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Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
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Atualizado em 10 DE abril DE 2013 ás 16:00

Caminhos do Jornalismo ativista

A pesquisadora e ativista socioambiental Liliana Peixinho defende a mídia independente, livre e comprometida com o processo de investigação em campo aberto. No Brasil não existe financiamento público na área, e ela assume, por conta própria, pautas sobre fatos cotidianos, identificados através de demandas surgidas das interações em redes sociais, grupos de estudos e pesquisas. Além de contatos in loco em comunidades e coletivos sociais que participa como colaboradora, voluntária.

LILIANA PEIXINHO*
lilianapeixinho@gmail.com

Os caminhos para a atuação em jornalismo socioambiental ativista podem requerer uma combinação de tecnociência, com pluralismo de métodos, para descobrir alternativas na construção de cadeias de produção de informações contextualizadas, de ponta a ponta. O processo é aberto a investigações empíricas, incluindo estratégias de valor popular para sustentar-se horizontalmente. A crise ética que se observa no jornalismo corporativo, com críticas severas da própria categoria no desempenho da função, aliada ao processo democrático de escoamento de informações em redes virtuais abertas, tem levado jornalistas, decepcionados com o mercado corporativo, para iniciativas próprias, em blogs, sites e grupos de identidade focada em áreas específicas.

O preço pago para trabalhar em pautas sem amarras político-econômicas, tem sido alto e sai de bolsos furados de jornalistas independentes, cujo rigor ético na origem de recursos limpos, gera processos produtivos injustos. Os caminhos da reportagem para essa série especial de matérias sobre seca histórica no sertão, que começa aqui, foram literalmente, espinhosos, poeirentos, arriscados e com sérios danos à saúde da repórter. Já que a pauta, não roteirizada ou pré produzida é aberta, livre, em campo de risco, sem retaguardas, e não interessa ocupar espaços no mercado corporativo, que trabalha com garantias de contrapartidas patrocinadas.

Sertão Adentro, a jornalista socioambiental, Liliana Peixinho, interage com os animais. Foto: Liliana Peixinho.

Em campo aberto, na trilha da seca, Sertão adentro, a jornalista Liliana Peixinho investiga e trabalha, através de interação com a comunidade. Foto: Movimento AMA.

Pagar pra trabalhar

Não tem sido fácil trabalhar sem apoio. Iniciativa que é fruto da teimosia profissional como jornalista, ambientalista, educadora, ativista, em sustentar trabalhos voluntários. O proativismo socioambiental de forma livre, independente tem compromisso com o que é observado, observado, vivido, registrado, captado, em campo. Processo que envolve riscos da própria vida, em perigos inesperados. Assumir, pessoalmente, despesas com hospedagem, alimentação, deslocamento; se colocar em riscos de assalto nas estradas, ter problemas de manutenção de um carro velho, pode não ser sensato, mas tem sido  feito.  Colocar em prática um jornalismo que não tem espaço na mídia corporativa tradicional é desafio que precisa ser aprofundado como pauta profunda, no processo de formação de jornalistas e outros comunicadores nas instituições de ensino. O compromisso, a paixão e a nobreza da informação que possa chegar aos menos favorecidos tenta ocupar espaços em pequenos jornais, de bairro, de comunidades, movimentos sociais, sem o apoio financeiro que possa garantir o processo produtivo em campo investigativo. Espaços não ocupados, também, em assessorias e consultorias empresariais, cuja desconexão entre discurso e prática, impede alianças com perfil ético de não fazer alianças com quem está a combater. Não é nobre cuspir no prato que se come.

Tomando partido, sim

Sacrifícios pessoais que são realizados em nome da produção de informações trabalhadas em conteúdos ligados a desafios cotidianos. Seja para inclusão social, proteção ambiental e garantia de vozes múltiplas, normalmente utilizadas como instrumento de sustentação de poder em publicidade institucional de governo e empresas, fortalecendo imagens positivas junto a comunidades duplamente utilizadas como massa de manobra no processo de constituição do poder. No sentindo contrário, o jornalismo investigativo procura e encontra naturalmente, sem roteiro  prévio, perfis que sinalizam caminhos para a melhoria da qualidade de vida dessas comunidades em harmonia com os recursos naturais. Os instrumentos são limpos, transparentes e tem compromisso com a formação de cadeias produtivas de informações harmoniosas. Os ruídos, no entanto, aparecem e precisamos identificá-los.

Jornalista Liliana Peixinho cuida de crianças com problemas de pele, por causa escassez de água. Foto: Divulgação.

Vendo, in loco, as doenças de pele em crianças, a jornalista Liliana Peixinho leva informações e solidariedade para as comunidades. Foto: Movimento AMA

Perrengues

Peço licença aqui para um desabafo sobre a experiência de quem está desde meados dos anos 1980 fazendo jornalismo e ativismo socioambiental, colaborativo, publicado em mídias especializadas em comunicação e meio ambiente, sem as retaguardas oferecidas pelo jornalismo tradicional – das grandes redações. Os perrengues para fazer essa matéria especial sobre a seca, não foram poucos, sem segurança, pouquíssimo recurso para alimentação e combustível, e nada para manutenção do veículo, um pálio 2004, bastante rodado em estradas ruins e perigosas, Sertão Adentro. A vida esteve por um fio, da mesma forma como estão centenas de pessoas com quem pude conviver.

Liliana Peixinho ensina o pequeno Dudu a ler. Foto: Liliana Peixinho.

Jornalismo ativista educativo com doação de livros arrecadados com amigos. O pequeno Dudu participou das Oficinas de Leitura Itinerante. Foto: Movimento AMA

Reforço do papel

Já escrevi diversos artigos sobre “O papel da mídia na construção da cidadania ambiental”, focados na necessidade de pautas relacionadas com o contexto histórico e real da vida no século 21. Tempo onde a Ciência precisa urgentemente estar, realmente, a serviço da vida, em sua complexa relação com os ambientes fragilizados pelo descaso humano. Mais do que pressa, superficialidade, sensacionalismo e show, precisamos mostrar problemas sobre a manutenção de um sistema onde o capital continua sendo especulativo, predatório e alheio a problemas sérios para a garantia de vida em equilíbrio.

Banalização de conceitos

O povo que encontro na minha frente não tem segurança, saúde, educação, moradia e comida, e emprego decente, para a vida digna, cidadã. Cheira mal a
 expressão “sustentável” que vejo escrita em ambientes que circulo. O termo adquiriu proporções de banalização em larga escala, mundo afora e, no Brasil, onde o desperdício, por exemplo, é elemento de insustentabilidade em qualquer processo de produção e consumo, é cultural e histórico, em todas as áreas. Basta ver o chão coberto de umbus apodrecendo Sertão adentro, mas o governo dizendo que está realizando programas de geração de renda através do aproveitamento racional da fruta. Mais do que banalizado, o termo sustentável está sendo capitalizado por empresas e governo sem o compromisso real entre o dizer e o fazer. É o discurso longe da prática, é o greenwashig, pintado de verde, apenas pintado, sem verde, por dentro.

Repórter ajuda a comunidade no preparo da buchada de bode. Foto: Divulgação.

Para entender os desafios, a repórter Liliana Peixinho interage com as comunidades visitadas, ajudando e aprendendo atividades locais. Foto: Movimento AMA

+SECA: SERTÃO ADENTRO

Na trilha da seca histórica

Fotorreportagem

* Liliana Peixinho é jornalista, especialista em  Jornalismo Científico e Tecnológico, com atuação em Mídia, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ativista socioambiental, fundadora dos Movimentos Amigos do Meio Ambiente (AMA) e Rede de Articulação e Mobilização Ambiental (RAMA).

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