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Atualizado em 4 DE maio DE 2013 ás 18:39

Cientificismo e ficção de Nina Rodrigues

Nina Rodrigues é considerado o fundador da antropologia criminal brasileira e pioneiro nos estudos sobre a cultura negra no país. Iniciou seus estudos de medicina na Bahia, mas concluiu no Rio de Janeiro, RJ (1888).

POR CLÁUDIO ANTÔNIO DE FREITAS BANDEIRA*

Nina Rodrigues nasceu em Vargem Grande, MA e é hoje considerado o fundador da antropologia criminal brasileira e pioneiro nos estudos sobre a cultura negra no país. Iniciou seus estudos de medicina na Bahia, mas concluiu no Rio de Janeiro, RJ (1888). Voltou à Bahia para assumir a cátedra na Faculdade de Medicina em 1891, quando promoveu a nacionalização da medicina legal brasileira, até então fiel seguidora dos padrões europeus.

Desenvolveu profundas pesquisas sobre origens étnicas da população e a influência das condições sociais e psicológicas sobre a conduta do indivíduo. Com os resultados de seus estudos propôs uma reformulação no conceito de responsabilidade penal, sugeriu a reforma dos exames médico-legais e foi pioneiro da assistência médico-legal a doentes mentais, além de defender a aplicação da perícia psiquiátrica não apenas nos manicômios, mas também nos tribunais.

Analisou pioneiramente os problemas do negro no Brasil. Morreu em Paris, França. Entre seus livros destacaram-se As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (1894), O animismo fetichista dos negros da Bahia (1900) e Os africanos no Brasil (1932).

O Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues (IMLNR), o mais antigo dos quatro órgãos do Departamento de Polícia Técnica da Bahia, foi criado (1906) pelo professor Oscar Freire e intitulado Nina Rodrigues pela Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, em homenagem ao famoso professor catedrático de Medicina-Legal, falecido naquele mesmo ano, aos 44 anos de idade.

Raimundo Nina Rodrigues (1862- 1906) foi o primeiro estudioso brasileiro da virada do século XIX para o XX a colocar o negro brasileiro enquanto um problema social, como uma questão de importância para a compreensão da formação racial da população brasileira; ainda que pese a perspectiva racista, nacionalista e cientificista em que constrói a prática discursiva.   A síntese disto está no livro “Os Africanos no Brasil” (1890-1905).

Nina Rodrigues

Segundo estudiosos, sua obra, vista no conjunto, afigura-se como um clássico da literatura afro-brasileira. Trata-se de uma vasta e rica coletânea de informações e dados a respeito do universo cultural das comunidades negras no Brasil. Esforço etnográfico que nenhuma outra obra antes dela realizara. A obra também é avaliada como um imenso esforço intelectual de mais de uma década (1890-1905), no intuito de reunir registros e evidências (escritas e orais), no dizer do próprio autor, dos “últimos africanos no Brasil”. O que faz dela um ponto de referência bibliográfico obrigatório para todos os estudiosos da problemática do negro na sociedade brasileira.

Contudo a análise crítica literária e historiográfica do discurso racista de Nina Rodrigues em “Os Africanos no Brasil” mapeia as condições de sua existência, para entendê-lo. O contexto histórico, cultural, literário e institucional contribui, em grande parte, para a formação do pensamento do escritor e estudioso, segundo pesquisadores de sua obra.  Ele é que permite entender a mentalidade racista, nacionalista e cientificista veiculada pela sua obra, afirma o estudo Os Africanos no Brasil: Raça, Cientificismo e Ficção: Nina Rodrigues.

Como médico legista e professor de medicina legal na Universidade da Bahia, no fim do século XIX e início do século XX, dificilmente escaparia de um pensamento deste tipo; pois, encontrava-se atuando – e por ele foi formado – dentro de um ambiente institucional, acadêmico e intelectual recortado, basicamente, pelas teorias e ideias racistas, nacionalistas, evolutivo positivistas, de sabor oitocentista. Darwin, Augusto Comte, Heckel, Cesari Lombroso, Enrico Ferri e R. Garofollo e Alexandre Lacassagne foram seus mestres, para os quais, numa atitude de discípulo, dedicou o volume de “As Raças Humanas e Responsabilidade Penal no Brasil”.

Desta forma, Nina Rodrigues assume e comunica na sua obra, um discurso sobre o negro pautado no paradigma da determinação biológica e cultural da superioridade ariana, na medida em que ele recebe influências dos ideólogos e teóricos do mesmo (NETO, 2008).

A descoberta do Schistosoma mansoni – Em 2008, o país comemorou discretamente o bicentenário da primeira instituição de Ensino Superior do País, a Faculdade de Medicina da Bahia; e o centenário da descoberta do Schistosoma mansoni pelo professor Manuel Augusto Pirajá da Silva (1873 – 1961). Médico e cientista brasileiro nasceu em Camumu, Bahia. Sua descoberta implicou em grande avanço no tratamento das doenças tropicais, como por exemplo, a identificação do verme causador da esquistossomose.

Pirajá da Silva formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia (1896), defendendo uma tese sobre meningite cerebroespiral epidêmica, exerceu a clínica antes de iniciar a carreira de pesquisador e professor como assistente da cátedra de Clínica Médica (1902).  Seus primeiros estudos sobre a esquistossomose tiveram início em 1904. Observou que os ovos do parasita, eliminados por um doente em Salvador quando descobriu e fez completa descrição do Schistosoma mansoni (1908), parasita que provoca no homem a esquistossomose chamada intestinal, explica Tavares-Neto.

Foi em seguida para a Europa (1909), onde estudou microbiologia no Instituto Pasteur de Paris e no Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo, Alemanha. Diplomou-se como médico colonial pela universidade da capital francesa (1911) e frequentou o laboratório de parasitologia (1911-1912) da Faculdade de Medicina de Paris. Estudou ainda doenças tropicais no Tropeninstitut de Hamburgo e publicou um notável trabalho descrevendo a cercária da esquistossomose (1912).

Volta ao Brasil e passa a ocupar o cargo de professor de história natural médica e de Parasitologia, na Faculdade de Medicina da Bahia e o de história natural no Ginásio Baiano (1914), ficando nesta disciplina até a aposentadoria (1935). Foi nomeado, inspetor sanitário rural (1921) e recebeu a medalha Bernhard Nocht, do Instituto Alemão de Doenças Tropicais, de Hamburgo (1954), e dois anos depois a grã-cruz da Ordem do Mérito Médico, que lhe conferiu o presidente Juscelino Kubitschek, por destacados serviços prestados à ciência e à cultura médica do Brasil.

Morreu em Salvador e entre outros feitos científicos realizados por esse cientista ao longo da sua vida, destacaram-se, além da identificação do Schistosoma mansoni ou Schistosoma americanum, realizou outras descobertas, como a concentração da solução de tártaro emético para o tratamento da leishmaniose e do granuloma venéreo, registrou os dois primeiros casos de blastomicose na Bahia e descobriu o Triatoma megista, um dos transmissores da doença de Chagas. Faleceu em Salvador, no ano de1961.

“Analisando a documentação desse período (1905-1908), disponível no Acervo Geral da Fameb (1808-2007), fica patente a obstinação do doutor Pirajá da Silva, à época professor-assistente da 1ª Cadeira de Clínica Médica da Fameb, porque as condições disponíveis à pesquisa e ao ensino prático eram bastante precárias”, afirma o professor Tavares-Neto segundo o qual antes de “antes de Pirajá da Silva, o maior expoente científico foi o professor Raymundo Nina Rodrigues, nas áreas da Medicina Legal e Antropologia, também o introdutor do método científico no ensino médico da Fameb e um dos precursores brasileiros”.

O ex-diretor da Faculdade de Medicina acrescenta que, no tempo de Pirajá da Silva, as condições locais em nada favoreciam a descoberta que realizou. “Não obstante, isso é ainda mais inimaginável se o examinador estiver impregnado dos atuais valores impostos pelo mercado da tecnociência. Mais ainda porque Pirajá da Silva estudava um espécime biológico ainda hoje pouco valorizado, as fezes humanas, e tinha como equipamento mais sofisticado um microscópio do tipo mono ocular; no entanto, era sólida a formação de Pirajá da Silva em Microbiologia e Parasitologia, inclusive considerando os seus relatórios de pesquisa e suas publicações”.

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*Cláudio Antônio de Freitas Bandeira é jornalista especializado em Jornalismo Cientifico e Tecnológico

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