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Atualizado em 28 DE maio DE 2012 ás 14:23

Denise Coutinho

“Prefiro falar em produções acadêmicas, porque a produção de conhecimento pode acontecer fora do ambiente das ciências”, acredita Denise Coutinho professora do Instituto de Psicologia da UFBA e coordenadora da Área de Concentração Estudos da Subjetividade e do Comportamento Humano, oferecida pelo Instituto aos Bacharelados Interdisciplinares (BIs). Denise dialoga com pensamentos de autores como Descartes, Bachelard, Freud, Bourdieu, Feyerabend e Foucault. Além disso, leciona no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e colabora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFBA. Nessa entrevista, a pesquisadora explica os estudos que desenvolve com a graduação universitária de BI, esclarecendo as epistemologias não-cartesianas na interface artes-humanidade.

POR EDVAN LESSA*
lessaedvan@gmail.com

Ciência e Cultura- Fale da psicologia enquanto matriz para os seus estudos.

Denise Coutinho - Minhas pesquisas pouco têm a ver com a psicologia – considerada com ciência e profissão. Tenho interesses mais gerais, tais como modelos não-cartesianos para pesquisas em artes e humanidades; avaliações de processos educacionais em artes e humanidades. De fato, eu nunca trabalhei como psicóloga e, no Instituto de Psicologia, ensino epistemologia e disciplinas ligadas à psicanálise. Atualmente, tendemos a considerar que não há uma psicologia, mas psicologias. Assim, temos contatos e relações necessárias e produtivas com as artes, as ciências, as humanidades e todo o campo da saúde.

Ciência e Cultura- Você também lida com compreensões ligadas às artes. Com que tipo de desafios as produções científicas desse campo se deparam?

Denise Coutinho - Eu preferiria falar em produções acadêmicas, porque a produção de conhecimento pode acontecer fora do ambiente das ciências. A filosofia, por exemplo, não é considerada ciência, mas produz conhecimento acadêmico qualificado.

Ciência e Cultura- Acredita que a pesquisa acadêmica, sobretudo nas artes cênicas, carece de rigor científico, já que é bastante permeada pela prática teatral?

Denise Coutinho - O campo das artes não necessariamente precisa ser considerado científico para ser reconhecido. Esse é um desafio. Outros modos de conhecer são possíveis, mas eles devem partilhar características comuns aos campos ditos científicos, como o rigor, a sistematização, a explicitação de métodos, o diálogo crítico com a teoria, a avaliação de seus produtos e processos.

Ciência e Cultura- A expressão “psicanálise do conhecimento” que apresenta em pelo menos um de seus trabalhos, busca contemplar que tipo de análise?

Denise Coutinho - Este é um termo de Gaston Bachelard, epistemólogo francês que escreveu sua obra na 1a metade do século 20. Em 1938, ele publicou um livro chamado “A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento”. Nele, Bachelard pretende expor os obstáculos ao processo de investigação, e sua ideia é que a psicanálise pode ser um referencial, porque Freud pensou a psicanálise não apenas como tratamento, mas também como método de investigação. Então, Bachelard dizia que se pudéssemos conhecer e vencer as resistências internas ao processo de conhecer haveria progresso da investigação científica. Trata-se de uma ideia muito arrojada, pois ele formulou seu pensamento de uma “psicanálise do conhecimento”, com Freud ainda vivo e num momento em que a teorização freudiana nem era tão difundida assim como o é hoje.

Ciência e Cultura- E como é possível compreender as epistemologias não-cartesianas na interface artes-humanidade?

Denise Coutinho - Quando nos defrontamos com objetos das artes e das humanidades, vemos que muitas vezes, embora não sempre, necessitamos de outro referencial, não-cartesiano. Descartes pretendeu estabelecer o método universal aplicável a todas as ciências. Entretanto, no século XVII, não tínhamos ainda as ciências humanas e as artes no ambiente universitário. As ciências humanas começam a se destacar das ciências naturais e se constituir como campos autônomos apenas no século XIX. A entrada das artes só acontece depois disso. No Brasil, por exemplo, os programas de pós-graduação em artes são uma realidade bem recente. Com o avanço das pesquisas nesses campos, vemos tentativas de copiar modelos das ciências naturais como uma etapa de afirmação que logo começa a ser questionada. Nosso interesse é problematizar essa mimetização do discurso científico e, eventualmente, mostrar a fecundidade de métodos próprios na constituição de saberes e práticas complexas e não redutíveis ao referencial metafísico-cartesiano.

Ciência e Cultura- Qual sua pesquisa atual?

Denise Coutinho - Estamos começando agora uma pesquisa, cujo objetivo é avaliar “Trajetórias Acadêmicas e Construção de Significados e Sentidos na Transição dos Bacharelados Interdisciplinares à Formação em Psicologia na UFBA”. Trata-se de uma experiência inovadora, pois, pela primeira vez o curso de psicologia recebe um grupo que já possui uma graduação universitária de Bacharelado Interdisciplinar, com área de concentração em estudos da Subjetividade e do Comportamento Humano, oferecida pelo IPS, e que escolheu complementar seus estudos num curso profissional de psicologia. Queremos acompanhar esse percurso, identificando com clareza tais trajetórias, inclusive após a formação em psicologia. É um trabalho interdisciplinar, pois temos docentes de três diferentes unidades e bolsistas de psicologia e de ciências sociais. O projeto é coordenado pela profa. Mônica Lima (IPS) e tem duração prevista de dois anos.

Ciência e Cultura- Seus estudos pretendem ser aplicáveis ou apenas iniciar a reflexão das abordagens que apresenta?

Denise Coutinho - Já estão sendo aplicados. Temos estudantes de mestrado e doutorado, tanto em psicologia quanto em artes cênicas, avaliando a produção de teses e dissertações nesses campos no Brasil, visando recolher e examinar perspectivas teóricas e principais métodos utilizados nesses estudos.

*Edvan Lessa é estudante de Jornalismo da Facom/Ufba e bolsista da Agência Ciência e Cultura.

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