Até que ponto o uso de animais em laboratórios é aceitável? Discussão gera polêmica entre cientistas
Por Henrique Mendes*
henrique.mendes2009@gmail.com
Camundongos, cães e coelhos são exemplos de animais usados, em todo o mundo, como cobaias de experimentos científicos. A falta de alternativas, em alguns casos, é apontada por pesquisadores como a principal causa do uso contínuo de seres vivos em experimentos laboratoriais. Defensores dos direitos dos animais, ao contrário, afirmam que é falta de vontade política e interesses privados dos cientistas motivam a realização da prática que consideram criminosa.
Essa é uma discussão polêmica em eventos científicos nacionais e internacionais, mas pouco conhecida pela sociedade civil, ainda distante desse embate acadêmico, político e social.
De acordo com a Constituição Federal de 1988, capítulo VI, o poder público deve inibir e combater as práticas que provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade. Uma questão surge nesse contexto: Será que o uso de animais para pesquisas em laboratórios fere esse princípio legislativo? Este é um campo de conflito ainda não superado entre pesquisadores e defensores dos direitos dos animais.
A aprovação da Lei Arouca (nº 11.794), em outubro de 2008, regulamentou a criação e utilização de animais em atividades de ensino e pesquisa científica no Brasil. A lei criou o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que obriga as instituições a constituírem uma Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua).
Na Bahia, o Centro de Pesquisa Gonçalo Muniz (Fiocruz-Ba) possui um comitê para regular os procedimentos científicos feitos no local. “É preciso que as pesquisas e as pessoas que as desenvolvem sigam parâmetros éticos que possam garantir, na medida do possível, todas as condições experimentais para que os animais sofram o mínimo de impacto possível. Tudo isso tem que ser controlado por uma série de legislações que já existem aqui no Brasil”, afirma a Coordenadora da Ceua da Fiocruz-Ba, Lourdes Farre. Os projetos que, por algum motivo não atendem as exigências da comissão recebem notificações para que se adequem às normas que regem essa atividade.
Ratos, hamsters e camundongos são os animais mais usados pelos pesquisadores da Fiocruz – Ba. Eles são mantidos no biotério e acompanhados por estudantes e cientistas em pesquisas de imunologia. Outros animais também são aproveitados nas análises. Alguns cães, por exemplo, são acompanhados em estudos da leishmaniose. Eles normalmente são recolhidos em áreas endêmicas, como Jequié, no Sudoeste do Estado, depois da autorização dos donos. Além disso, a instituição realiza a manutenção de ciclo da doença de chagas, através da criação de galinhas. A ave não apresenta a doença e, por isso, é a fonte ideal de alimento para o barbeiro.
Conflitos - “O sistema jurídico brasileiro não garante sequer o direito à vida desses animais, que continuam sendo capturados e mortos diariamente, legal ou clandestinamente, tornando letra morta à norma constitucional que proíbe as práticas que coloquem em risco a função ecológica dos animais, provoquem a sua extinção ou submeta-os à crueldade”, afirma o professor de Direito Ambiental da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Heron Santana. A frase, que foi retirada do artigo “Abolicionismo Animal”, mostra que o uso de seres vivos em laboratórios enfrenta a resistência de grupos que defendem a dignidade dos animais.
Santana é também presidente do Instituto Abolicionista Animal (IAA), organização não governamental que defende a libertação dos animais da exploração ou crueldade praticada por seres humanos.
Para amenizar esse conflito, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, exige que todas as Comissões de Ética no Uso de Animais tenham um componente que atue em uma ONG que trabalhe com o assunto.
De acordo com Lourdes Farre, essa ação possibilita que os trabalhos sejam discutidos de forma mais intensa e realizados com maior eficácia. “É importante que haja um espaço de diálogo para isso. Às vezes há desconhecimento das duas partes. Quando as pessoas sentam para conversar e discutem essas necessidades todos ganham”, afirma.
Rejane Menezes, membro da Ceua da Fiocruz – Ba, diz que há projetos que podem ser realizados em vitro, ou seja, em placas que possibilitam a cultura de células. No entanto, ela admite que o uso dos animais, na maioria das vezes é indispensável. “Existem modelos que só podem ser feitos em animais e não há como fugir disso. A tendência é uma diminuição na utilização deles, mas a isenção do uso eu acho um pouco difícil.”, reconhece.
O resultado das pesquisas e a sua eficácia são preocupações dos grupos que defendem o direito animal. Entretanto, Lourdes Farre considera que esses resultados são de interesse de todos. “O cuidado que se tem com o animal e as recomendações sobre o que se fazer são preocupações fundamentais, mas é preciso que haja envolvimento, também, da sociedade, dos pesquisadores e das instituições”, conclui.
*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom