trabalhos da área de humanas. Em 2016, o projeto Open Syllabus demonstrou que Pedagogia do Oprimido é o único livro brasileiro a entrar na lista dos 100 títulos mais pedidos pelas universidades de língua inglesa. Acumula também 41 títulos de doutor honoris causa de universidades ao redor do mundo, incluindo Cambridge, Harvard e Oxford.

Referências:

Documentário 40 Horas na Memória.(Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PkN97kOriJc)

Documentário 40 Horas, 50 Anos depois.(Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=u4Ap8QWL2_Q&t=5s)

Livro Pedagogia do Oprimido. (Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/paulo_freire_pedagogia_do_oprimido.pdf)

Livro O que é o método Paulo Freire?.(Disponível em: http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/bitstream/7891/4219/1/FPF_PTPF_12_102.pdf)

*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

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