Apesar da conquista, a baixa quantidade de mulheres nas áreas de TI ainda é uma realidade
POR REBECA ALMEIDA*
rasrebeca@gmail.com
No final do ano passado, um grupo de garotas baianas chegou à final da etapa nacional do Technovation Challenge. A competição mundial, que acontece online, desafia meninas de Ensino Fundamental e Médio a criar, desenvolver e lançar um aplicativo móvel que resolva problemas de suas comunidades. O time finalista baiano desenvolveu o aplicativo Rede Saúde, que tem o objetivo de facilitar a vida do cidadão de Salvador, reunindo postos de saúde com suas informações básicas como endereço, telefone e especialidades que são atendidas no local.
Na competição havia apenas dois times de Salvador e ambos eram parte do grupo OxenTI Menina. Este grupo é formado apenas por mulheres e busca ensinar programação e empreendedorismo para garotas das periferias de Salvador, além de incentivá-las a participar de competições como o Technovation. Uma das fundadoras do OxenTI, Brenda Costa, estudante de Sistemas de Informação, diz que participa do grupo porque “hoje em dia as pessoas consomem muita tecnologia, mas nunca paramos para pensar: por que tem pouquíssimas mulheres produzindo tecnologia?”.
O OxenTI é parceiro do grupo Meninas da TI, atividade de extensão da faculdade onde Brenda estuda. A professora Ângela Reis, coordenadora dos cursos de TI instituição e fundadora do grupo Meninas na TI, explica que esse tipo de iniciativa é importante para desmistificar tabus de gênero sobre a baixa afinidade das mulheres com as ciências exatas.
As mulheres têm mais dificuldades para se inserir na área, entre outras razões, porque quando jovens elas não recebem o mesmo incentivo que os meninos. “Faltam referências femininas. Em qualquer área é difícil que uma mulher tenha visibilidade, mas na área de exatas sempre é mais complicado”, reflete Reis. Além disso, aquelas que buscam se inserir, enfrentam ambientes majoritariamente masculinos.
Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2013, mulheres representam apenas 15% dos estudantes das áreas de Tecnologia da Informação (TI). Além disso, a presença feminina é muito baixa também no mercado de trabalho. No Brasil, as funcionárias representam 20% entre 580 mil pessoas que atuam no setor, segundo dados da PNAD, 2013.
No entanto, quando jovens, o interesse por programação não parece divergir muito entre os sexos: “Para cada quatro meninos querendo entrar no OxenTI, vinham três garotas. Eles não viam que era um grupo voltado para mulheres e perguntavam se podiam entrar”, conta Clara Matos, co-fundadora da OxenTI. Logo no começo, o grupo chegou a contar com trinta garotas, mas ao longo do ano elas foram saindo. “Geralmente por causa da distância entre os bairros em que elas moram e o lugar onde a gente se encontra”, explica Clara.
A primeira atuação do OxenTI foi participar do Technovation, no ano passado. O grupo chegou à final nacional: “Mas nenhuma equipe brasileira se classificou para a etapa internacional”, conta Brenda. Este ano o grupo se prepara para mais uma edição da competição.
O incentivo deve vir desde cedo – Mariana Barreiros, estudante do 4º semestre do curso de Análise de Desenvolvimento de Sistemas da UFBA, acredita que se tivesse tido contato com a área mais cedo sua vida acadêmica seria mais fácil. “Em muitos países, iniciativas como essa já são comuns. As crianças vivenciam essa experiência ainda na escola primária. Se eu tivesse tido essa oportunidade, é bem provável que hoje eu já tivesse terminado o curso ou tivesse um desempenho melhor na faculdade”, conta.
Edely Gomes também acredita que se tivesse tido contato com linguagens de programação quando jovem teria encarado a escolha de um curso de outra forma. Ela é formada em Jornalismo, mas resolveu voltar para a graduação e está no quarto semestre de Sistemas de Informação (S.I.) na UFBA. Atualmente, trabalha desenvolvendo websites de forma freelancer.
Mulheres que estudam áreas da Tecnologia da Informação – Estudos mostram que as mulheres até chegam a ingressar na faculdade ou no mercado de trabalho, mas, depois de um tempo, desistem. No Brasil, por exemplo, dados da PNAD de 2013 mostram que 79% das mulheres que entram nas faculdades da área abandonam o curso no primeiro ano. E o próprio ambiente acadêmico pode incentivar esse êxodo.
Marina Sales, estudante do 2º semestre de Sistemas de Informação (SI) na UNEB, ressalta o problema da diferença entre homens e mulheres no seu curso: “Na minha sala só tem seis meninas e por conta dos privilégios já dados aos homens é complicado você disputar 6 vs 40”. Ela explica que às vezes é difícil ter uma opinião divergente do resto da turma.
Tássio Noronha, estudante do 6º semestre de SI na UFBA, acredita que a proporção de mulheres no seu curso gire em torno de 15%. “Não é fácil para uma jovem com 16 ou 17 anos dizer que vai estudar computação. Não há referências, não se conhecem muitas mulheres na área, os pais acham que não é coisa para mulher”.
Dessa forma, “ser durona” é uma característica muito apontada por garotas que estudam ou trabalham na área de TI para conseguirem se manter na área. “Se você prestar atenção, a maioria das mulheres de computação tem personalidade forte porque tiveram que encarar alguma dificuldade para chegar onde chegou”, afirma Camila Laranjeira, mestranda na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Sobre a faculdade, só posso reforçar o que outras meninas já disseram: professor perguntando se foi meu namorado que fez o trabalho porque estava muito bom.”
O professor Ártus Bolzanni, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano – IFBaiano, no campus de Senhor do Bonfim, ressalta que nas turmas em que leciona a quantidade de mulheres não é tão baixa. Ele tem doze alunas em uma turma de 39 estudantes. “Claro que há o fato de que é um curso de licenciatura em Computação e também o fato de ser no interior da Bahia, onde as opções de curso são menores e as mulheres acabam fazendo o curso de Computação como oportunidade de obterem um diploma de graduação”.
Suporte e Desenvolvimento de Software - Além das dificuldades na graduação, as mulheres, depois de formadas, ainda têm de enfrentar diferenças no mercado de trabalho. Para Renan Barcellos, programador, na empresa onde trabalha há mulheres, mas existe uma diferença interna. “Não sei se é só onde trabalho, mas não vejo nenhuma mulher no setor de Desenvolvimento de Software. No entanto, o setor de Suporte e Teste é totalmente composto por elas”.
Ayran Costa, programadora, conta que a empresa onde trabalhava abriu uma filial em Salvador e transferiu alguns funcionários para a nova. Nessa transição, ela foi transferida para uma área mais documental. “Eu era a única garota entre os transferidos e a única pessoa que eles tentaram colocar em uma área diferente da que atuava inicialmente”, conta.
Na cultura empresarial, as mulheres estão sendo mandadas para áreas mais distantes de TI. Devemos “pensar ações de empoderamento feminino nas comunidades, nas escolas, divulgação do trabalho da mulher”, ressalta a professora Reis. Além disso, é preciso reconhecer o trabalho das mulheres que já atuam na área e buscar diminuir o sexismo que acaba as desestimulando.
Matéria publicada originalmente no Jornal da Facom
*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura