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Atualizado em 13 DE dezembro DE 2011 ás 21:11

Indústria calçadista baiana: paga mal e prejudica saúde do trabalhador

Financiada pela Fapesb, pesquisa em Geociências-Ufba constata que modelo da instalação industrial de calçados da Bahia é inadequado a despeito dos incentivos fiscais e creditícios feitos pelos governos estadual e municipais

Por Raimundo de Santana
raimundodesantana@gmail.com

A indústria de calçados no Brasil participa com R$ 50 bilhões no Produto Interno Bruto nacional que, conforme o IBGE, alcançou os R$ 3,675 trilhões em 2010. No mesmo período, suas exportações foram da ordem de US$ 4,2 bilhões. Na Bahia, esse segmento comporta 70 unidades de produção divididas entre fábricas de calçados (50) e de componentes (20) e está presente em 33 cidades do interior baiano, o que contribui para ampliação do mercado de trabalho regional. Entretanto, o modelo de instalação dessas indústrias é considerado inadequado, tem trazido sérios prejuízos à saúde do trabalhador, além de oferecer um achatamento salarial de 40% em relação aos outros estados brasileiros.

Esses resultados fazem parte da pesquisa realizada pelo professor Cristovão Brito, do Departamento de Geografia de do Programa de Pós-graduação em Geografia da Ufba, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado Bahia (Fapesb) para estudar o chamado polo calçadista baiano. O estudo, intitulado “A indústria de calçados e suas implicações na organização do espaço regional” critica o atual modelo do setor que, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), está em 5º lugar no ranking da produção nacional.

Uma das principais conclusões da pesquisa é a dimensão política das decisões acerca da localização da instalação das indústrias calçadistas no estado que se sobrepõem a qualquer planejamento sistemático. Planejamento esse, por exemplo, que viabilize a constituição de um distrito industrial como nos moldes de Franca (SP) ou o Vale dos Sinos (RS).

“Nosso estudo conclui que a política de atração de indústria de calçados é ditada pelos empresários do segmento, pois são eles que exigem o local (de preferência sem concorrentes) do gestor estadual e municipal como querem, o que querem e quando querem. Depois, tanto o prefeito, com o governador, deputado estadual e/ou federal dão visibilidade pública à instalação da indústria na cidade, ‘anunciam a paternidade daquela conquista’ e o arranjo político está encaminhado perante o eleitorado”, afirma Cristovão Brito.

De acordo com Brito, como não obedece a uma política consistente de planejamento proposto pelo estado muito menos o município, um parque industrial, ou um verdadeiro polo industrial, fica impossibilitado, bem como a consolidação de uma cadeia produtiva do setor. “É uma política na qual as indústrias são desarticuladas entre si, são ilhas de produção”, esclarece.

Brito: "Política de atração de indústria de calçados é ditada pelos empresários do segmento"

Lesão e assédio – Outra questão seriíssima do estudo diz respeito à saúde dos operários das indústrias. A intensa rotina de trabalho, marcada pela esteira de produção, tem produzido um grande contingente de portadores de Lesão por Esforço Repetitivo (LER), Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) e graves mutilações de membros superiores (mãos, braços, dedos) motivadas por acidentes de trabalho.

Além disso, o setor apresenta uma assustadora precarização das relações de trabalho e baixíssimos salários (salário mínimo) pagos, o que representa em média 40% a menos em comparação aos salários de recebidos por seus colegas nas mesmas funções em fábricas localizados no Sul e Sudeste do Brasil. É uma verdadeira “legião de lesionados” que está sendo formada na Bahia. Para agravar o quadro, esclarece o professor Brito, os trabalhadores são obrigados a cumprir metas de produção e, se não conseguem, são confrontados àqueles que conseguem através de ilustrações junto ao seu posto de trabalho. Algo próximo à exposição pública do “fracasso”.

“Não bastassem os crescentes casos de LER, DORT e mutilações, o assédio moral a que a mão-de-obra está submetida, quase toda muito jovem entre os 18 e 30 anos de idade, é prática corriqueira. Além disso, tomamos conhecimento de que há fábricas que ‘estimulam’ a ampliação da jornada de trabalho a partir de uma ‘terceirização’ perversa e fora da lei, isto é, operários levam trabalhos para serem executados em seus lares por familiares”, denuncia.

Essa precarização, contudo, não é bem uma novidade para o Judiciário. Uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em 2003 exigia que a Azaleia, por exemplo, adotasse medidas para proteção e saúde dos empregados na sede em Itapetinga e nas filiais no interior da Bahia. Em agosto passado, Tribunal Superior do Trabalho decidiu pela interdição de uma máquina da empresa que causava mutilações nos empregados. Em março de 2010, a Rede Record exibiu em nível nacional, no programa Domingo Espetacular, uma reportagem sobre os operários mutilados dessa fábrica.

A pesquisa constatou também uma alta rotatividade da mão-de-obra que chega a 1,5% ao mês, ou seja, centenas de trabalhadores são demitidos e admitidos todos os meses. Muito certamente por esse motivo essas empresas precisam se localizar onde haja força de trabalho em abundância para reposição quase automática de seu estoque de corpos que sofrem o desgaste de suas forças em jornadas de trabalho extenuantes.  Por outro lado, a não-permanência da indústria na cidade, cessado o período de benefícios oficiais, e mesmo passado esse tempo, é preocupante.

“Modelo Weberiano” – Ao que tudo indica, o pensamento do economista e sociólogo alemão Alfred Weber (1868-1958) no que diz respeito à localização das plantas industriais ainda tem exercido forte influência no planejamento ou “falta de planejamento” governamental voltado para o setor industrial pelo mundo afora. No Brasil, e na Bahia em particular, não é diferente.

A crítica a esse “modelo weberiano clássico”, no qual está inserida a atual política estadual para a indústria de calçados, financiada pela Fapesb para um período de três anos, já apresenta como desdobramento direto três Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) em andamento, um de Iniciação Científica já concluído e outros dois em nível de mestrado (um concluído e outro em andamento).

Nos seus variados níveis de investigação, os estudos sobre a indústria calçadista na Bahia concentram esforços em análises das principais implicações na organização da economia local (comércio e serviços), na urbanização e também na produção agropecuária local como resultado do estímulo indireto ao abandono dessas atividades pela população jovem no campo.

“Os resultados ainda são parciais diante da dispersão espacial das fábricas na Bahia, da escassez dos recursos para o desenvolvimento da pesquisa etc., mas à medida do possível estão sendo publicados em forma de capítulos de livro e artigos em periódicos”, destaca o professor Cristovão Brito.

Mas no que consiste a teoria de Weber, especificamente naquilo que diz respeito às proposições acerca da localização industrial? Em linhas gerais, pode-se afirmar que seus pressupostos são ideais, é um modelo dedutivo assentando primordialmente na lógica da minimização dos custos de produção associados ao custo de transporte, a partir de uma homogeneização de aspectos como: concorrência intercapitalista perfeita.

Alfred Weber, irmão de Max Weber

Acrescente-se a essa arquitetura weberiana a dimensão política e cultural dos agentes sociais (produtores, consumidores, trabalhadores e governo) conhecida e invariável no tempo e no espaço; fontes de matéria-prima, de energia e mercado consumidor identificados; e também o transporte, cuja tarifa variava com a distância a ser percorrida. Desse modo, o pensamento de Weber oferecia um modelo explicativo universal para a localização industrial.

Tênue integração “É uma percepção ideal, isso porque Weber viveu empenhado em dar respostas às contingências de uma época em que o primado da industrialização foi um fato concreto, o Século 19. Aos olhos de hoje, diante de uma realidade socioespacial, econômica e política tão complexa, tão cheia de demandas específicas como a nossa, a brasileira, e a baiana, sem esquecer dos crescentes inventos tecnológicos, as suas contribuições nesse caso específico são insuficientes para o nosso presente”, pontua o professor Brito.

A partir desses dados, o estudo identifica que existe uma tênue integração produtiva, pois as fábricas são quase que totalmente autossuficientes, limitando a possibilidade de integração horizontal, já que as unidades de produção intencionalmente foram instaladas muito distantes uma das outras. Quase todo insumo e matéria-prima da indústria calçadista na Bahia são trazidos de fora do estado. A cola e um ou outro material, como um assemelhado à borracha sintética, ainda são adquiridos no Polo Industrial de Camaçari.

Linha de produção de uma indústria calçadista

A conclusão central da pesquisa é que o modelo de instalação da indústria calçadista na Bahia inviabiliza a constituição de uma política pública de Arranjos Produtivos Locais (APL), isto é, aquele tipo de desenvolvimento no município ou no seu entorno cuja base está “no encadeamento da produção para frente e para trás de maneira enraizada” de longo prazo (seja no campo da geração de renda, da exploração dos recursos naturais e do crescimento/desenvolvimento socioeconômico local/regional). A pesquisa também aponta para a forma como essas plantas industriais são instaladas: são estruturas monolíticas, fechadas em si mesmas.

“Guerra fiscal” A imposição da instalação desse tipo de empresa industrial em curso na Bahia – que se fundamenta na maximização de lucros ao tempo em que reduz ao mínimo possível o custo – não é um fenômeno específico local e sim um fenômeno próprio das economias periféricas, sobretudo na atual era globalização das economias nacionais.

Trata-se, portanto, de uma lógica de um setor intensivo em mão-de-obra, cuja produção não pode ser integralmente automatizada e que necessita estar localizado em regiões abundantes em força de trabalho dócil, politicamente desorganizada e, portanto, de baixo preço; daí os calçados e produtos esportivos que consumimos em grande parte trazerem na etiqueta Made in China, Made Taiwan, Made in Coréia etc.

Não é novidade no mundo da economia globalmente cada vez mais articulada, muito menos aqui na Bahia, o fato segundo o qual o capital somente se dirige para lugares onde seja possível a realização do lucro. Contudo, no Brasil, a especificidade da política industrial reside no fato que se convencionou chamar de “guerra fiscal” entre as unidades da federação, os estados.

É uma guerra porque cada estado adota uma política agressiva de atração de indústrias que vai dos incentivos fiscais e creditícios baseados no ICMS até, no caso dos municípios, renúncia do Imposto sobre Serviços (ISS), doação de lotes de terreno etc., não ficando de fora, obviamente, desse arranjo os acertos com o Governo Federal pertinentes aos incentivos advindos do Imposto de Exportação.

‘Fordismo Periférico’ – “Constatamos que o estrago provocado com a saída deliberada de fábricas dos locais onde estavam instaladas (em Juazeiro, São Francisco do Conde etc.), eliminando de uma só vez mais de mil postos de trabalho é algo que beira o imponderável em todos os sentidos, porque fica um passivo social gravíssimo no lugar”, assinala a pesquisador.

Mas, mesmo assim, alguns setores da economia e da sociedade locais não se incomodam de imediato com toda essa situação indesejável, como por exemplo, o comércio local e seus dirigentes. Isso porque mensalmente é lançada uma soma significativa na economia urbana a título de salários, mas individualmente são salários baixos com trabalhadores submetidos à disciplina da escassez.

“Trata-se do que Alain Lipietz chamou de ‘Fordismo Periférico’ ao explicar o que a indústria foi fazer no ‘Terceiro Mundo’. Nosso estudo não tem o propósito de ditar receitas, mas de chamar atenção para o custo-benefício dessa política industrial que é mais que questionável”, sintetiza o pesquisador. Indagada sobre a política industrial para o setor calçadista da Bahia, renúncia e guerra fiscal, dentre outras questões, a Secretaria da Indústria Comércio e Mineração do Governo do Estado da Bahia prestou alguns esclarecimentos.

Para Cristovão Brito, a superação desse modelo industrial é uma decisão política, sobretudo. E não só no plano estadual, mas sim nacional. “Até porque há a dinâmica da economia global, há a ‘guerra fiscal’ entre os estados e a ausência de um planejamento econômico amplo, que estabeleça claramente metas a médio e longo prazos, tendo em vista a constituição de um parque industrial consistente e arrojado com suas fundamentais cadeias de produção, com os fornecedores, e que não agrida deliberadamente os nossos recursos naturais tampouco o povo”.

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3 comentários para Indústria calçadista baiana: paga mal e prejudica saúde do trabalhador

  1. Operário disse:

    Sou operário de uma dessas empresas tenho 19 anos, entrei com 18 e fiquei traumatizado com a forma com que tratam os operários, que em sua toda maioria é composta por adolescentes que nunca trabalharam, que não conhecem os seus direitos trabalhistas assim como eu, com isso, ficam á merce de humilhações e trabalhos abusivos que levam a um desgaste físico total, levando os jovens trabalhadores ao chão “desmaiar”. O sindicato não se movimenta, apenas assiste a esta destruição humana, servindo apenas para fazer rescisões contratuais. Essa empresa tem mais de dez anos aqui no município explorando os trabalhadores. trabalho excessivo, lesões, pessoas passando mal, humilhações, salario de miséria, retardamento mental, tudo isso já faz parte da rotina e a rotina ja faz parte de você pobre operário. Queria que tudo isso fosse mentira, mas não é, essa é a pura realidade desse povo, que acabou banalizando a destruição humana. acho que essas palavras ratificam o conteúdo da pesquisa. Queria dizer que não da para fechar os olhos para essa situação.

    Obrigado….

  2. naiana disse:

    Olá o texto do professor Brito descreve bem a realidade das industrias calçadista na Bahia,já trabalhei em industria calçadista e passei por alguams situações descrita no texto.Gostaria de ter mais acesso a essa pesquisa como faço?
    Garta,
    Naiana

  3. Elias Machado da Silva disse:

    ola a todos, postei um comentaria ao texto do professor brito acreditando que meu nome não seria divulgado, peço por gentileza que mude para ( operário )
    grato….

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