Evento teve como objetivo analisar as questões epistemológicas da contextualização para um público de estudantes de graduação, pós-graduação e docentes
POR GIÚLLIAN RODRIGUES*
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Princípios, hipóteses, fundamentos teóricos e a prática da educação contextualizada. Essas foram as questões que abriram a primeira tarde de discussões do VIII Workshop Nacional de Educação para Convivência com o Semiárido Brasileiro (Wecsab), ocorrido na última quarta-feira, 3, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), do Departamento de Ciências Humanas, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
A mesa redonda teve como objetivo a promoção do debate sobre as questões epistemológicas da contextualização para um público de estudantes de graduação, pós-graduação e docentes. Dessa forma, partindo de estudos como os do sociólogo, filósofo e antropólogo francês, Edgar Morin, sobre a existência do sujeito em uma realidade complexa, os professores abordaram o papel fundamental do contexto na construção do conhecimento. Eles ressaltaram que, quando esse sujeito é compreendido como multidimensional, com seus diferentes níveis de percepção do mundo, é possível estabelecer um diálogo mais profundo com a realidade, o que pode contribuir para um melhor entendimento dos processos educacionais.
A professora Maria Cândida, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), disse que a temática da contextualização no âmbito pedagógico passa, necessariamente, pela dimensão epistemológica e ontológica. “Para entendermos a importância do contexto, precisamos entender a realidade do ser. A realidade é complexa, dinâmica, mutável, indeterminada. Ou seja, é imprevisível. Essa realidade demanda processos que possam se adaptar a ela. Assim, as novas explicações da ciência sobre a realidade – novas bases ontológicas – questionam os pilares antigos relacionados à questão da ordem, da objetividade”, comenta.
De acordo com a pesquisadora, a complexidade do ser está configurada em rede – em conjunto com vários elementos sociais, culturais, políticos e econômicos que se relacionam – e o sujeito só pode ser compreendido de acordo com a sua vivência com o meio. “Essa complexidade nos revela que é importante contextualizar os fatos porque, sem um contexto, nada faz sentido. E isso ocasiona mudanças no processo de construção do conhecimento e na aprendizagem. Implica em compreender novas bases epistemológicas, ou seja, novas maneiras de conhecer o ser. É preciso pensar numa reforma do conhecimento para melhor notar e dialogar com a realidade”, reforça Cândida.
Na prática, é possível perceber experiências da inserção de vivências locais sendo aplicadas na metodologia das salas de aula. A caatinga, o rio São Francisco e as particularidades do semiárido são a base de um exercício proposto pelo professor Helinando Pequeno, pós-doutor em Física pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT – Estados Unidos), aos alunos de Engenharia da Univasf. Ao questionar os discentes do curso sobre para quem serve a Ciência, ele desafia os estudantes a buscar soluções que preservem o bioma e que possam contribuir para gerar impactos positivos no contexto regional do Vale do São Francisco.
“A gente percebe, de maneira geral que, infelizmente, não há incentivo das práticas de produção científica, muito menos contextualizadas. A maior parte das escolas não possui laboratórios ou sequer realizam feiras e isso não contribui em nada na internalização dos conceitos. Nós precisamos reinventar não só a Engenharia, mas todas as áreas. Precisamos provar para nossos alunos que eles podem fazer a diferença no meio e transformá-los não apenas em empresários, mas em agentes sociais de transformação, com a capacidade de mudar a vida da mulher e do homem sertanejo”, salienta Helinando.
Ele destaca ainda que as formas de convivência levam a novas maneiras de conhecimento e, nesse sentido, se faz necessário o surgimento de novas metodologias. “A leitura da realidade sempre precede a leitura da palavra. Não se pode produzir conhecimento se não entendemos o contexto. A realidade do aluno tem que ser problematizada e, por isso, precisamos criar espaços de diálogos para o intercâmbio de experiências, a fim de estimular práticas metodológicas mais apropriadas”.
Mas a educação contextualizada também encontra barreiras. Josemar Martins Pinzoh, doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), conta que enfrentou certa incompreensão, inclusive por parte de docentes, ao levar a proposta da contextualização para alguns ambientes.
“De maneira geral, estamos muito presos a uma realidade de que o que tem valor é aquilo que vem com um emblema universal. Por isso, na maioria das vezes, entendemos que a verdade que buscamos está sempre relacionada a uma matriz distante de nós, produzida em outros lugares, por outras pessoas. Mas nós somos sujeitos ligados a um contexto específico e essa contextualização é essencial para a construção do conhecimento, mesmo que o desafio seja justamente desconstruir alguns conceitos existentes, até mesmo dentro da academia”, relata Pinzoh.
Contextualizar, de acordo com as experiências dos três professores, significa compreender os processos de construção do conhecimento para melhor dialogar com a realidade, que possui uma natureza complexa. Nesse sentido, Maria Cândida ressalta que a temática do semiárido é de extrema importância atualmente para o cenário da educação. “Quanto mais aprofundadas as questões que circundam esse tema, mais aprofundadas serão as práticas pedagógicas, em todas as áreas”.
*Repórter da Agência Multiciência da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – Campus Juazeiro