Habitantes invisíveis do fundo do mar, mas essenciais para o entendimento do ecossistema, os meiobentos tomam forma através dos microscópios de pesquisadores da Ufba
Por Raíza Tourinho*
raizatourinho@yahoo.com.br
Seres minúsculos, quase invisíveis ao olho nu, assim são o meiobentos. Divididos em três categorias (macro, meio e micros), o bentos são vermes, vírus, bactérias, fungos, corais e outros animais marinhos que dominam os oceanos. No entanto, pouco se sabe sobre esses pequenos seres.
A invisibilidade deles atinge também a academia onde, principalmente os meios e microbentos, são pouco pesquisados e desconhecidos da maioria dos biólogos. Eles geralmente estão excluídos do currículo nos cursos de zoologia e há poucos catálogos de referência sobre eles no mundo. O desconhecimento contrasta com a importância desses pequenos seres, que possuem um papel fundamental para compreensão do funcionamento do nosso ecossistema.
“É como um quebra-cabeça. Se não soubermos como esses meios se comportam e como são afetados, a gente nunca saberá como os ecossistemas funcionam”, explica a pesquisadora do Instituto de Biologia da Ufba, Orane Falcão, que coordena uma iniciativa inédita na Bahia de levantamento das espécies do meiobentos existentes em cinco praias da capital (Itapuã, Stella Maris, Armação, Ribeira, Ondina).
“A gente se preocupa muito com os animais que têm importância econômica. Mas não podemos esquecer que dependemos do funcionamento de ecossistema, que tem na sua base seres microscópicos. Isso é importante para manter a biodiversidade”, alfineta. Com o litoral mais extenso do País, a biodiversidade nos mares baianos ainda é, em sua maior parte, desconhecida. “É o litoral menos conhecido do Brasil”, sentencia a pesquisadora.
Os organismos bentônicos têm dois papéis conhecidos: servir de alimento principal para os peixes maiores e de bioindicador para as pesquisas científicas em ecotoxicologia (ramo que estuda os efeitos tóxicos dos poluentes sobre os seres vivos). Pelo ciclo de vida reduzido, que chega a ser de meros três dias, os pesquisadores podem acompanhar em pouco tempo as mutações genéticas devido às mudanças ambientais em gerações de Nematodeos (parasita do Filo Nematoda classificado como meiobento). A utilização desses organismos como bioindicadores, no entanto, ainda é inexistente nas pesquisas baianas.
“Não é viável”, explica a pesquisadora Marlene Peso, quando questionada sobre a falta de utilização do meiobentos como bioindicadores. Ela coordena o grupo de pesquisa Ecologia e Biomonitoramento de Comunidades Bentônicas e está realizando o monitoramento ambiental da dragagem dos portos de Aratu e Salvador utilizando macrobentos como bioindicadores.
Segundo Marlene, no estado falta um número significativo de especialistas na área, além do que exige mais tempo para análise do processo. “Não é fácil. O nosso trabalho requer respostas rápidas”, justifica. Ela complementa que trabalhar com organismos bentônicos maiores não é melhor nem pior do que os menores, apenas são “características diferentes”. “o meiobentos exercem um papel ecológico fundamental. A natureza sabe o que faz”.
Lupa – O meiobentos variam entre ínfimos 0,5mm e 45 micrometros, tamanho que dificulta a pesquisa. Para estudar a taxonomia e estrutura desses desses seres são necessários microscópios que ampliam em 1000 vezes o tamanho natural.
A falta de equipamentos, recursos humanos e financeiros são os principais gargalos da produção científica na área no Brasil. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), referência na área, envia anualmente seus pesquisadores à Bélgica, onde têm acesso a tecnologia e técnicas de ponta. “Conseguimos iniciar aqui somente quando um edital possibilitou a aquisição de microscópios e lupas de melhor qualidade”, afirma Orane. Além da Pernambuco, somente os estados do Rio de Janeiro, Pará, São Paulo, Santa Catarina e Paraná pesquisam o meiobentos.
Mas nem com tecnologia avançada o trabalho diminui. Tudo começa com a coleta das amostras nas praias e depois a seleção do material é feita em laboratório. Devido ao tamanho, eles são separados com estiletes e colocados em cubinhas de vidro. Depois o material é levado até a estufa onde irá sofrer um processo de clareamento durante um dia inteiro. No terceiro dia, passa por diversas soluções e é disposto em lâminas para análise em microscópio. “São necessárias algumas medidas dos exemplares para se conseguir a identificação. Dá muito trabalho mesmo. Não é tão simples quanto pegar uma régua e sair medindo”, ressalta.
Com os macrobentos, o processo é bem mais simples. Segundo conta a pesquisadora, basta coletar o material e analisá-lo diretamente no microscópio. A separação e a análise leva cerca de duas horas. Os organismos do macrobentos normalmente não necessitam de técnicas especiais e nem de montagem de lâminas, podem ser estudados em lupas. Já os microbentos são mais difíceis e analisados apenas pela microbiologia marinha, campo praticamente inexistente no Brasil devido à falta de infra-estrutura e equipamentos, como microscópios equipados com fluorescência.
O projeto, financiado pela Petrobras, já identificou 14 espécies diferentes de meiobentos no litoral baiano. A iniciativa, prevista para ser concluída no final de 2012, será a primeira montar um guia do gênero no estado. O levantamento ficará disponível no website em desenvolvimento que a pesquisadora criou para outro projeto, “Os Animais de Nossas Praias” (projeto que estuda os macrobentos). Além do website, a pesquisadora produzirá um catálogo para divulgar os resultados obtidos e divulgará a pesquisas em painéis itinerantes que visitarão escolas e feiras de ciências.
Dificuldades – Prevista para ser finalizada no final deste ano, a pesquisa sobre meiobentos foi adiada por mais um ano devido às dificuldades enfrentadas pela pesquisadora no processo de pesquisa. Segundo relata, o pesquisador na universidade esbarra com sérias dificuldades tais quais a falta de técnicos para cuidar do laboratório e o excesso de carga horária de aulas, o que atrasa o desenvolvimento das pesquisas. “Se eu tiver duas ou três disciplinas diferentes para lecionar e ter que avaliar os alunos em duas provas como vou me dedicar a pesquisa? Se você quer ter qualidade fica difícil. É uma coisa que precisa ser revista”, enfatiza.
Além disso, a pesquisadora relata que há falta de recursos tecnológicos, humanos e financeiros. “A gente não tem nem infra-estrutura nem técnica aqui. Há casos que precisamos realmente aumentar em duas mil vezes, mas não temos microscópios eletrônicos de varredura”, afirma.
*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom
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