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Atualizado em 5 DE outubro DE 2023 ás 13:58

Políticas culturais de municípios baianos no pós pandemia

Agência de Notícias analisou a relação entre conselhos de cultura e a execução das leis de incentivo em seis municípios do estado da Bahia

Por: Annandra Lís e Manoela Santos
cienciaecultura.ufba@gmail.com

Enquanto teatros, casas de shows e outros locais de expressões artísticas estavam fechados e festas populares e particulares foram canceladas, adiadas ou suspensas, artistas e agentes culturais se reinventaram e reivindicaram apoio governamental para continuar trabalhando. Segundo a pesquisa de percepção dos impactos da COVID-19 nos setores cultural e criativo do Brasil, realizada pela Unesco, o setor cultural foi o mais afetado pela pandemia. Nesse contexto, foi criada a Lei Aldir Blanc e posteriormente a Lei Paulo Gustavo na tentativa de diminuir os efeitos causados pela pandemia no setor cultural. A reportagem da Agência de Notícias analisou 6 municípios de até 10 mil habitantes para explorar a importância da existência de conselhos de cultura e sua relação com a execução de recursos das leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo.

Segundo pesquisa realizada em 2020 pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mais de 900 mil trabalhadores da cultura foram afetados pela pandemia. A Agência de Notícias também teve acesso ao relatório Impactos da Covid-19 na Economia Criativa, realizada pela OBEC-BA, entre os dias 27 de março e 23 de julho de 2020, que obteve 2.608 respostas, sendo 1.639 de indivíduos e 969 de organizações do setor cultural, a fim de compreender o impacto da pandemia nas atividades já programadas e a capacidade de indivíduos e organizações para traçar uma previsão de impactos futuros. Sobre os impactos da pandemia, a análise mostra que mais de dois terços dos respondentes tiveram entre 76% e 100% de suas atividades canceladas no período de abril a maio. Considerando o cancelamento de mais de 50% das atividades, os percentuais alcançaram 78% em abril e 76% em maio. Sobre os impactos nos indivíduos e organizações, a análise revela que 71,1% dos indivíduos e 67,8% das organizações só teriam recursos para garantir sua subsistência por um período máximo de três meses após a suspensão total de suas fontes de receitas.

Acesso a recursos emergenciais

Nesse contexto de crise, agentes culturais de todo Brasil se organizaram em reuniões nacionais por uma lei de emergência cultural. A partir desta mobilização, foram criadas as leis 14.017/20, popularmente conhecida como Lei Aldir Blanc ou Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, e posteriormente, a Lei Complementar nº 195, de 2022, Lei Paulo Gustavo, pelas quais o Governo Federal distribuiu recursos para os Estados, Municípios e Distrito Federal desenvolverem ações emergenciais destinadas ao setor cultural. Em consulta ao Querido Diário, ferramenta de busca criada com o intuito de facilitar o acesso aos Diários Oficiais das cidades brasileiras, a Agência de Notícias (AGN) selecionou os municípios baianos: Acajutiba, Canudos, Mascote, Prado, Teolândia e Tucano. A partir deles foi feito o acompanhamento do recebimento dos recursos advindos das duas leis e sua relação com a criação de conselhos de cultura.

Para utilização dos recursos da Aldir Blanc em 2021, seria necessário que os municípios programassem os recursos até o dia 31 de outubro, conforme previsto no inciso III do art. 10 do Decreto 10.464/20, com redação dada pelo Decreto nº 10.751/21, adequando os recursos existentes na sua Lei Orçamentária Anual (LOA). Para a melhor distribuição desses recursos, os Conselhos de Políticas Culturais nos municípios são elementos fundamentais, pois através deles é feita a articulação e mobilização dos processos culturais para formulação e implementação das políticas públicas de cultura. Segundo a produtora, gestora cultural e pesquisadora Kátia Costa, os Conselhos de Cultura também são espaços de reivindicação dos direitos culturais para a municipalidade (comunidade artística e cultural e sociedade em geral).

A Agência de Notícias observou que dentre os municípios pesquisados, Acajutiba recebeu 131,5 mil reais da Aldir Blanc, porém não possuía conselho de cultura para se organizar internamente ou, por outro motivo, não programou o uso desse recurso até o prazo final e teve que devolvê-lo para o governo do estado, criando seu conselho de cultura posteriormente, em 2022. A cidade de Teolândia sequer constou na lista de repasses da lei e só criou seu Sistema Municipal de Cultura em setembro de 2021. Canudos, beneficiada com 149,1 mil reais, só criou o seu conselho municipal de cultura em 2023, tornando-se apto para receber os recursos da Lei Paulo Gustavo também. Mascote possuía Conselho de Cultura desde 2013 e recebeu repasse de 123,8 mil reais, Prado também possuía conselho de cultura e executou 223,7 mil reais.

Importância dos Conselhos de Cultura

Para a pesquisadora Kátia Costa, a relação entre os municípios que perderam a verba da Aldir Blanc e a falta de conselhos de cultura revela sobre a organização política do setor. “A ausência de conselhos reflete na falta de uma representação institucionalizada da comunidade artística e cultural junto ao poder público e isso enfraquece a mobilização em torno do processo. Por exemplo, limitando a pressão junto ao gestor do município para promover a adesão à LPG [Lei Paulo Gustavo]”, declara.

“Os conselhos são fundamentais na realização da mobilização, da busca ativa e na mediação entre o poder público e a sociedade com vistas a promover a democratização do acesso à cultura”. Kátia Costa.

Segundo Daniele Canedo, professora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), coordenadora e pesquisadora do Observatório da Economia Criativa da Bahia (OBEC-BA), que também atuou como conselheira municipal de cultura de Salvador, a capital baiana foi um grande exemplo da importância dos conselhos de cultura para as políticas culturais. O conselho de Salvador conseguiu pressionar o poder público para alterar os pré-requisitos para o acesso às verbas, adequando à realidade dos agentes culturais do município. “Tanto como pesquisadora, quanto como conselheira, por ter vivido essa realidade da implementação aqui na cidade de Salvador, eu tenho visto indícios fortes da relevância da participação social e dos conselhos de cultura nesse processo [de execução dos recursos das leis de incentivo à cultura]”. Segundo a pesquisadora, é importante criar formas de incentivar a sociedade civil a ocupar esses espaços. Mas, é preciso tempo para que haja um amadurecimento dessa participação, que já está em andamento.

Apesar da existência dos conselhos municipais de cultura não terem sido obrigatórios para a execução da Lei Aldir Blanc, para a Lei Paulo Gustavo, é necessário minimamente a existência dos eixos principais dos sistemas municipais de cultura. “Quando você tem a implementação da primeira lei efetivada [Aldir Blanc], as pessoas passam a acreditar mais naquilo. Foi a primeira vez que nós tivemos esse Pacto Federativo colocado em prática com uma distribuição de recursos entre os entes e uma divisão de responsabilidades também”, afirma Daniele Canedo. Ela reforça ainda a importância de uma sociedade civil ativa para que não haja desvio dos recursos e que eles atinjam seus objetivos. Segundo a pesquisadora, com a Lei Paulo Gustavo, já é possível ver essa organização de forma mais institucionalizada.

Ainda segundo a pesquisadora Daniele Canedo, com a Política Nacional Aldir Blanc (PNAD), o setor cultural passará por um fortalecimento muito grande da participação social. “A tendência é que com a PNAD, a gente tenha um fortalecimento muito grande dessa participação porque a gente não tá falando mais de uma lei emergencial, de um momento pontual de investimento. A gente tá falando de algo por cinco anos. Então vai fazer uma diferença ter isso a cada ano. Vai haver um processo de ampliação da participação. Mas também de profissionalização do setor, cada vez com pessoas mais capacitadas para gerir projetos, para participar, para fazer a coisa acontecer na política pública”, declara.

A pesquisadora encerra com sua expectativa para os próximos anos com o aumento da participação popular e a constância das leis de incentivo à cultura: “Tenho muita fé que em 10 anos, a gente vai estar no outro patamar de institucionalização e formalização do campo cultural e de reconhecimento do trabalho também dos agentes culturais”.

*Esta reportagem foi produzida com o apoio da Open Knowledge Brasil (OKBR), no âmbito do programa Querido Diário nas Universidades, e contou com o uso do ‘Querido Diário’, ferramenta de inovação cívica criada para abrir e integrar os diários oficiais. A iniciativa tem por objetivo aproximar o projeto Querido Diário às atividades de instituições de ensino e pesquisa brasileiras, potencializando seu desenvolvimento e impactos.
** Apuração: Cinthia Maria e Nathalí Brasileiro.
*** Revisão: Beatriz Nascimento, Cinthia Maria, Nathalí Brasileiro e Sofia Nachef.

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