Diante dos casos recentes, a Agência de Notícia acompanhou as ações dos municípios referente a segurança no âmbito escolar
POR CINTHIA MARIA E NATHALÍ BRASILEIRO
cinthia.maria@ufba.br, nathali.brasileiro@gmail.com
Nos últimos 2 anos, o Brasil registrou 5 casos de ataques violentos em escolas: Barreiras (BA), Sobral (CE), Aracruz (ES), São Paulo (SP) e Blumenau (SC). Os últimos dois, em um intervalo de menos de 10 dias. Desde então, a temática sobre segurança pública no ambiente escolar tem sido um constante assunto nos noticiários. Os recentes atentados têm levado preocupação aos pais, alunos, professores e especialistas no assunto.
Com um crescente avanço no cenário mundial de ataques em escolas, não podemos definir as ações atuais apenas como um reflexo de uma sociedade marginalizada. Antônio Mateus Soares, Doutor Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), e Anete Brito Leal Ivo, Doutora em Sociologia, Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em um artigo sobre violência escolar, juventude e segurança pública, apontam que a explicação para o atual cenário baseia-se em diversos fatores: “[o] comportamento dos jovens, associado às novas estruturações econômicas globais, pelo processo de reestruturação produtiva e pelos efeitos perversos da globalização que conjugam déficit cívicos no plano da legitimação dos direitos e deveres, promovendo a desarticulação das instituições sociais; precarização e flexibilização do trabalho”.
Para traçar um breve panorama deste cenário na Bahia, foi realizada uma pesquisa sobre como está a situação da segurança nas escolas de três municípios: Salvador, Feira de Santana e Alagoinhas. As cidades escolhidas no âmbito desta matéria foram selecionadas por se tratarem da capital do estado (Salvador), o segundo maior município baiano (Feira de Santana) e uma cidade que faz parte da região metropolitana, Alagoinhas.
Na primeira parte da investigação, foram mapeados através da plataforma Querido Diário ferramenta de busca criada com o intuito de facilitar o acesso aos Diários Oficiais das cidades brasileiras— quais eram os registros das ações do governo municipal nos diários oficiais dos municípios citados. Para a pesquisa utilizamos as seguintes palavras chaves: segurança escolar, ronda escolar, segurança pública, prevenção, investimentos municipais, segurança pública escolar, e guarda municipal.
Na segunda parte, a Agência de Notícias entrou em contato direto com as prefeituras para obter mais informações sobre as ações diagnosticadas na primeira etapa. O município de Barreiras não entrou na avaliação por não ser possível, até o momento, pesquisar de forma automatizada as palavras chaves utilizadas na pesquisa.
Salvador
Neste município não foram encontradas informações nos diários oficiais sobre segurança escolar, no entanto, localizamos reportagens que abordavam o aumento dos casos de violências e ataques em instituições de ensino.
Para Naiara Silva, mãe de aluna da rede municipal, por conta dos últimos acontecimentos, o policiamento nas escolas está sendo constante. “É a garantia da proteção aos direitos individuais de cada cidadão, fazendo com que possam exercer seu direito de cidadania em segurança, como trabalhar, conviver em sociedade e se divertir”, afirma.
A Agência de Notícias tentou contato com a Secretaria de Educação do município, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
Com relação às escolas estaduais presentes tanto na capital quanto no interior, a AGN encontrou informações no site da Defensoria Pública da Bahia. Como iniciativa de enfrentamento às ameaças de violência na comunidade escolar, foi lançado no dia 19 de abril deste ano, o Comitê Estadual Intersetorial de Segurança nas Escolas e nos Espaços Educacionais da Bahia (CISE).
Feira de Santana
Os registros encontrados sobre este município mostram que o governo tem tomado medidas para intensificar a segurança nas escolas municipais, assim como a permanência no ambiente escolar, segundo o Decreto N°12.887, publicado em 17 de abril de 2023, que implementou um projeto de rondas escolares nas instituições de ensino do município.
Em entrevista concedida ao portal Acorda Cidade no dia 12 de abril, o prefeito Colbert Filho classificou os ataques e ameaças como terrorismo e ressaltou a necessidade da intensificação das rondas escolares, afirmando também que é preciso um esforço conjunto e que colocar policiais nas portas de todas as escolas não irá resolver por si só a situação. “Em casa precisamos verificar o que está acontecendo nas redes, saber o que estão lendo e enviando pelo celular. Apelamos às famílias para que verifiquem como seus filhos estão utilizando o celular”, diz.
Em entrevista concedida à Agência de Notícias no dia 11 de maio de 2023, o deputado federal Zé Neto (PT/BA) afirma ter participado da criação do projeto de ronda escolar, enquanto ainda estava na Assembleia Legislativa. O deputado também explica as motivações para a implementação de rondas escolares. “As diretoras queriam prevenir a violência. Existiam várias situações, principalmente a presença de traficantes nas portas das escolas. Quando elas viram que essas movimentações pareciam preocupantes, organizaram-se e criaram um grupo de WhatsApp juntamente à corporação da polícia. Nesse momento, eles reservaram um de seus carros para fazer esse monitoramento, mas quando eu soube, organizei melhor e criei a Ronda Escolar, que hoje é exemplo para todo o estado”.
Zé Neto acredita que esse projeto deve ser ampliado para além do monitoramento policial. “É necessário ser uma medida preventiva, de acolhimento, e acima de tudo, de pertencimento da comunidade com a escola”, completa.
Carolina Oliveira, mãe de aluno de 5 anos da rede municipal em Feira de Santana, relata que logo após a explosão de casos no país, o medo a impediu de levar o filho para escola. “Nos primeiros dias fiquei muito insegura. É o meu único filho, como é que eu mando ele pra escola? Fiquei com medo. Quando percebi um aumento de policiais, voltei a levá-lo”. Ela fala também da efetividade das medidas de segurança no âmbito municipal. “Como mãe, sempre acho que pode melhorar, mas emergencialmente foram boas ações. O fato de ter alguém ali, policial ou segurança, nos tranquiliza e assusta os terroristas”.
Alagoinhas
Em 2017, a prefeitura de Alagoinhas instaurou a Lei Municipal 2.373, que buscava “garantir a segurança de mulheres vítimas de violência doméstica, além de assegurar que a Guarda Civil Municipal faça um trabalho de patrulhamento nas escolas do Município de Alagoinhas através do Projeto Ronda Escolar, prezando pela dignidade e proteção das Crianças e Adolescentes”.
Segundo a diretora da rede municipal de Alagoinhas, Regina Lúcia Santana, em 2021 a polícia frequentava o ambiente escolar quinzenalmente. “Eles falavam sobre a importância de estudar, respeitar os pais, professores e pessoas mais velhas. Falavam também da realidade fora da escola, e diziam para os alunos que sem estudo não se pode ter sucesso”. A diretora afirmou, por fim, que atualmente os policiais só aparecem se forem chamados.
Apesar da instauração da lei, Cláudia Santiago, mãe de dois alunos da rede municipal de Alagoinhas, afirma que não viu nenhuma mudança em relação à segurança escolar nesse período. “Não vi diferença alguma em 2017 com esse patrulhamento nas escolas. Somente depois dos atentados e das ameaças a prefeitura colocou guardas municipais para fazerem rondas escolares”, afirma.
Em nota, a atual assessoria da prefeitura afirmou que algumas medidas foram tomadas diante dos ataques recentes, como o reforço do videomonitoramento nas unidades de ensino, instalação de câmeras nas escolas e a realização da ronda escolar com apoio da Guarda Municipal.
Cláudia Santiago conta que após as ameaças e atentados, a prefeitura aumentou as rondas escolares realizadas pela guarda municipal, porém, ela diz que o número e a frequência não são suficientes. “A guarda municipal foi na escola de minha filha somente uma vez e na escola do meu filho não foi nenhuma. Para mim, as rondas não funcionam bem. Tinha que ter um guarda municipal durante as aulas”. Ela ressalta que é dever da família colocar as crianças na escola porque “o futuro delas é a educação”, mas que a insegurança e a incerteza assustam.
Outras medidas preventivas
Para Katia Dantas, especialista e consultora em implementação de práticas em proteção infantil e ambientes escolares, as rondas escolares são ágeis e importantes para ações emergenciais, caso, por exemplo, aconteça algum incidente, mas a medida não é eficaz por si só.
“É preciso trabalhar com a resolução de conflitos dentro das escolas, criando sistemas que permitam que pequenos delitos e transgressões de conduta sejam resolvidos baseando-se na justiça restaurativa, nos sistemas de convivência, em reforços positivos e não necessariamente na exclusão e suspensão imediata”, afirma.
Ela ressalta que a presença constante de policiais e guardas no ambiente escolar pode criar ciclos negativos e não positivos. “Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que as medidas coercitivas, como exclusão, expulsão e entrada de policiais nas escolas, não apenas não resolvem, como também tendem a aumentar o contato dos jovens, dentro da escola, com o sistema policial. Isso gera mais revitimização, mais problemas e exclusão”, completa.
“É importante que existam mecanismos de gestão, com equipes treinadas para entender como agir e como aplicar determinadas ações. Assim como um sistema gestor, dentro da escola, que permita o registro de casos e incidentes, para acompanhamento mais adequado e que permita identificar o que está sendo necessário para um treinamento mais aprofundado”, destaca.
A especialista ainda reforça a necessidade de levar em consideração a subjetividade de cada criança e/ou adolescente, pois o contexto que ele está inserido influencia diretamente em suas ações.
“É muito difícil ter uma criança agindo agressivamente sem ter uma causa original, seja ela um abuso, uma negligência parental, emocional ou uma deficiência de aprendizagem. É importante que se faça cada vez mais esforços para aumentar a proteção das crianças, através de treinamento de prevenção de abuso, de identificação de sistemas de resposta e treinamentos de toda a equipe da escola”. Ela completa afirmando que as ações de proteção e aprendizado devem ser contínuas e, para que isso ocorra, é primordial que a escola e a família caminhem juntos.
Referência
IVO, Anete; SOARES, Antônio. Violência Escolar, Juventude e Segurança Pública.Sociologias Econômica e das Finanças, vol.1, n.2, p. 111-133. 2018. Disponível em:https://www3.ufrb.edu.br/ojs/index.php/novosolharessociais/article/view/562/291.Acesso em: 30 maio. 2023.
*Revisado por Beatriz Nascimento, Manuela santos e Sofia Nachef
** Esta reportagem foi produzida com o apoio da Open Knowledge Brasil (OKBR), no âmbito do programa Querido Diário nas Universidades, e contou com o uso do Querido Diário, ferramenta de inovação cívica criada para abrir e integrar os diários oficiais. A iniciativa tem por objetivo aproximar o projeto Querido Diário às atividades de instituições de ensino e pesquisa brasileiras, potencializando seu desenvolvimento e impactos.