Tudo é dividido com todos, de forma transparente. Essa foi a lição apresentada na terceira matéria, da série Nordeste em pauta, realizada pela jornalista Liliana Peixinho. Confira!
POR LILIANA PEIXINHO*
lilianapeixinho@gmail.com
O “Recanto Peixinhos” tem a logomarca com a imagem da casa onde todos foram criados, como símbolo do respeito às histórias de vida ali compartilhadas, anos e anos e consolidada, diariamente. A partir do ano 2000, novas ações com foco em sustentabilidade, cuidado, harmonia, respeito ao ambiente, foram introduzidas, por meio de múltiplas atividades coletivas. A base é o núcleo familiar.
As ações são desenvolvidas, atualmente, por cinco das famílias descendentes dos onze filhos do casal: Arnaldo, Nivaldo, Rosalvo, Bentinho e Antônio, que trabalham em compromisso com as metas e tarefas diárias do projeto. Mas todos os filhos estão sempre por perto, ajudando numa coisa e outra, dando opiniões, compartilhando informações técnicas, socializando saberes adquiridos em viagens, encontros, redes sociais, grupos de estudos e trabalhos, numa sinergia que fortalece os laços do “Recanto Peixinhos” como referência de trabalho coletivo.
Alguns dos filhos têm atividades profissionais fora do Recanto, a exemplo de Maria José, que é professora da Escola Municipal; Zélia, que é artesã; Evandro, que é técnico em Agroecologia numa empresa de capital estrangeiro; e Renato, que é padre na paróquia do município baiano de Inhambupe. Essas atividades externas ao Recanto não os impedem de fortalecer os compromissos com a família, onde estão presentes, de forma assídua e constante, mesmo que seja por telefone, WhatsApp e outras formas de comunicação.
Cooperativismo familiar – Todos os filhos e netos de cada família se integram às atividades e distribuem o tempo entre espaços como a escola, a casa da família, a Associação e o Recanto. Em avaliação constante, os resultados dos trabalhos mostram maior eficiência nas atividades, diminuição dos custos de produção, garantia de vida com alimentação saudável, funcional, em contexto de autossustentação comunitária. De tudo o que consomem, cerca de 80% é produção local. Carnes, legumes, verduras, frutas, cereais, óleos, sabão, utensílios domésticos, instrumentos de trabalho e peças artesanais integram uma cadeia de produção harmoniosa de ponta a ponta. E a meta, o sonho, é depender cada dia menos dos mercados externos e ajudar esse mercado, com produtos locais trabalhados em larga escala, como o mel.
Vida em cadeia harmoniosa – Com práticas realmente sustentáveis de bem viver, a comunidade forma uma cadeia harmoniosa de preservação da vida, em suas diversas formas. Animais, plantas, ar, água, terra, são cuidadosamente tratados como sementes valiosas.
A reportagem do Movimento AMA – Amigos do Meio Ambiente esteve na comunidade em suas ocasiões – em abril de 2017 e janeiro/fevereiro de 2018. Nas muitas horas de observação e interação, foi possível constatar o prazer dos integrantes do núcleo por trabalhar, estar uns com os outros, ouvir, falar, cantar, dançar, cozinhas, plantar, colher, comer, enfim, um viver coletivo harmonioso, a partir de cada pessoa, criança, jovem, adulto, idoso.
Práticas do Bem- viver – Compromisso com a vida, em valores do Bem Viver, harmonioso com o ambiente não é trabalho fácil. Exige informação, disciplina, conhecimento aplicado e desejo de um fazer diário conectado ao todo, em sentido amplo de coletividade. E é assim na comunidade Recanto Peixinhos, que faz e pensa local e globalmente, a partir de Barreira do Tubarão, Heliópolis, Bahia, Brasil, Planeta Terra, Universo. Não, não se espante porque não é exagero essa projeção geográfica.
As práticas observadas pela reportagem em semanas e semanas de interação local – iniciadas em abril de 2017, interrompidas por problemas de saúde da jornalista – e reiniciadas entre janeiro e fevereiro de 2018 – demonstraram esse sentido amplo de um fazer integral, perdido por aí, em meio à realidade dos grandes centros urbanos ou mesmo de pequenas cidades do interior.
Valores de vida perdidos e que transformaram o dia a dia em agonia. Seja através da violência, que lá não existe; seja pelo desrespeito às ideias contrárias, que lá são trabalhadas como aprendizado; seja pela ganância, ostentação ou desperdício, que lá não encontra espaço, porque a educação é multifacetada, transversal. Educação contínua e atenta, que começa desde o nascimento, com o olhar cuidadoso no bebê ao peito da mãe; o conforto da presença e apoio do pai e extensão aos avós, tios, primos, sobrinhos, cunhados, amigos, que arranjam tempo para tudo o que for necessário.
Jornalista, ativista, Especializada em Jornalismo Científico e Meio Ambiente. Fundadora e coordenadora do Movimento AMA. MIDIA ORGANICA. REAJA. RAMA. Colaboradora de diversas mídias especializadas em Jornalismo Ambiental.
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