Ciência na Estrada une microscópios e lâminas com a utilização de materiais sem muita tecnologia, como células construídas com garrafas pet e réplicas de parasitas e de estruturas celulares para promover divulgação científica entre as crianças
Por Inês Costal
costal.carol@gmail.com
Uma união de entusiasmos. É assim que a vice-diretora do Colégio Estadual Raymundo Matta, Edilene Silva, define o início do trabalho do projeto Ciência na Estrada na escola que dirige, no bairro do Lobato. De fato, foi assim que tudo começou. Marcos Vannier, coordenador do projeto, conhecia a alta frequência de doenças parasitárias no Subúrbio Ferroviário e tinha interesse em desenvolver seu trabalho com estudantes daquela área. A escola há muito tempo esperava por algo novo no ensino que despertasse o interesse dos alunos. Ambos abraçaram a oportunidade.
O Ciência na Estrada: Educação e Cidadania é um projeto de popularização da ciência desenvolvido por uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Biomorfologia Parasitária (LBP) do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz – Fiocruz-Bahia. O trabalho, que começou há cerca de cinco anos, promove o ensino da ciência com ludicidade e prática através de feiras científicas e formação de alunos monitores nas escolas. O projeto é um dos destaques da programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia deste ano que acontecerá de 17 a 23 de outubro.
Ciência Popular – O estudo dos parasitas e do que eles fazem às células hospedeiras é a área de trabalho do LBP, grupo que desenvolve atividades de pesquisa experimental na busca de medicamentos antiparasitários. É no laboratório, que possui reconhecimento pela patente de um possível novo medicamento para a Doença de Chagas, uma pesquisa da chamada “ciência dura” – termo utilizado para designar a ciência relacionada à biologia, física e química – que o projeto de educação científica é realizado. O grupo une em suas atividades a ciência experimental e a ciência para a população.
O Ciência na Estrada alia o uso de microscópios e lâminas com a utilização de materiais sem muita tecnologia, como células construídas com garrafas pet e réplicas ampliadas de parasitas e de estruturas celulares em suas apresentações. Os experimentos também são realizados de forma simples, como o uso de canudos para exemplificar como ocorre a eletrização por atrito. Outro grande atrativo do projeto é uma célula gigante, uma estrutura utilizada para falar de um mundo invisível e transformar a ciência em algo que a criança pode enxergar.
“Nosso objetivo é mostrar para a criança que ela também faz parte desse mundo, despertar a vocação científica nela e mostrar que se ela estudar vai ter o conhecimento e poderá fazer a mesma coisa”, diz Gustavo Santos, colaborador do projeto. Antes de começar as atividades em uma unidade ou instituição que solicita a visita, a equipe do Ciência na Estrada faz um diagnóstico da situação do local e das necessidades dos estudantes para a adequação de suas atividades.
Segundo a vice-diretora Edilene Silva, o trabalho do Ciência na Estrada resultou em uma mudança de comportamento na educação e em visível melhora na sala de aula. “Foi um trabalho rico, bem amarrado e a partir de um bom conhecimento prévio da escola. Os alunos manipularam, experimentaram e usufruíram da estrutura da Fiocruz. Não houve apenas a disseminação de informações sobre saúde, o projeto atingiu todo o âmbito da vida dos alunos”, afirma Edilene.
Os resultados da visita ao Raymundo Matta ainda são perceptíveis. Os estudantes que se tornaram monitores na época são vistos e sinalizados como alunos multiplicadores e têm a liberdade de conversar com outros estudantes e disseminar o conhecimento adquirido.
Brincar para ensinar – Um dos personagens que apresenta o mundo científico às crianças e aos adolescentes é o “bruxo da ciência”. Um dos pesquisadores da equipe com um kit de mágico, na verdade materiais simples como o já citado canudo, mostra ao público “mágicas científicas”. O uso do personagem permite a explicação de princípios básicos da ciência de forma simples e lúdica.
Entre os produtos desenvolvidos pela equipe do projeto há livros, cordéis, vídeos e jogos eletrônicos. Tudo utilizado de forma a mudar a linguagem hermética da ciência e despertar a curiosidade do estudante. Os jogos eletrônicos são os que mais chamam a atenção nas aulas e feiras de ciência. O Indyquest, jogo de perguntas e respostas, tem cinco modalidades, cada uma abordando um tema em doenças parasitárias. O Vida de Verme aborda questões sobre os parasitas causadores da teníase e da esquistossomose.
Os alunos costumam se sair bem melhor quando os questionários são respondidos no jogo do que em formato de prova. A solução é transformar todas as avaliações em jogo? Claro que não, mas acrescentar elementos divertidos como esses durante as aulas de ciência faz a diferença no aprendizado.
Os jogos, vídeos e até as publicações do Ciência na Estrada foram feitos pelos alunos da equipe que, com exceção da vice-coordenadora que é antropóloga, tem formação em ciências biológicas. Nenhum deles tem muita experiência ou habilidade em computação, editoração ou produção e edição de vídeos.
As animações em vídeo são sequências de desenhos em slides do programa Powerpoint editados no Movie Maker, outro programa encontrado em qualquer computador; os jogos também foram elaborados em linguagem de programação simples, inclusive é possível elaborá-los a partir de tutoriais na internet; o livro sobre formas de evitar as parasitoses foi diagramado por Eline Deccache, vice-coordenadora do projeto, que não tem qualquer conhecimento especifico na área. Elementos que podem ser produzidos e utilizados de forma fácil pelos professores e que contribuem para a compreensão da ciência e para o despertar da vocação científica.
Para Santos, o trabalho compensa: “Com esse trabalho você, que é pesquisador, tem o reconhecimento do público, uma coisa que é maluca. Eles não te veem mais como um ser estranho enfiado em um laboratório. Já aconteceu de um aluno problemático sair da aula dizendo que foi muito prazeroso, que a aula foi boa. Aí você sabe que conquistou o menino”.
Atividade pouco valorizada – Divulgar o conteúdo de ciência para a população não é percebido como uma atividade científica, mas como algo distante da prática séria do trabalho científico. É essa a visão de outros pesquisadores sobre o trabalho de popularização cientifica do LBP, segundo seus coordenadores. “É como se o que a gente fizesse fosse perfumaria. Ciência é a ciência dura com experimentos e gráficos. Nosso trabalho é visto como bonitinho, interessante para dar visibilidade à ciência, mas só isso”, diz Deccache.
Serviço
As instruções para solicitar uma visita do projeto estão disponíveis no site do Ciência na Estrada.
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