O diálogo com os usuários e um olhar voltado para o indivíduo, considerando seu histórico de vida e suas demandas, fazem parte dos princípios dessa política.
CARLA SILVA e THAMIRES SANTOS*
Desde a pré-história, diversas culturas fazem uso de plantas e outras substâncias de origem animal que provocam sensações de euforia, relaxamento, aumento da libido e ansiedade. Os egípcios, por exemplo, comiam flores de lótus azuis para induzir efeitos narcóticos e alucinógenos. Já os Maias mastigavam as folhas de coca para aumentar a energia e obter cálcio e ferro. No entanto para a sociedade contemporânea a droga ainda é um tema que gera tabu. Existem duas percepções de destaque sobre o seu uso: a primeira advém do Estado que tem o seu foco na substância, sendo a droga elevada ao nível de instituição a ser combatida. O Médico, Psicanalista e Coordenador Geral da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti, Tarcísio de Andrade, argumenta que essa posição “É compreensível, porque por esse viés repressor o Estado se protege”. A ação repressora sugere a falsa ideia de um governo atuante, o que pode ser visto pela população como uma ação positiva. O segundo ponto de vista é voltado para as práticas e políticas de Redução de Danos que consiste em uma abordagem que não parte da ideia da abstinência, de que deve haver imediata e obrigatória extinção do uso das drogas, mas que existem ações que atenuam seus efeitos.
As práticas de redução são elaboradas a partir do diálogo com os usuários, considerando seu histórico de vida e suas demandas para construção de melhores formas de tratamento. O princípio da política de Redução de Danos é respeitar as possibilidades, vontades e limites dos usuários, tentando proporcionar ao indivíduo qualidade de vida e reiteração com a sociedade. Este olhar voltado para o indivíduo evidencia que os problemas de caráter social acontecem independentes do consumo de substâncias psicoativas, como afirma Andrade; “A partir desta visão verificamos que a relação com o uso, sobretudo as relações em nível de dependência, antecede a droga. O problema está nas questões sociais e econômicas da população. Portanto, em ambientes menos favorecidos, o consumo e o tráfico serão maiores”. Este fenômeno já pode ser percebido em pequenas cidades da Bahia, de acordo com o Observatório do Crack da Confederação Nacional de Municípios (CNM), o nível dos problemas relacionados à circulação de Crack com alta gravidade estão em grande maioria em municípios que não alcançam o total de 30.000 habitantes, são exemplo os municípios de Canudos (15.755), Heliópolis (12.444), Lage (22.206) e Lençóis (10.368).
O álcool é a droga mais consumida no Brasil
Embora a atenção do Estado esteja sobre drogas como o Crack e a Maconha, um levantamento nacional de álcool e drogas realizado entre 2006/2012 pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas – INPAD destaca que enquanto metade da população é abstêmia em relação ao álcool, 32% bebem moderadamente e 16% consomem quantidades nocivas. No entanto somente 7% da população adulta já experimentou maconha em algum momento da vida e apenas 4% da população fez uso de alguma apresentação de cocaína, este índice caí para 3% entre os adolescentes. Estes dados apontam que as drogas lícitas, como o álcool, são as maiores causadoras de problemas no Sistema Único de Saúde. A pesquisa do INPAD ainda destaca que 12,4 milhões de pessoas admitem que o uso do álcool causou efeitos prejudiciais em seus relacionamentos, sendo 2,6% relacionados a agressão física em função da bebida. Os atos de violência associados ao álcool não são incomuns, como revela Roque Bastos, 50 anos, paciente do Centro de Atenção Psicossocial – álcool e outras drogas (CAPSad) Gregório de Matos. “Apesar de usar outras drogas, é o álcool que me deixa mais agressivo, faço coisas que me envergonham no dia seguinte.”
Redução de Danos na Bahia
O primeiro projeto baseado na prática de Redução de Danos no Brasil foi implantado em Salvador pelo Programa de Redução de Danos do Centro de Estudos e Tratamento do Abuso de Drogas (CETAD), em 1990. O projeto buscava a prevenção do HIV/AIDS e transmissão da Hepatite entre usuários de drogas injetáveis, através da troca de seringas. Após duas décadas o Estado da Bahia tem um déficit de serviços e programas voltados para os usuários de drogas. A exemplo dos Centros de Atenção Psicossocial para Pessoas que usam álcool e outras Drogas (CAPSad), segundo as diretrizes do Sistema Único de Saúde e Portarias do Ministério da Saúde, os CAPSad devem cobrir uma área de 200 mil habitantes, mas são apenas cinco centros para atender toda a Região Metropolitana, com um número estimado de 2.902.927 habitantes. Estes serviços não amparam o contingente populacional de usuários, caso do serviço coordenado pelo médico e professor da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA Tarcísio de Andrade, o CAPSad – Gregório de Matos, que inicialmente deveria atender apenas a região do Centro Histórico e seu entorno, mas grande parte dos atendimentos, uma média de 500 por mês, são de pessoas de outros bairros.
*Graduandas em Jornalismo e bolsistas da Faculdade de Medicina, Programa de Redução de Danos.