Pioneiro no Brasil, livro retrata os modos de falar de 50 localidades do interior da Bahia. Nova publicação está disponível em DVD
Emile Conceição*
Meio século se passou desde o lançamento da primeira edição do Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB), mas a grandeza de conhecimento e cultura ali reunidos, juntamente com a engenhosidade empregada na produção da obra, continua a deixar a comunidade científica admirada. Isso foi comprovado no dia 12 de novembro durante a festa de comemoração dos 50 anos do APFB.
O evento reuniu, no Auditório do Pavilhão de Aulas da Federação III (PAF III), autoridades da Universidade Federal da Bahia (Ufba), como a reitora Dora Leal Rosa, o Pró-Reitor de Ensino de Graduação, Ricardo Miranda Filho, a diretora do Instituto de Letras, Risonete Batista, a diretora do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), Suzana Cardoso, e a coordenadora do ALiB na Bahia, Jacyra Mota.
Também participaram da comemoração Carlota Ferreira e Dinah Callou, que colaboraram na organização da primeira edição do Atlas e foram alunas do professor homenageado Nelson Rossi, idealizador do APFB na década de 1960.
A tarde foi lotada de homenagens ao Atlas, aos seus idealizadores e organizadores, incluindo a exposição “Quadros da História do Atlas Prévio dos Falares Baianos”, constituída de 17 painéis que remontam a trajetória da confecção do livro.
Depois das considerações dos presentes, a respeito da elaboração do Atlas, da sua importância e comentários a respeito de Nelson Rossi e colaboradores já falecidos, foi a vez do lançamento da segunda edição do Atlas. A professora Silvana Ribeiro, uma das colaboradoras na organização do evento, foi quem fez as honras.
Durante a apresentação de um vídeo que resumia o conteúdo da primeira edição do APFB, Ribeiro mostrou as novidades existentes na nova publicação. “Nessa edição será incluído o prefácio escrito por Agostinho da Silva, o volume de introdução, o questionário aplicado nas localidades visitadas e os relatórios das viagens. Além disso, constam também fotografias, que ilustram a cronologia do processo de feitura do Atlas, expostas durante o evento”, disse.
Além das novidades já mencionadas Silvana anunciou uma grande notícia. “Em vez de impressa, a segunda edição será em formato digital, mais precisamente, distribuída em mídias de DVD”, disse.
Na ocasião, a título de curiosidade, a coordenadora do ALiB na Bahia, Suzana Cardoso, explicou que o prefácio não foi incluído na primeira edição por questões políticas. Segundo ela, o volume de introdução da obra pioneira foi publicado separadamente por que demandava mais tempo para sua confecção do se tinha até o lançamento do Atlas. Por isso sua publicação se deu dois anos após a do APFB, em 1965, quando Nelson Rossi pôde termina-lo.
O que é o APFB?
O Atlas Prévio dos Falares Baianos é um livro que reúne as expressões linguísticas utilizadas pela população de 50 localidades do interior da Bahia, resultado de pesquisa realizada por pesquisadores do Instituto de Letras da Ufba, no início dos anos 1960. A obra foi produzida sob a supervisão de Nelson Rossi, professor, pesquisador, precursor dos estudos de dialetologia e sociolinguística na Bahia e fundador do Laboratório de Fonética Experimental da Ufba.
Rossi foi o chefe da equipe constituída por oito de suas alunas, recém-formadas e que já possuíam experiência de trabalho de campo em área rural. São elas: Dinah Maria Isensee, Carlota Ferreira, Josefina Barletta, Judith Freitas, Ana Maria Garcia, Cyva Leite, Edelweiss Nunes e Tânia Pedrosa.
Para a elaboração do APFB, foram precisos três anos de estudos, tendo seu lançamento no ano de 1963. O financiamento ocorreu na gestão do reitor Edgard Santos, a quem o Atlas é dedicado.
A professora Carlota falou uma frase que resume o projeto APFB. “O trabalho parecia inesgotável, não havia hora, nem dia, nem sábado, nem domingo e nem feriado. Por vezes, chegava ao cansaço, mas nunca ao desânimo”, relata. “Havia o maior empenho em fazer o que se podia, o gosto no aprender e no descobrir”, completa.
Pioneirismo
Foi com espírito guerreiro, e imbuídos da certeza de que eram pioneiros num campo de estudos inéditos no Brasil, a geolinguística, que os pesquisadores do APFB percorreram os caminhos da Bahia de forma inusitada. Viagens de barco, carro de boi, avião “teco-teco”, longas caminhadas e acampamentos foram alguns dos exemplos de obstáculos enfrentados pela equipe durante os anos de pesquisa em campo. Tudo isso em prol do objetivo de criar o primeiro atlas linguístico brasileiro.
Para Dinah Callou, é difícil acreditar que um projeto criado, inicialmente, como algo provisório (por isso, Prévio) tenha ganhado uma força e um significado tão grandes dentro do campo científico. “O Atlas introduz a pesquisa linguística na Ufba, sendo esta a primeira universidade do País a oferecer a dialetologia como disciplina nos cursos de pós-graduação”, disse Dinah Callou.
A participação feminina na construção dessa obra também é levada em consideração. Segundo Suzana Cardoso, quando se deram os primeiros passos para a geolinguística no Brasil, Antenor Nascentes, dialetólogo e um dos fundadores da Academia Brasileira de Filologia, chamava a atenção para o fato de que o trabalho de campo era tarefa árdua e não apropriada para mulheres que, àquela época, se constituíam nas mais interessadas pela dialetologia. No momento de realização do APFB, a realidade mostrou que “como bem se sabe, ao fim, foram oito mulheres e um homem (Nelson Rossi), que terminaram por compor o grupo de trabalho”, acrescentou.
Os pesquisadores, ou melhor, as pesquisadoras, passaram por um longo treinamento com muita leitura, indo de livros sobre a geografia baiana até o aprendizado de outros idiomas. Como disse Carlota, “queríamos estar preparados para tudo”.
Outra parte importante da preparação foi a da escrita. Como na época não havia aparelhos de gravação de áudio, tão comuns nos dias atuais, os inquiridores precisavam escrever rápido a fim de captar tudo o que era dito pelos entrevistados. “A transcrição era feita após a fala, pois nós não tínhamos o auxílio de aparelhos eletrônicos”, lembra Carlota.
O questionário utilizado nas visitas às localidades selecionadas foi outro capítulo bastante trabalhoso da produção do Atlas. De início, foram elaboradas mais de três mil perguntas, sendo selecionadas 182 para compor o questionário definitivo.
Além disso, houve critérios na escolha tanto dos locais de pesquisa quanto das pessoas que seriam entrevistadas. “Escolhemos as localidades pela sua antiguidade e isolamento e, além disso, era importante que houvesse uma distância considerável entre elas”, afirma Carlota. De acordo com a professora, a partir dessas delimitações foi possível fazer a cobertura das 16 zonas fisiográficas baianas.
“Os requisitos primordiais para a escolha dos entrevistados eram que eles fossem analfabetos, ou semianalfabetos, e naturais do lugar selecionado”, explicou. Havia ainda condições que asseguravam a vivência dessas pessoas na região. “Era preciso ter entre 40 e 60 anos, ter pais e cônjuges também oriundos do local e ter viajado pouco”, disse.
Terminadas as entrevistas, era o momento da junção de todo o material coletado para análise e montagem do APFB. “Só de pensar nessa parte já me sinto cansada”, desabafou Carlota. A obra finalizada foi lançada em 1963, nas cidades de Salvador e Brasília.
Para as pessoas que desejarem conhecer o Atlas Prévio dos Falares Baianos, há uma cópia dele no Centro de Estudos Baianos da Biblioteca Central Reitor Macêdo Costa da Ufba, situada no Campus de Ondina. Mas, por se tratar de uma obra rara, a consulta somente é permitida no local.
O projeto ALIB
O Projeto Atlas Linguístico do Brasil (Projeto ALiB) tem por meta a realização de um atlas geral da língua portuguesa falada no Brasil. Mais uma vez a Ufba assume atitude pioneira ao empreender a concretização dessa proposta que se realiza como projeto conjunto que envolve hoje catorze universidades.
A ideia da elaboração de um atlas linguístico brasileiro nasceu em 1952, quando se estabeleceu, através do decreto 30.643, de 20 de março, como principal finalidade da Comissão de Filologia da Casa de Rui Barbosa a “elaboração do atlas linguístico do Brasil”. As dificuldades de variada ordem levaram os dialetólogos brasileiros a iniciarem o trabalho de mapeamento linguístico do Brasil pela realização de atlas regionais.
A proposta do ALiB foi retomada por ocasião do Seminário Nacional Caminhos e Perspectivas para a Geolingüística no Brasil, realizado em Salvador, na Ufba, em novembro de 1996, com a participação de dialetólogos brasileiros e do diretor do ALiR (Atlas Linguistique Roman), Michel Contini. Nessa ocasião, foi criado um Comitê Nacional, integrado pelos autores dos cinco atlas linguísticos regionais publicados e por um representante dos atlas em andamento.
O ALiB será lançado em volumes, mas “devido à grandeza do empreendimento, ainda não temos noção da quantidade total de volumes que serão lançados”, explica Suzana Cardoso. Apesar de não haver uma data definida, a professora disse que até o final do primeiro semestre de 2014 serão lançados os três primeiros volumes.
* Estudante de jornalismo da Ufba e estagiária da Agência de Notícias Ciência e Cultura da Ufba