Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 16 DE outubro DE 2017 ás 14:00

Reumanização do Nascer

Partos humanizados permitem uma experiência mais adequada à gestante, permitindo seu protagonismo e a defesa de seus direitos

POR AMANDA DULTRA*
amandadultra@hotmail.com

O parto, por si só, é uma experiência renovadora; é transformador. É trazer uma ou mais vidas ao mundo depois do seu desenvolvimento no ventre de sua genitora, após inúmeras transformações em ambos os corpos – e configura, certamente, um evento a ser celebrado. Lamentavelmente, na prática, não é sempre assim. Nos hospitais, métodos de indução ao parto (como o uso da oxitocina) ou o processo cirúrgico, cesariano, são utilizados para facilitar o parto – mesmo sem necessidade, e contra a indicação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Felizmente, o parto humanizado surge como solução.

Renovação na água

A mãe carrega seu infante pela primeira vez/Foto: Clara Fernandes para o ensaio Iluminar

Do Natural ao Cesáreo ao Humanizado – Outrora, antes do século XX, os partos eram um evento fechado, quase familiar. Realizados nos domicílios por um parteira, sendo raras as ocasiões que um médico era chamado ou a parturiente era levada ao hospital. Segundo o artigo de Leister e Riesco (2013), Assistência ao parto: história oral de mulheres que deram à luz nas décadas de 1940 a 1980: “dar à luz fora de casa era anormal, apavorante e acontecia apenas em situações extremas. O médico era chamado somente em casos complicados, quando a parteira não conseguia resolver o problema”.

Foi somente com o avanço da tecnologia e dos estudos da medicina que parir tornou-se um evento essencialmente hospitalar, algo não mais particular e caseiro. Nesse momento, ferramentas do âmbito cirúrgico-obstétrico são largamente difundidos, instrumentos que hoje podem ser ditos arqueológicos quanto ao tratamento da paciente. Carmen Simone Grilo Diniz (2005), na publicação Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento, comenta: “o parto é concebido como uma forma de violência intrínseca, essencial, um fenômeno ‘fisiologicamente patogênico’”. O parto, então, ganha um aspecto mecanizado, e medidas como a cesariana ganham bastante espaço – até mais do que é devido.

Segundo dados divulgados em 2017, pelo Ministério da Saúde (MS), 55,5% dos partos no Brasil foram feitos de maneira cirúrgica em 2016, algo que alcançou 88% na rede privada: um quadro crítico quando a OMS prevê apenas 15%. Além disso, há relatos de agressões – verbais, físicas, psicológicas, ou mesmo sexuais; cerca de 25% das mulheres o sofrem de acordo com a pesquisa “Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Públicos”, realizada em 2010. Felizmente, essa é uma concepção em mudança: um retorno ao natural está sendo efetivado. Tentando reverter o quadro de violência obstétrica, o parto humanizado vem sendo implementado sobretudo nas redes públicas e mostrando efeitos positivos.

Modos de parto/Origem: Acervo da Editoria de Arte do Jornal O Tempo

Assistência e Proteção – O parto humanizado, como o nome já indica, é o processo de trazer um indivíduo ao mundo de maneira tolerante, respeitosa dos direitos tanto da mãe como da criança. É prover assistência desde o pré-natal até o pós, permitindo um nascimento sadio e a protagonização da gestante em momento tão transformador. Além disso, é um conjunto de benefícios garantidos pelos órgãos vigentes, como a Portaria/GM 569 – 2000 do MS sobre o Programa de Humanização do Parto e Nascimento – a qual ressalta a necessidade de práticas as quais protejam os pacientes em tal momento. Recursos como privacidade, maneiras de aliviar a dor da parturiente, possibilidade de movimento ou mesmo de alimentação leve são assegurados.

E os resultados desse tratamento são notáveis. A estudante de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia, Ariadiny Cerqueira Araújo, recobra sua experiência com carinho. Seu primogênito Afonso é prova de um sistema competente na rede pública, tendo nascido na Mansão do Caminho, no Pau da Lima. “Eu gosto muito de falar do meu parto porque quero jogar luz nessa causa”. Ela realizou seu pré-natal na rede privada, porém concretizou-o na pública: “Quando eu escolhi parir na Mansão do Caminho, foi justamente pelo fato de saber que lá respeitariam meus direitos, sabe?”.

Profissionais da área da saúde também louvam o desempenho dessas aplicações: a técnica em enfermagem do neo-natal, Mônica Souza, rasga-se em elogios: “Hoje existem cursos, fala-se muito em parto humanizado porque às vezes a gente esquece que está tocando outro indivíduo. Precisamos resgatar isso pois faz uma diferença muito grande: o jeito de dar banho no bebê, olhar no olho do paciente e conversar – ter essa atenção pra ele se sentir cuidado”. Além disso, a técnica – quem trabalha no Hospital Roberto Santos no Cabula e na Maternidade José Maria Magalhães Netto no Pau Miúdo – observa os benefícios: “a parturiente não vai passar por cirurgia – então não precisa se preocupar com anestesia ou pós-operatório – e sua recuperação será mais rápida. O infante também respira mais fácil por causa do esforço ao passar pelo canal vaginal e tem uma maior receptividade ao toque graças ao contato imediato com a mãe”.

Ainda há muito trabalho a ser feito no que tange a aplicação dessas manobras e reduzir os indicadores da violência obstétrica. Segundo Mônica, o ideal é a instrução. “Através dos cursos e de conscientização de novos profissionais para aplicar esses cuidados. O médico faz residência em hospitais públicos e depois leva esse pensamento para o privado”. Há também cartilhas do Ministério Público, tanto de Brasília como de Pernambuco, que são muito bem elaboradas e acessíveis.

O processo ainda pode ser doloroso, Ariadiny relembra, entretanto, muito do gratificante. “O principio do nascimento é dar a vida, e não tirá-la. Então, a gente tem que parar de ver o parto como algo que vai dar errado, que a mulher não vai conseguir. [...] Parece ser romântico demais depois de tanta dor e de tanto sofrimento que eu não vou ignorar ou vou romantizar simplesmente dizendo que tudo é maravilhoso. Mas foi apesar de tudo que passei, da dor imensa, intensa: quando passa é ótimo, e tem coisas que a fazem esquecer de todo o resto”.

Bibliografias consultadas

DINIZ, Carmen Simone Grilo. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um movimento. Ciência e Saúde Coletiva v.10 n.3. Rio de Janeiro, July/Sept. 2005.

Mulheres Brasileiras e Gênero nos espaços públicos e privado – Pesquisa de opinião pública, 2010.

LEISTER, Nathalie; RIESCO, Maria Luiza Gonzalez. Assistência ao parto: História oral de mulheres que deram à luz nas décadas de 1940 a 19801. Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, 2013. Jan-Mar; v. 22, n.1, p. 166-74.

* Estudante de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *