Ciclo de Nós agita o projeto de extensão Ato de Quatro da Escola de Teatro da UFBA nas segundas de outubro. A atividade está ameaçada de término, o que mobilizou o público feminino no intuito de fortalecer a Cultura e a extensão dentro da universidade
POR MAYSA POLCRI*
maypolcri@hotmail.com
Segunda-feira, Às 19 horas, na sala 104 do Pavilhão de Aulas da Federação (PAF V), no campus da Universidade federal da Bahia (UFBA), em Ondina, 9 mulheres, vestidas de branco atuam. A plateia está lotada, a porta aberta e o ar condicionado desligado. A cena Ciclo de Nós, dirigida, produzida e encenada exclusivamente por mulheres movimenta o projeto de extensão da Escola de Teatro da UFBA, Ato de Quatro, durante o mês de outubro. O feito surpreende uma vez que ocorrem boatos acerca do fim do Ato.
Ciclo de Nós aborda temas relacionados a vida das mulheres da infância à fase adulta: menstruação, primeiro beijo, descoberta da sexualidade, homossexualidade e casamento. As atrizes, do 2° semestre, têm entre 18 e 22 anos e promovem uma reflexão sobre o que é ser mulher em uma sociedade que impõe muitos padrões. A ideia de criar uma cena unicamente com mulheres veio da estudante de interpretação teatral, Stefanny Mascarenhas, 21 anos. “Eu fui assistir o Ato de Quatro e a plateia era composta apenas por homens e as cenas também”, conta a atriz que sugeriu a criação da cena para as colegas de curso.
Lidiane Souza é estudante de direção teatral e uma das duas diretoras de Ciclo de Nós, conta que o projeto é resultado de uma troca verdadeira de experiências entre mulheres. “Estar em um trabalho só com mulheres nos fortalece, é uma forma de reafirmamos que podemos estar onde quisermos”, afirma a estudante do 2° semestre, que também pontua as complicações de ocupar um espaço comumente atribuído aos homens: “é necessário que as diretoras também façam a função de produtoras devido às dificuldades de conseguir um trabalho”, reporta.
A diretora comenta que o projeto Ato de Quatro é organizado por homens e que eles não compreendem o motivo de poucas mulheres acostumarem participar e assistir as cenas. “Eles não vão entender o porquê de não irmos lá e que às 19 horas é muito tarde para nós, mulheres, irmos para a UFBA e voltarmos tarde para casa”, afirma a Lidiane sobre a falta de segurança.
Quanto a plateia cheia, ela diz que é normal que o público seja formado mais por mulheres, devido à temática da cena, mas que esse não é o objetivo. A estudante de jornalismo, Inara Souza, assistiu a cena e se identificou com as situações trazidas pelas atrizes e diretoras. “Eu gostei muito da maneira que elas abordaram, de forma fácil, trazendo o cotidiano das mulheres”, conta.
O PROJETO – O Ato de Quatro completará 23 anos em novembro deste ano e é gerido pelos alunos da Escola de Teatro da UFBA. O projeto é o único espaço onde os estudantes podem experimentar livremente e ter um retorno do público. A ideia inicial era que em todas as segundas-feiras do mês quatro cenas fossem apresentadas, em outubro, apenas Ciclo de Nós e Esquizofrenia Contemporânea entraram em cartaz, o que fortaleceu os boatos de que o Ato está com os dias contados.
O licenciando em teatro, Sidnaldo Lopes, 26 anos, coordena o projeto de extensão. Para ele, 9 mulheres em cena faz com que o público cresça já que cada uma convida pessoas para assistirem. Em geral, ele afirma que tanto o público como os atores não estão mais tão interessados no programa de extensão. “Depois que fomos remanejados a plateia ficou mais fraca e quantidade de cenas inscritas também diminuiu”, comenta sobre a dispersão do público.
A mudança a qual ele se refere foi realizada em 2017 quando os estudantes de Teatro foram retirados do prédio que a escola ocupava sob a promessa, até hoje não cumprida, de que um novo prédio seria construído em 1 ano e meio. Para os estudantes não ficarem apenas com o Teatro Martim Gonçalves, no bairro do Canela, para apresentarem as mostras, a sala 104 do PAF V passou a ser utilizada para as apresentações do Ato de Quatro.
Devido à pouca procura, surgem dúvidas de que não é interessante para a escola manter o projeto já que ele ocupa a sala do PAF por um longo período. “São questionamentos que surgem em reuniões de departamentos em fim de semestre onde acontece a distribuição de onde serão ministradas as disciplinas”, afirma o coordenador Sidnaldo sobre o projeto que não conta com nenhum financiamento institucional.
De acordo com Sthefanny, idealizadora de Ciclo de Nós, a falta de público pode ser explicada por um fenômeno maior. “Estamos nos despolitizando, as pessoas vão se ocupando e deixando coisas que julgam menos importantes para trás”, afirma a atriz sobre o desinteresse geral da população na arte.
*Estudante do curso de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura