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Atualizado em 16 DE abril DE 2013 ás 18:47

Água, desperdício, escassez

Como testemunha e integrante do protagonismo socioambiental em defesa da vida, Liliana Peixinho fala do período em que acompanhou a mobilização popular a favor da revitalização do Rio São Francisco, em Cabrobó, Pernambuco.

LILIANA PEIXINHO*
lilianapeixinho@gmail.com

Informações da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que atualmente cerca de 80 países enfrentam problemas de abastecimento de água, com mais de um bilhão de pessoas sem acesso ao recurso. Somente 3% da água da Terra é própria para o consumo. Somos 7 bilhões de pessoas e a água não está sendo bem distribuída – muito menos cuidada, preservada, usada com inteligência. Já estamos vivendo em uma crise. Para encarar de perto esse problema, os investimentos exigirão muito volume, com uso racional e honesto, entre produção, tratamento e distribuição.

A população precisará de consciência para evitar desperdícios, poluição, e entender ciclos completos entre captação,controle e distribuição, através de novas e antigas formas de armazenamento, doméstico ou industrial. No Brasil, o desperdício é alto. Estudos mostram que o brasileiro gasta cerca de cinco vezes mais água do que o necessário. Nosso consumo é cerca de 200 litros por dia por pessoa, sendo que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda gastos de 40 litros ao dia,  por pessoa.

Combate ao desperdício


A água de reuso pode ser utilizada para muitas funções: Irrigação paisagística, combate ao fogo, descarga de vasos sanitários, lavagem de veículos, lavagem de ruas, uso industrial na refrigeração e alimentação de caldeiras. No nosso dia-a-dia, podemos ajudar na economia de água, fechando a torneira ao escovar os dentes, reduzindo o tempo de banho. Na Bahia, o Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente – desenvolve, desde 1999, a campanha ‘Desperdício Zero”, que teve reconhecimento internacional da Togheter TV, através de um filme realizado por uma equipe de jornalista de Londres, que viajou até Salvador para entrevistar a fundadora do movimento AMA.  Veja o vídeo.

Outros países, como o Japão e o México, já mudaram sua postura, adotaram programas de conscientização e medidas específicas para diminuir o desperdício de água. O Japão reutiliza cerca de 80% de todo recurso destinado à indústria. Nos condomínios, hotéis e hospitais a água que vem dos chuveiros e banheiras segue por uma tubulação até chegar a um pequeno reservatório e assim reabastecer os vasos sanitários. Em outros países como o Brasil, a cultura do reaproveitamento da água ainda é pouco utilizada, apesar dos apelos e campanhas. No Japão, toda água usada nos lava rápidos também é reaproveitada, seguindo para um reservatório onde é feita a filtração.

Custo alto no tratamento


No Brasil o maior custo da água está no seu tratamento – observe os dados em sua conta e veja os valores. A água bruta, in natura, de rios, fontes e lagos, na maioria dos países já existe consenso sobre a cobrança. Há anos a França implantou essa política, cobrando a água bruta usada em irrigação, uso doméstico e industrial e, assim, tem minimizado seus problemas. O Japão cobra caro por toda a água tirada de seus reservatórios, tornando o reaproveitamento quase uma obrigação. Vale lembrar que na maioria dos países, inclusive no Brasil, paga-se pelo serviço de fornecimento da água, não pela água em si.

Leitos secos de rios evidenciam a intermitência das águas do semiárido e a chamam a atenção para a melhor distribuição do recurso. Foto: Liliana Peixinho.

Leitos secos de rios evidenciam a intermitência das águas do semiárido e a chamam a atenção para a melhor distribuição e uso racional do recurso. Foto: Liliana Peixinho.

Dossiê  Velho Chico


Em Fevereiro de 2001 entreguei, pessoalmente, na Unesco de Paris, um dossiê sobre o Rio São Francisco, com uma série de documentos, estudos, fotos e matérias publicadas na imprensa, mostrando a degradação do Velho Chico e o clamor dos ribeirinhos para os cuidados que o recurso água requer e ainda não tem. O então embaixador do Brasil na Unesco de Paris, José Israel Vargas, me recebeu em seu gabinete, agradeceu o documento e brincou ao dizer: “Em  breve a água estará mais cara que a cerveja”. Não era um prenúncio, mas sim, a avaliação de um especialista conhecedor dos problemas da água no planeta.

Meses depois, já no Brasil, recebi uma carta da Unesco informando que o dossiê fora considerado por aquela instituição internacional como “documento relevante para os estudos sobre água no planeta”.  Depois que li o documento, pensei, valeu a pena ter gasto o que não tinha para ir a Paris entregar o dossiê. Assim como ter ido à Alemanha fazer palestra sobre água em coletivos de estudiosos em Colonia, Berlim e Marburg, onde, através de amigos brasileiros, pude fazer contatos e mostrar determinação como ativista na área ambiental.

Movimento Livre


Logo que voltei da Alemanha, berço inicial sobre as discussões sobre meio ambiente, criei na Bahia, o Movimento Livre AMA- Amigos do Meio Ambiente, que desde esse época (2001), até hoje, 12 anos depois, atua de forma voluntária, independente, sem cara jurídica, e por isso sem receber um centavo de pessoa ou instituição nas campanhas sobre Desperdício Zero em água, alimentos, papel e energia.

Revitalização x transposição

Mobilização popular a favor da revitalização do Rio São Francisco. Foto: Liliana Peixinho.

A jornalista Liliana Peixinho fez plantão de 21 dias na Fazenda São Sebastião, Cabrobó, (PE) com mobilização pró Revitalização do rio São Francisco. Escreveu, fotografou, atendeu a imprensa, leu as notícias dos jornais diários para o bispo em greve de fome, foi guardiã do rio, cozinhou, varreu, coletou resíduos. Meses depois voltou à comunidade durante a festa do padroeiro, para expor, na Capela da fazenda, as fotos em painel, que ficou na comunidade de forma permanente. Foto: Movimento AMA


Como testemunha e integrante do protagonismo socioambiental em defesa da vida, defendendo o recurso água, acompanhei, durante 17 dias, o trabalho de mobilização popular a favor da revitalização do Rio São Francisco, em Cabrobó, Pernambuco. Tanto durante a greve de fome do bispo Dom Cappio, quanto depois do “fechamento das cortinas midiáticas”, quando todos foram embora e quem ficou teve a sensação do fim do espetáculo. Mais do que produzir, gerar e acompanhar informações, como jornalista e ambientalista, sem estrutura, exigiu um ativismo de plantão, como um voluntariado seco, quase passando fome e sede, e dormindo com os ratos, literalmente, na casa da anfitriã, dona Isaura, na Fazenda São Sebastião.

Pessoas de todo o Brasil se reuniram em Pernambuco mobilização popular a favor da revitalização. Foto: Liliana Peixinho.

Pessoas de todo o Brasil se reuniram em Pernambuco na mobilização popular a favor da revitalização. Foto: Liliana Peixinho.

Esforços em vão porque o então ministro que terminou a greve, hoje no seu segundo mandato como governador da Bahia, Jaques Wagner, prometeu fazer a revitalização do Velho Chico. Quando lhe perguntei, lá em Cabrobó, se o bispo ia poder tomar uma água de coco e ele respondeu: “Vamos ver”. E foi para dentro da capela, à portas fechadas, longe da imprensa, conversar e convencer o bispo a terminar a greve de fome em nome da promessa de fazer revitalização, tão reclamada pelos povos ribeirinhos.

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* Liliana Peixinho é jornalista, especialista em  Jornalismo Científico e Tecnológico, com atuação em Mídia, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ativista socioambiental, fundadora dos Movimentos Amigos do Meio Ambiente (AMA) e Rede de Articulação e Mobilização Ambiental (RAMA).

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