O resultado das pesquisas de opinião é sempre o mesmo: os maiores problemas do Sistema Único de Saúde (SUS) estão na assistência. Faltam médicos, o atendimento é demorado e há carências nos atendimentos mais básicos. A solução vai além do aumento de recurso financeiro. Para pesquisadores resolver os problemas da assistência envolve mudar as práticas de gestão e o próprio modelo de atenção à saúde.
POR INÊS COSTAL*
Qual o modelo de atenção?
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgada em 2011 apontou que, no geral, os serviços do SUS são bem avaliados. Mais de 70% avalia os serviços como “regular” ou “muito bons ou bons”. Os grandes problemas informados pelos entrevistados são as filas, a demora entre o agendamento e o atendimento e a falta de médicos. Isso indica que, ainda que haja problemas na qualidade da assistência, o grande entrave é a dificuldade para ser atendido. Provavelmente por isso a “urgência e emergência” tenha sido o serviço com pior avaliação.
A ideia original de atenção à saúde no SUS lembra uma pirâmide: primeiro o atendimento simples, depois o de média complexidade e só depois o de alta complexidade, caso fosse necessário. A hierarquização dos serviços era baseada nas ideias de acesso para todos, com o primeiro atendimento como uma grande porta de entrada; importância da proximidade do serviço à residência do usuário; e economia e priorização do investimento de recursos. Na prática, não deu certo. As pessoas procuram os hospitais e postos de atendimento quando já estão doentes. E quem está doente tem pressa.
As unidades básicas, que são os centros e postos de saúde, não conseguiram se tornar a “porta de entrada” e os prontos-socorros e hospitais acabam por fazer o atendimento de demandas mais simples. Por sua vez, os serviços especializados tem acesso difícil e são muitas vezes usados em situações que poderiam ser evitadas se bem atendidas e prevenidas pela rede básica.
Para Eugênio Mendes, referência no estudo de redes de atenção no país, as redes de atenção do SUS precisam funcionar como um fluxo. E a chamada “atenção primária” é sim o primeiro nível de atenção à saúde. Mas isso não significa simplicidade ou uma esfera com poucas opções para a resolução dos problemas de saúde, mas uma unidade central para onde o cidadão deve ser encaminhado, tenha ele entrado por onde for. Essa unidade deve se comunicar com as demais redes e se responsabilizar pela população ao seu redor.
PSF é solução?
Analice Costa, agente comunitário do PSF da Jaqueira do Carneiro, no bairro do Retiro, em Salvador, afirma que de início o programa funcionava melhor. “No começo foi uma loucura. Demorou uns três meses para fazermos o cadastro das famílias, mas era uma maravilha. Agora falta muita coisa”, afirma.
O Programa de Saúde da Família (PSF) foi formulado há quase 20 anos. Inicialmente foi implantado nos municípios que faziam parte do Mapa da Fome, um levantamento divulgado pelo Ipea em 1993, sob a coordenação do governo federal. Depois o programa foi expandido para os demais municípios interessados sob gerência municipal. Segundo o Ministério da Saúde (MS), até agosto de 2011, 5.284 municípios tem o programa, quase 95% do país.
Na Estratégia de Saúde da Família (ESF), como o programa é chamado hoje, há uma definição de qual população está sob responsabilidade de cada equipe. O agente comunitário de saúde que trabalha no programa deve morar próximo ao local de trabalho e, consequentemente, à comunidade que ele vai atender. “A melhor parte são as crianças que vi nascer, pesei, é saber que podemos ajudar. Até dou conselhos para os adolescentes que acompanho”, conta Costa.
A ESF foi aprovada por 80,7% dos entrevistados na pesquisa de percepção social do Ipea. As equipes são formadas, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e seis agentes comunitários. Segundo Costa, o PSF ainda é desconhecido: “Nem todos conhecem o PSF, ainda é recente. E há poucos”. Há poucos mesmo. Segundo o MS, 53% da população brasileira está coberta pelo programa. Para funcionar bem, o modelo deveria oferecer uma cobertura próxima a 85%, a faixa existente na Inglaterra e Espanha, países que adotam a estratégia.
Mesmo na assistência, foco na prevenção
Ao invés de demanda, oferta. Se a proposta do SUS é atendimento integral, ou seja, que responda a todas as necessidades do cidadão, o sistema precisa ofertar meios de acompanhar a saúde e prevenir as doenças. A falta de programas de prevenção acarreta em altos custos de procedimentos cirúrgicos, transplantes e tratamentos complexos, como hemodiálise.
Mendes afirma que o modelo vigente no SUS é incoerente. “A crise do modelo de Atenção à Saúde do SUS se explicita na incoerência entre uma situação epidemiológica de dupla carga das doenças, em que 75% das causas dessa carga é composta por condições crônicas, e um modelo de atenção à saúde voltado para a atenção às condições agudas”, explica.
Bahia foi lanterninha
Jairnilson Paim, docente da UFBA e autor de estudos sobre o SUS e a Reforma Sanitária, diz que a Bahia teve papel de vanguarda no movimento de reforma sanitária que possibilitou a criação do SUS, mas entre os anos 90 e 2000 foi um dos estados mais atrasados na implantação do sistema. “A Bahia sempre ficou atrasada, inclusive em relação a outros estados do Nordeste. Só a partir do governo Wagner é que se tenta recuperar um atraso histórico de quase 20 anos para que o sistema venha a se implantar aqui. Enquanto muitos outros estados estavam evoluindo nos estancamos e trabalhamos de uma forma muito lenta, quase pressionada pelo governo federal”, conta.
O atraso foi tanto na organização do sistema como na infraestrutura. O ultimo grande hospital construído no estado foi o Hospital Geral do Estado (HGE), em 1989. Foram mais de 20 anos até a construção de um novo hospital, o do Subúrbio inaugurado em 2010, na capital do estado.
“Eu sou da cidade baixa, de Itapagipe. As mesmas unidades de saúde que existiam quando eu era menino, são as mesmas que estão hoje, quando vou me aposentar. A população aumentou, mudou o perfil epidemiológico, mas a estrutura não foi ampliada”, critica o pesquisador.
*Inês Costal é Jornalista e Pós-Graduada em Jornalismo Científico pela Faculdade de Comunicação da UFBA