Em busca de melhores condições de pesquisa, ou pelo fato de se sentir pouco prestigiado no estado em que nasceu e manteve intensa atividade intelectual, são mínimas ou inexistentes as referências ao pesquisador.
POR WAGNER FERREIRA E DANILO MORAES*
No ano de 1908, em um modesto laboratório de analises clínicas, instalado no Hospital Santa Izabel, em Salvador, um não menos modesto auxiliar de clínica médica, ao examinar as fezes de pacientes internados no serviço hospitalar daquela unidade de saúde, identificava, com frequência, elementos desconhecidos para a época.
O então anônimo assistente de clínica era o médico baiano Manoel Augusto Pirajá da Silva, que entrou para a história da parasitologia mundial ao defender a tese de que havia uma nova espécie do verme causador do schistosoma mansoni, doença batizada com este nome em 1907, pelo professor inglês Patrick Sambon. A moléstia também é conhecida como esquistossomose, e popularmente chamada de “barriga d’água” ou “doença do caramujo” e acometia principalmente negros e pobres no início do século XX.
Até a década de 1950, todas as homenagens do mundo médico foram feitas ao modesto médico de Camamu, na Bahia, mas a sua memória local não foi eternizada nos anos seguintes, um dos motivos que o fez mudar-se para São Paulo, onde morreu sem ter o seu nome em avenidas, monumentos ou centros de pesquisa em sua terra natal.
Após a sua aposentadoria como professor da Faculdade de Medicina da Bahia (Fameb) em 1935, Pirajá da Silva se transferiu para São Paulo para dirigir a Seção de Botânica do Instituto Butantan. Há rumores de que o pesquisador saiu da Bahia frustrado com a falta de reconhecimento em sua terra natal, outro motivo seria a falta de estrutura para realização de pesquisas.
Mas para o médico Roberto Santos, ex-governador do estado e atual presidente da Academia de Ciências de Bahia, o motivo foi outro. Pelo fato de a primeira faculdade de medicina do Brasil se encontrar na Bahia, os professores da Fameb eram reverenciados devido à tradição proporcionada pela escola e recebiam convites com frequência para atuar em instituições de pesquisa fora do estado, não foi o que aconteceu com o médico baiano: “Ele foi para São Paulo ainda jovem, logo após a sua aposentadoria como professor catedrático da Fameb e do Ginásio da Bahia, e continuou exercendo o seu brilhante trabalho como pesquisador no Instituto Butantan”, conta Santos.
Ausência de homenagens e monumentos – Em busca de melhores condições de pesquisa, ou pelo fato de se sentir pouco prestigiado no estado onde nasceu e manteve intensa atividade intelectual, são mínimas ou inexistentes as referências a Pirajá da Silva. Na cidade, duas escolas levam o nome Pirajá da Silva: uma no bairro da Liberdade e outra em Pernambués.
Os mais de 15 mil livros da coleção do médico encontram-se em São Paulo, na Biblioteca Mário de Andrade; peças de sua família estão no Museu do Ipiranga. Já na sala da congregação Fameb, no Terreiro de Jesus, em Salvador, há um quadro com a fotografia de Pirajá, sem qualquer alusão à sua extensa obra. No Memorial da Medicina Brasileira, na mesma cidade, não há sessão dedicada a Pirajá, o mais importante descobridor brasileiro de um metazoário patogênico. E no Hospital Santa Izabel, que integra a antiga Faculdade de Medicina da Bahia, onde Pirajá passou vários anos pesquisando a esquistossomose, a placa descerrada pelo cinquentenário de sua descoberta simplesmente desapareceu.
Medalha Pirajá da Silva -Em agosto de 2008, integrantes da comunidade científica brasileira e de diversas partes do mundo se reuniram, em Salvador, no 11º Simpósio Internacional sobre Esquistossomose. O evento, que é o mais importante do planeta sobre o assunto, destacou os avanços que os estudos da esquistossomose possibilitaram à saúde pública, além de ressaltar os desafios e as propostas de soluções para uma doença de alta prevalência nos estados do Nordeste, além de apresentar focos isolados em outras regiões do país.
O Simpósio marcou o Centenário da Descoberta do Schistosoma mansoni, por Pirajá da Silva, que tem o seu nome em uma medalha que homenageia personalidades que contribuíram para o desenvolvimento das pesquisas em esquistossomose no Brasil. “Muito do conhecimento básico que temos da imunologia vem do estudo da esquistossomose, que extrapolaram o conhecimento para outras patologias. Realmente a esquistossomose tem motivado os pesquisadores no sentido de encontrar ferramentas de controle, prevenção e tratamento. Hoje só temos duas drogas e precisamos desenvolver novas”, destacou o médico Mitermayer Galvão dos Reis, presidente do simpósio e diretor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também agraciado com a medalha.
*Wagner Ferreira e Danilo Moraes são jornalistas pela Facom-UFBA e especialistas em Jornalismo Científico e Tecnológico pela mesma faculdade.