Estudo físico-químico realizado nos manguezais da baía identificou concentrações de bário, níquel, cobre e chumbo, acima dos níveis recomendados pelas normas internacionais
POR LÍDICE OLIVEIRA
oliveira.lidice@gmail.com
A localidade de Ilha Grande, na Baía de Camamu, sul do estado, requer atenção dos órgãos ambientais para monitorar a presença de metais pesados no ecossistema dos seus mangues. Um estudo físico-químico realizado nos manguezais da baía identificou nessa ilha, em especial, concentrações de bário, níquel, cobre e chumbo, acima dos níveis recomendados pelas normas internacionais.
O trabalho envolveu a identificação e quantificação de organismos, avaliação da biota e da possível toxicidade dos embriões de moluscos, e dos sedimentos em sete estações, localizadas no sudoeste da Ilha Grande, sudeste de Igrapiúna (com duas unidades pesquisadas), Taipus de Dentro, Cajaiba, Ilha de Sorojó e Ilha das Flores, além da Ilha Grande. A análise dos sedimentos na Ilha Grande revelou uma razão entre metais e sulfetos maior que 1 (da ordem de 1,8), compatível com possível biodisponibilidade. Esse resultado indica que os sedimentos podem ser tóxicos à biota aquática devido à presença de metais.
A razão de 1,8 foi encontrada pelo cálculo da relação entre metais extraídos simultaneamente (MES) e sulfetos voláteis em ácido (SVA), e indica uma possível biodisponibilidade de bário, níquel, cobre e chumbo na região. Ou seja, esses metais podem estar livres para interagir com os organismos que habitam os sedimentos da Ilha Grande.
Nas demais estações, contudo, as análises de biodisponibilidade mostraram resultados dentro dos limites toleráveis, oscilando de 0,01 a 0,74. Isso assegura que não há riscos de toxicidade à biota aquática enquanto as condições ambientais se mantiverem estável a combinação desses metais ao grupo químico dos sulfetos.
“Se estão complexados, não há risco”, explica a bióloga e coordenadora da pesquisa, Joana Fidelis da Paixão. “Na Ilha Grande, a disponibilidade ficou acima dos níveis esperados para os critérios de normalidade, mas isso não significa que estejam disponíveis para serem assimilados pelos seres vivos e causar danos”, esclarece. Mas como ficou além do valor de referência estabelecido pela Nooa − agência dos Estados Unidos, referência mundial em estudos oceânicos e atmosféricos −, a recomendação é o monitoramento. Já nas outras áreas, se a situação físico-química se mantiver, não há motivo para preocupação, diz a bióloga.
Mineração – Na Baía de Camamu, os manguezais cobrem aproximadamente 44% da zona costeira. Considerados berçários do mar, esses ecossistemas são ricos em biodiversidade e áreas de reprodução de inúmeros organismos marinhos, a exemplo de camarões, peixes e ostras. Por isso, qualquer fator de desequilíbrio ambiental nesse habitat apresenta riscos para a vida marinha e o sustento das comunidades pesqueiras. Na Ilha Grande, a causa mais provável da presença de metais nos sedimentos é a mineração, já que durante décadas a região sofreu as consequências da extração de minério de barita.
A baritina é empregada principalmente na produção de fluido de perfuração de poços de petróleo. Associado à baritina (sulfato de bário), estão o cádmio, chumbo e zinco, que podem ser disponibilizados no meio ambiente através da exploração e contaminar os sedimentos. É essa a pista apontada no estudo.
“A origem dos metais, principalmente do bário, está provavelmente vinculada ao minério de bário, que era extraído tanto na Ilha Grande quanto na Ilha Pequena”, confirma Joana, apesar da ausência de dados publicados sobre a presença de metais nos sedimentos pré-mineração na baía.
No artigo “Estudo mineralógico do sedimento de manguezal da baía de Camamu”, publicado na Revista Escola de Minas, em 2002, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia já alertava para o impacto da atividade mineradora sobre os manguezais. O estudo conclui que minerais como o quartzo, argila e barita chegam aos estuários através dos rios ou em decorrência de mecanismos antropogênicos. Esse seria o caso da barita, “cujo processo de exploração local favorece seu transporte para a zona de manguezal”.
As análises na Ilha Grande revelaram ainda outros dados que merecem atenção. Os metais foram encontrados justamente na localidade que apresenta sedimentos de característica arenosa, ou seja, com uma granulometria que costuma dificultar a absorção de metais. Foi lá, também, que o estudo mostrou assembleias macrobentônicas (organismos que vivem no substrato marinho) diferenciadas e a predominância de espécies consideradas oportunistas, cuja tolerância pode ter sido estimulada, segundo o estudo, justamente pelas concentrações de metais.
Em toda a área coberta pelos estudos, os pesquisadores encontraram um total de 581 organismos, pertencentes a 38 espécies, com predominância de poliquetas (vermes marinhos). A identificação das espécies foi realizada no Laboratório de Biologia Bentônica da Ufba. Os embriões da ostra Crassostrea rhizophorae foram coletados em áreas distantes de efluentes domésticos e industriais, para evitar comprometimento dos resultados. Nos locais onde foi detectado excesso de bário nos sedimentos, as amostras apresentaram, porém, um efeito tóxico que oscilou de baixo a moderado nos embriões de ostras.
As amostras foram analisadas no Laboratório de Biologia Bentônica da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Já a análise química sedimentar, que permitiu obter a concentração de metais como ferro, alumínio, bário, cádmio, cobre, chumbo, níquel e zinco, foi realizada em laboratório do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), unidade do Cetind – Centro de Tecnologia Industrial Pedro Ribeiro, enquanto as avaliações de biodisponibilidade ocorreram no Instituto de Geociências da Ufba.
Protegido por lei – A vegetação de mangue é protegida de corte no Brasil pelo Código Florestal (Lei 4.771/65). Ao longo da costa brasileira, estima-se que existam 25 mil km² de manguezais, em mais de oito mil quilômetros da costa. Na Bahia, haveria o equivalente a 100 mil hectares de manguezais, e a estimativa é de que 95 mil pessoas se beneficiem diretamente desse ecossistema. A região de Camamu abriga a segunda maior baía do estado e terceira do País, superada apenas pela Baía de Todos os Santos, também na Bahia, e a Baía da Guanabara (RJ).
Na avaliação de Joana Paixão, o estudo deverá servir de base para avaliações futuras dos manguezais de Camamu, da qualidade da água e dos sedimentos, diante da expansão do turismo, das prospecções de petroleiras, em busca de óleo e gás, e dos investimentos em infraestrutura portuária no sul do estado, onde o governo baiano planeja construir o Porto Sul, em Ilhéus, situado a cerca de 150 km da baía.
“A nossa análise é parcial, mas creio que pode auxiliar os órgãos no processo de concessão de licenças ambientais na região e em novos estudos do gênero, já que existem muitas mudanças em andamento na ocupação do solo, em virtude da chegada desses investimentos”, avalia Joana. Pesquisas mais amplas que contemplem toda a Baía de Camamu são necessárias também, diz a pesquisadora, por conta das alterações climáticas e constantes derramamentos de óleo nas águas da baía, em função do fluxo cada vez mais intenso de embarcações. Apesar da importância econômica para a região, o turismo desponta como um dos vilões nesse processo. Nada, contudo, se compara à ameaça da exploração de óleo e gás em águas rasas da costa do Baixo Sul baiano.
A região abriga o Campo de Manati, já em produção e cujas reservas de gás natural são estimadas em 23 bilhões de metros cúbicos − é hoje o maior produtor de gás do País. Além disso, vários grupos fazem prospecções em blocos licitados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). No caso de Manati, a capacidade diária é de 8 milhões de m³ de gás, e as reservas calculadas em 72,5 bilhões de barris de óleo. São seis campos, interligados por linhas submarinas. A plataforma está a uma profundidade de 35 metros, a apenas 10km da costa da Ilha de Tinharé e a 13,5km da Baía de Camamu.
O que ameaça os ecossistemas costeiros
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Estudo mineralógico do sedimento de manguezal da baía de Camamu
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