Especialistas esclarecem que o diagnóstico precoce evita o agravamento e proliferação da doença
Victória Libório*
victorialiboriosimoes@gmail.com
O núcleo de dermatologia do Laboratório de Infectologia do Hospital das Clínicas produziu recentemente, um estudo e desenvolveu um teste de diagnóstico alternativo, que pretende identificar a Hanseníase mais cedo do que o teste convencional. A substância utilizada para o teste, o antígeno LID-1, aumentaria a sensibilidade da lâmina a ser usada para analisar a amostra de sangue colhida para o teste. O sucesso desse teste é que ele pode identificar formas mais precoces da doença.
O estudo é fruto da tese de doutorado da pesquisadora Marilena Maria de Souza. O professor e orientador da tese, Eduardo Martins Netto do programa de Pós-Graduação em Medicina e Saúde, explica que o diagnóstico de uma doença qualquer se faz pela identificação do micróbio no caso da infecção. Ou é identificado visualmente por meio da lâmina no microscópio, ou é necessário aumentar a sensibilidade, a capacidade de ver da lâmina, quando o micróbio é pequeno demais. Por mais que as bactérias estejam alojadas na pele do indivíduo, os antígenos, partículas próprias da superfície dos microrganismos capaz de iniciar uma resposta imune, circulam no sangue, então essa proteína detecta esses antígenos e faz o diagnóstico.
“Às vezes quando o sujeito tem uma doença já avançada, você tem uma boa sensibilidade do teste da lâmina, mas quando ainda está no início, a lâmina ainda não tem a sensibilidade para pegar essa doença, e esse teste conseguiu ser mais sensível”, esclarece Netto. A pesquisa ainda está em desenvolvimento, porque apesar de ser sensível, o processo do teste precisa ser trabalhado para agilizar o diagnóstico. “Se você tem um teste novo que demora mais do que o teste normal para dar o resultado, então não há impacto. São muitas fases e a cadeia ainda não está perfeita, mas estamos aperfeiçoando”, garante. Com esses avanços, o pesquisador espera que em alguns anos o sistema público de saúde tenha um teste rápido, em que se colete a saliva de um paciente e em 15 minutos já tenha o resultado.
Outras pesquisas
Em associação ao Laboratório de Imunopatologia do Complexo HUPES, o núcleo de dermatologia do Ambulatório Magalhães Neto (AMN), está desenvolvendo outra pesquisa com o uso do bloqueador TNF-alpha, um medicamento de custo elevado geralmente usado para casos de psoríase, e que possui um grande potencial de cura.
Uma das linhas de pesquisa procura identificar quais os fatores que associados à doença fazem com que ela seja mais grave ou menos grave. Outra investiga quais alterações da defesa do organismo são identificadas durante o processo de infecção, ou seja, como o corpo reage nos diferentes estágios da doença. Dessa forma, a pesquisa procura investigar como essas respostas imunes se relacionam com determinadas manifestações clínicas, como lesões da pele.
O ambulatório é um centro de tratamento didático-assistencial referência para os casos mais complicados da hanseníase. Como instituição de ensino, produz pesquisas voltadas para o tratamento de pacientes e conta com uma equipe multidisciplinar de saúde. O serviço atualmente está envolvido em cinco teses na área, com pesquisadores dos cursos de medicina, enfermagem, fisioterapia, farmácia, entre outros.
O serviço de Dermatologia do Complexo HUPES funciona de segunda a sexta durante todo o dia, exceto quinta-feira à tarde. Durante a manhã funcionam os ambulatórios gerais e à tarde, os específicos, subdivididos em hanseníase, psoríase, acne, tumores cutâneos e bolhases. Os pacientes são encaminhados pela regulação.
A Hanseníase
A hanseníase, também conhecida comumente como lepra, é uma doença histórica, que acompanhou a evolução da humanidade até a melhora da qualidade de vida e das condições sanitárias da população. Marcada por preconceitos e equívocos, a doença já foi considerada pela Igreja, durante a Idade Média, um dos indícios da desonra, em que os portadores da doença eram retirados do convívio social e levados aos leprosários. Com o avanço da ciência, já é possível identificar a real causa da doença e desmistificar as antigas noções sobre a hanseníase. É uma condição infecciosa que afeta os nervos e a pele causada por um bacilo chamado Mycobacterium leprae. Pode ser combatido com a simples administração dos medicamentos e, a partir da primeira dose do tratamento, o paciente deixa de ser infectante, o que promove o controle e cura sobre os casos.
O Brasil ocupa a segunda posição no ranking mundial de casos da doença, atrás somente da Índia. Segundo o médico responsável pelo Laboratório de Hanseníase do Complexo HUPES Paulo Roberto Machado, a hanseníase é uma doença em que a maioria os pacientes, ou metade, não a transmite. O contágio é um caso de exceção, geralmente devido à demora no diagnóstico e o paciente torna-se infectante. “Mas é certo dizer que cerca de 40% dos casos o paciente que tem a hanseníase não é infectante, mesmo sem ter tido qualquer tratamento. E com a primeira dose de tratamento qualquer paciente deixa de ser infectante. Teoricamente seria fácil controlar a doença”, informa o especialista.
Um dos grandes impasses ao controle efetivo é a ignorância, tanto do público leigo como dos profissionais de saúde, em relação ao mecanismo pelo qual a hanseníase atua. O que pode ser conpensada com uma política duradoura de controle. “Quando internamos um paciente, é um ‘Deus nos acuda!’. Enfermeiros e médicos falam que tem que ter isolamento. Isso não é verdade. A doença não se contrai assim. Seria necessária a convivência com uma pessoa portadora da forma contagiante da doença”, esclarece o médico. Um paciente internado já está sob o tratamento e a doença deixa de ser contagiante, caso fosse anteriormente.
Machado também fala que já é senso comum entre os profissionais especializados o fato de quase 90% da população brasileira já ter a resistência natural ao bacilo que provoca a hanseníase. “Muitas vezes o paciente não traz os familiares para serem examinados porque não diz em casa. O diagnóstico da hanseníase traz um impacto psicológico muito além do normal”, conta. Segundo o médico, alguns pacientes, ainda presos ao estigma ratado na literatura e filmes, não querem contar aos cônjuges. “É um direito da pessoa. Mas ela deve contar para que façam o teste. É uma doença que tem cura e precisa ser diagnosticada”, explica.
As pessoas que antes demoravam cerca de 10 anos para serem curadas, levam hoje até dois anos, nos casos mais severos, então os números de prevalência, número de casos registrados no momento, diminuíram muito nos últimos anos. O tratamento responsável por essa mudança é a poliquimioterapia. No entanto, a incidência continua a mesma. Por exemplo, nos últimos 15 dias foram identificados cinco novos casos no ambulatório de dermatologia do Hospital das Clínicas, número considerado constante nas unidades de saúde.
A hanseníase é uma doença difícil de ser eliminada como um problema de saúde pública. O período de incubação da bactéria é longo e não existe medida preventiva eficaz, como a vacina, para que ela seja identificada ou combatida antes de causar danos ao portador. A chefe de Dermatologia do Ambulatório Magalhães Neto (AMN), Vitória Regina, fala que o treinamento dos profissionais da área de saúde é muito baixo para identificar logo o caso.
“Muitos são transmissores, ou contagiantes, porque demoram de ser diagnosticados, e durante este tempo está sendo passado para a família e pessoas que moram próximo”, afirma Vitória. Esses são considerados casos ocultos, em que a presença da bactéria não é descoberta. “Em apenas um dia de campanha com profissionais treinados são identificados mais casos do que normalmente são diagnosticados naquela cidade em um ano”, relata Machado sobre a experiência dos mutirões de combate à hanseníase nas cidades do interior.
O contágio da hanseníase tem dois fatores importantes; a predisposição genética para adquirir a doença, já que a pessoa pode ter, ou não, o anticorpo para o bacilo causador e, também, a questão socioeconômica, porque o contágio depende da convivência intensa entre as pessoas. No caso da população de baixa renda do Brasil, é comum encontrar em casas pequenas muitos membros da família dormindo no mesmo cômodo. “Nessa situação, a proliferação é favorecida pelo ambiente, então a probabilidade de contágio aumenta”, explica Vitória Regina.
*Graduanda em Comunicação Social Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia