Temas que despertam a nossa curiosidade como supernovas, estrelas e buracos negros são respondidos por pesquisadores do Grupo de Gravitação e Cosmologia do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia
Por Júlia Lins
jsallins@gmail.com
Apreciar uma noite de céu estrelado na cidade grande pode ser uma tarefa difícil. A correria urbana e as avenidas muito iluminadas não nos permitem visualizar a maioria das estrelas. Mas em algum momento da nossa vida, tivemos a oportunidade de estar em uma área rural, por exemplo, e observar que coisa intrigante é o nosso céu. Quem nunca tentou contar estrelas? Quem nunca se perguntou o que existe além daqueles pontinhos luminosos? Essas e muitas outras questões também se perguntam os pesquisadores que estudam o universo em que vivemos.
Desde os tempos mais antigos, o homem tem curiosidade em saber quais mecanismos estão por trás dos fenômenos que enxergamos no céu. No início, essas observações eram na maioria das vezes associadas a uma interpretação religiosa. Hoje, com o avanço da ciência e da tecnologia, o homem já encontrou explicação para muito desses fenômenos.
“Os grupos de cosmologia, no mundo todo, são um cartão de visita em qualquer universidade. Por que a universidade de Cambridge é tão conhecida e recebe tantos estudantes? Por várias razões, uma delas é que lá tem um pesquisador chamado Stephen Hawking, que faz uma coisa que todo mundo quer saber, que é cosmologia. A universidade satisfaz essa ânsia, por que as pessoas querem saber como é o universo”, afirma o coordenador do Grupo de Gravitação e Cosmologia (GGC), do Instituto de Física na Universidade Federal da Bahia (Ufba), Saulo Carneiro.
O Grupo de Gravitação e Cosmologia da Ufba é composto pelos professores Saulo Carneiro, Cássio Pigozzo e Humberto Borges. Também participam do grupo alunos de doutorado, mestrado e de iniciação cientifica na área de cosmologia. O GGC tem colaboração com o Observatório Nacional no Rio de Janeiro, com a Universidade Federal do Espírito Santo e com universidades em Madrid (Espanha) e Londres (Inglaterra).
Nós não sabemos, mas existem diversos itens do nosso dia a dia, como, celular, papel alumínio e TV a cabo, que foram desenvolvidos por causa dos estudos espaciais. “Imagina o que é coletar por meses ou anos informações do espaço, todo dia, várias horas por dia. Como é que vai armazenar isso tudo? Além de que mover esses arquivos demora bastante. Terabyte não dá mais”, brinca Cássio Pigozzo, pesquisador do mesmo grupo. Ele explica que a necessidade de se desenvolver tecnologias para solucionar problemas como esse, inicialmente direcionadas para os estudos, faz com que, muitas vezes, essa nova tecnologia seja convertida em itens utilitários para a sociedade.
Apesar de a concepção cosmológica ser algo inerente ao ser humano, o que os acadêmicos chamam hoje de Cosmologia começou com o primeiro modelo cosmológico moderno feito por Einstein, em 1917. A cosmologia é uma ciência que estuda a evolução e dinâmica do universo, como ele se estrutura e do que ele é composto. De acordo com Saulo Carneiro, ela é o estudo do universo em larga escala. “Para se ter uma idéia da dimensão, o estudo do sistema solar não é cosmologia, é astronomia. O estudo de uma galáxia, também não é cosmologia, é astronomia e astrofísica. O estudo da evolução de buracos negros e das estrelas, tudo isso é astrofísica. Agora, se a gente fala de um aglomerado de aglomerado de galáxias, o que a gente chama de super aglomerado, aí, a gente já começa a falar em cosmologia”, explica. Aglomerado de galáxias é um grupo de galáxias que fica mais ou menos próximas por interagirem gravitacionalmente.
Os temas que estão sendo mais estudados em cosmologia hoje são, energia escura e matéria escura. Mas o que significa isso? Os cientistas estimam que, a matéria que forma o planeta Terra, que tem interação com a luz e que conseguimos enxergar, chamada matéria bariônica, compõe apenas cerca de 5% do universo. Os outros 95%, os pesquisadores não sabem o que é.
De acordo com Pigozzo, estipula-se que a matéria escura seja cerca de 25% da matéria do universo. “Ela pode ser uma matéria exótica que a gente não conhece ou pode ser que nossa teoria física da gravitação esteja errada e a matéria escura não exista. Mas a princípio, ela existe e não deve ser formada por bárions, ou seja, pelos elementos da tabela periódica que nós conhecemos”, afirma o pesquisador.
Observando, por exemplo, o movimento das estrelas em torno do centro da galáxia, os pesquisadores percebem que, ali, deve ter muito mais matéria do que eles conseguem ver. Essa matéria que não se enxerga, é a matéria escura. Não se sabe qual é a origem, o que ela é e nem que tipo de partícula a compõe. Quem observa, não tem nenhuma evidência ótica direta de que ela esteja na galáxia, mas se sabe que ela existe pelos efeitos gravitacionais.
Já a energia escura é algo ainda mais estranho para os cientistas. Se o universo fosse composto só por matéria bariônica e matéria escura, como ambas têm efeito gravitacional e se atraem a tendência seria que o universo, que por algum motivo está se expandindo, aos poucos fosse freando essa expansão. Só que os dados apontam para o fato de que, provavelmente, a expansão não está sendo freada, mas acelerada.
“Se tem 70% do universo que não se sabe o que é e a gente não sabe explicar porque a expansão é acelerada, talvez, isso que a gente não sabe o que é seja responsável por essa aceleração. Daí que surge chamar de energia escura, que é um fluido ainda mais exótico do que a matéria escura, porque não exerce atração gravitacional. Na verdade, seria alguma coisa que contribui para o universo se expandir cada vez mais rápido, que repele ao invés de atrair”, conta Cássio Pigozzo. A matéria e a energia escuras são assim denominadas, porque elas não interagem com a luz.
O GGC surgiu com Saulo Carneiro que, na Ufba, era o único que trabalhava nessa área. Ele conta que os estudos se iniciaram há alguns anos. “Começou com as orientações de Cássio e Humberto na iniciação cientifica, mas o grupo nasce, mesmo, com a entrada deles como professores da universidade a partir de 2010, que foi quando a gente credenciou no CNPq. Antes era um grupo de um professor só”, brinca.
Cada um dos três professores trabalha numa linha no ramo da cosmologia. Juntos, eles estão estudando a interação entre energia e matéria escura. Cássio trabalha na parte observacional, Saulo se aprofunda no estudo do universo em estágios mais iniciais e Humberto com perturbações cosmológicas, que tenta explicar a formação de estruturas presentes no universo. “Ter pessoas com o trabalho mais teórico e pessoas com o trabalho mais observacional é importante, porque o modelo tem que ser testado tanto na teoria, como nas observações, por isso, envolve vários pesquisadores”, conta Saulo Carneiro.
Como cosmologia não é uma ciência aplicada, o grupo tem financiamento do CNPq basicamente para concessão de bolsas de estudo, viagens a congressos e eventos de cosmologia e compra de computadores com um bom processamento. “O modelo que a gente estuda, além de ter uma base teórica interessante, está apresentando boa concordância com vários testes observacionais que a gente faz. O que tem gerado publicação em revistas importantes e boas colaborações”, afirma o pesquisador.
Em cosmologia, a tradição é publicar artigos em revistas internacionais. As mais conhecidas são, em geral, de editoras européias, norte americanas ou asiáticas. A razão disso é que a física é uma ciência muito universal. Inclusive revistas brasileiras, como a Brazilian Journal of Physics, também publicam os artigos em inglês, para que a comunidade internacional tenha acesso às informações.
O universo em expansão – Em 1929, o astrofísico norte-americano Edwin Hubble descobriu o que foi denominado de lei de Hubble de Expansão do Universo, que diz que as galáxias estão se afastando uma das outras, e quanto mais distante, mais rápido estão se afastando. A teoria de que tudo surgiu de uma singularidade e houve uma grande explosão, denominada de Big Bang, tem sido a mais aceita pelos cientistas para justificar essa expansão.
De acordo com Saulo, o modelo cosmológico que o grupo estuda é conhecido há muito tempo, desde trabalhos originais de vários pesquisadores, como o famoso Stephen Hawking, que diz que a expansão do universo faz com que sejam extraídas partículas do vácuo que permeia o espaço.
Para a física clássica, o vácuo é a ausência de matéria, nele, não existe nada. Mas para a física quântica, ele não é vazio, é como um mar de partículas e anti-partículas sendo criadas e aniquiladas a todo o momento e na maioria do tempo se fossemos tirar uma média, parece não haver nada. Para o grupo de Saulo, essas flutuações quânticas podem ser boas candidatas para explicar a origem da energia escura e, conseqüentemente, explicar a expansão acelerada.
“Nessas flutuações, as partículas não são criadas e depois destruídas? Se o universo estiver em expansão, algumas dessas partículas são criadas e, antes de ser destruído, o universo expande e separa elas. Esse seria um modelo em que a energia do vácuo, que seria a energia escura, em expansão, acabaria produzindo matéria escura”, descreve o pesquisador.
Cássio explica que esse modelo tem se ajustado bem aos dados. “Parece que é uma boa alternativa para modelar a dinâmica do universo, mas ainda tem algumas coisas que precisamos verificar melhor. Nós não sabemos, por exemplo, quais os processos físicos envolvidos a nível microscópico para explicar essa aceleração do universo. Ainda são trabalhos em andamento”.
Humberto esclarece que, apesar dos estudos, muita coisa em cosmologia ainda é muito hipotética. “Na natureza, sempre acaba aparecendo alguns eventos estranhos que a gente não sabe o que é. Existe uma infinidade de modelos e teorias, a gente pode trabalhar com uma que qualitativamente seja melhor que a outra, mas muitas vezes ela não explica tudo, é apenas uma modelagem”.
O GGC trabalha com dados do universo obtidos por grupos internacionais. As informações são coletadas por grupos muito grandes de pesquisadores, financiados por várias nações, para dar suporte aos projetos que, em geral, são muito caros.
Essas informações ficam disponíveis em diversos artigos que pesquisadores, que coletaram e trataram, publicam e a partir disso o grupo faz testes para verificar se o modelo que eles estudam se ajusta bem aos dados apresentados. Para termos idéia de quão grande são as equipes que colhem esses dados, os artigos disponíveis na rede são assinados por centenas de pesquisadores. “Num futuro, espero que próximo, acredito que a gente consiga se inserir em projetos para participar de todo processo no país ou fora do país”, conta Cássio.
Fósseis do universo – Na cosmologia, o universo, considerado em larga escala, é homogêneo, ou seja, não apresenta regiões muito diferentes e é isotrópico, o que significa que os resultados de observações em diferentes direções são semelhantes. Isso quer dizer que, até onde os pesquisadores puderam observar, não existe centro, tampouco alguma região privilegiada do espaço.
Podemos comparar ele a uma malha ou um pano grande, que quando observamos a olho nu, vemos um tecido liso e uniforme, mas caso fossemos analisar mais aproximadamente com um microscópio, veríamos pontos e estruturas irregulares. O pano seria o universo e as estruturas irregulares seriam os aglomerados de galáxias.
A teoria da relatividade geral diz que as leis fundamentais da física são as mesmas, independente do lugar observado do universo. De acordo com ela, a informação tem uma velocidade limite, que é a velocidade da luz no vácuo e ela não pode viajar mais rápido do que isso. A velocidade da luz no vácuo é de aproximadamente 300 mil quilômetros por segundo. Assim, um ano-luz equivale a 10 trilhões de quilômetros. As galáxias mais próximas da nossa estão há dois milhões de anos-luz. Como nesses estudos se trabalha com grandes medidas, a unidade usada em cosmologia é o MegaParsec, que equivale a 3,26 milhões de anos-luz.
O desenvolvimento tecnológico tem contribuído para que cada vez mais os pesquisadores possam observar o espaço com mais precisão. De acordo com Cássio Pigozzo, a obtenção de dados fica restrita pelo tempo que a informação demora em viajar da fonte até o observador. “A gente precisa que alguma informação chegue até nós, porque a gente não tem como ir para lá. Então, se tem uma estrela muito distante, que foi formada há alguns bilhões de anos atrás, mas que a luz não teve tempo de chegar aqui, a gente não tem acesso a essa informação. E se o universo está em expansão, é pior ainda, porque a distância fica maior e nosso limite é mais restrito”, explica o pesquisador.
A existência do setor escuro é atribuída aos princípios da teoria da relatividade geral. Algum pesquisador, por exemplo, pode dizer que esses 75% de matéria desconhecida não existem, que o que está acontecendo é que a teoria da gravitação correta não é essa que os pesquisadores estão usando.
“Existem várias outras teorias alternativas à relatividade geral, nós fazemos testes observacionais e comparamos os resultados entre elas o tempo todo. Na verdade, a gente usa uma teoria para testar a outra e, até hoje, a teoria da relatividade geral é a que melhor se ajusta aos testes observacionais. Não existe uma concorrente que esteja à sua altura”, conta Saulo Carneiro.
Ainda de acordo com o físico, antigamente, as informações do universo eram capturadas com antenas colocadas apenas no solo. Atualmente, os dados são captados por telescópios que já tem grandes avanços na tecnologia de lentes, construídos para diversos projetos. Esses objetos são colocados no solo e no espaço, para os pesquisadores estudarem, por exemplo, a distribuição de galáxias e a radiação cósmica de fundo.
Talvez, a radiação cósmica de fundo seja o dado observacional mais preciso e rico para os pesquisadores. “Acreditamos que para o universo ter surgido de um estado muito denso, quente e opaco, deveria existir a radiação permeando ele. Essa radiação são os fótons dos primórdios da história do universo, antes de surgir galáxias e estrelas. A gente diz que a observação dessa radiação seria a primeira foto do universo, esses fótons seriam como fósseis do espaço”, conta Cássio Pigozzo,.
A radiação cósmica (ou cosmológica) de fundo são os primeiros fótons que viajaram livremente pelo espaço. Fótons são as partículas que compõem a luz. Como o universo está em expansão, é fácil imaginarmos o movimento dele ao contrário, como se voltássemos à fita. Voltando a fita completamente, nós iríamos chegar num estágio em que tudo estava muito próximo, energético e quente. Os fótons estavam aprisionados pelos elétrons, se fosse possível alguém presenciar o universo nessa época, veria tudo escuro, porque não daria tempo de um fóton chegar até seu olho.
Segundo Cássio Pigozzo, com a expansão, cuja origem é associada ao fenômeno conhecido como Big Bang, a densidade foi diminuindo e, assim, o universo foi esfriando, até que ele ficou frio o suficiente para que os fótons fossem liberados e conseguissem viajar livremente pelo espaço. A partir daí, o universo, que antes era opaco, passa a ser transparente. Esses fótons foram liberados nesse momento e estão no espaço até hoje.
Saulo Carneiro diz onde podemos encontrá-la. “Se você liga seu aparelho de TV e sintoniza num canal que não tem nada, você vai ver aquele chuvisco. Ali, tem muitos ruídos de origens diferentes, mas se você conseguisse limpar todos eles, desligando rede elétrica, antenas próximas e congelando o seu aparelho de TV a modo não ter ruído interno, ainda sobraria um chuvisco que seriam esses fótons de origem cosmológica que sua antena capta”.
Estima-se que o universo tenha cerca de 14 bilhões de anos. Essa radiação foi liberada quando ele tinha apenas 400 mil anos e, por isso, traz muita informação de como ele evoluiu a partir dessa época até os dias de hoje. “Para ter acesso a qualquer informação do universo, com exceção da radiação cósmica de fundo, a gente fica preso num limite até onde podemos observá-lo. Isso quer dizer que a gente não tem informação nenhuma do universo antes de se tornar transparente”, explica Pigozzo.
Supernovas – No começo, a cosmologia era puramente teórica, porque não existia tecnologia suficiente para os pesquisadores realizarem as observações necessárias. Com a descoberta da radiação cósmica de fundo, a partir da década de 70, foi se desenvolvendo telescópios, lentes e métodos para tratar os dados e utilizar isso de forma que os pesquisadores possam testar os modelos.
Em 1982 foi lançado o satélite COBE (Cosmic Background Explorer), o primeiro a observar a radiação cósmica de fundo de forma mais apurada. Em 1990, foi lançado o Hubble e, oito anos depois, se começou a estudar melhor as supernovas. Outro satélite chamado WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe), que faz o mapeamento da radiação cósmica de fundo, foi lançado em 2001 e está em operação até hoje. “É importante dizer que essas observações transformaram a cosmologia em uma ciência de precisão”, destaca Saulo Carneiro.
Algumas estrelas formadas por hidrogênio, por terem uma massa muito grande, têm uma compressão gravitacional, força exercida de fora em direção ao seu centro, que faz com que o hidrogênio seja fundido em Helio. Esse processo de fusão nuclear produz energia, que faz com que ela fique quente e gere também uma pressão de dentro para fora que segura à atração gravitacional da estrela e faz com que ela não entre em colapso.
Quando a estrela já consumiu uma boa parte do hidrogênio, ela, então, começa a consumir outros gases produzidos em decorrência dessas fusões, até que, digamos, acaba o combustível, ela perde a pressão e colapsa. Nesse colapso, a camada externa da estrela é ejetada para fora com muita violência e em seu centro, fica uma massa, como um caroço de uma ameixa, que forma uma estrela de nêutrons ou anã branca. A esse fenômeno os cientistas chamam supernova.
“Quando acontece esse fenômeno na nossa galáxia, a gente consegue vê-lo a olho nu, com um brilho similar ao da lua. Não são fenômenos muito comuns, mas os chineses falam que, no século XI, eles observavam supernovas que brilhavam tanto como a lua”, conta Saulo. Outro tipo de supernova é quando uma anã branca, uma estrela que também é muito grande, fica capturando massa de uma estrela próxima, que pode ser uma Gigante Vermelha, por exemplo. Chega um momento que a massa da anã já está tão grande que ela perde estabilidade e explode gerando uma supernova.
“Esse segundo tipo que é o mais importante em cosmologia, a gente usa para observar a aceleração cósmica. Essa idéia de que a expansão está sendo acelerada, a gente percebeu observando supernovas. Como ela tem um brilho muito intenso, nós conseguimos observá-la mesmo que aconteça em lugares muito distantes do universo”, explica o pesquisador.
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