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Atualizado em 20 DE agosto DE 2017 ás 21:43

Folclore brasileiro sob uma nova visão

Em Agosto, mês do Folclore, o evento virtual Folclore BR: Somando Visões traz discussões sobre a representação do índio nas mídias, folclore no mercado audiovisual, terror nas lendas brasileiras, folclore no mundo dos games, contação de rua e ilustração de lendas. Serão 8 transmissões ao vivo pelo YouTube, que ocorrerão entre os dias 16 até 22 e encerramento no dia 31. O evento contará também com sorteios, matérias exclusivas e divulgações de projetos no blog e facebook

GIOVANNA HEMERLY*
gihe296@gmail.com

Entender, pesquisar e trabalhar o folclore nacional através de uma nova abordagem, sobretudo uma imagem deslocada dos estereótipos superficiais e preconceituosos. Este são alguns dos principais objetivos do evento Folclore BR: Somando Visões, que acontece até o dia 22 deste mês pelo YouTube. A proposta do criador do blog Mundo Awvas, Anderson Awvas, que trabalha com a temática desde 2013, é propor discussões sobre a utilização do folclore brasileiro em produções artísticas, literárias e tecnológicas.

Anderson, que também é ilustrador e designer participou da criação inicial do Batalha de Mitos, um jogo de cartas colecionáveis que tem por temática as lendas brasileiras, e também criou o “Folclore BR apresenta”, uma série de cartazes com sinopses de filmes-fantasia,  brincando com filmes de animação de grande bilheteria, como o Moana (2016), da Disney.

elaborar o cartaz de Naiá, A Lenda da Vitória-Régia, Awvas traz elementos visuais inspirados na Amazônia, como a Pororoca e o Mico-Leão-Dourado.

A escolha do mês de agosto é uma homenagem ao mês do Folclore, e consistirá em oito transmissões ao vivo pelo canal do evento no YouTube, com encerramento previsto para o dia 31. Como parte da programação estarão discussões sobre a representação do índio nas mídias, folclore no mercado audiovisual, terror nas lendas brasileiras, folclore no mundo dos games, contação de rua e ilustração de lendas. Também haverão sorteios, matérias exclusivas e divulgações de projetos no blog e Facebook.

Iniciado na última quarta-feira, 16, com o tema “Índio não é Folclore”, o bate-papo contou com a participação do artista gráfico e comunicador, dedicado ao web ativismo e ativismo pelos direitos indígenas, Denílson Baniwa. Ele nasceu na aldeia Darí, localizada em Barcelos, próximo ao Rio Negro, na Amazônia. Baniwa também administra a Rádio Yandê, criada com o propósito de difundir a cultura indígena através dos adventos tecnológicos.

O primeiro assunto a ser discutido foi a representação do índio nas mídias. Anderson Awvas criticou a superficialidade no tratamento do tema pelos canais midiáticos e como isso tem contribuído para a perpetuação da imagem distorcida que se tem do índio no Brasil. O ilustrador também afirma que o modo como as escolas abordam o tema durante as datas comemorativas é outra forma de favorecer a disseminação dessa imagem negativa,  já que o preconceito estaria sendo transmitido de uma geração para outra. “Esse é um fato real: uma criança chega dizendo para a tia dela que índio não existe. Ela não o reconhece como uma população porque ela não foi ensinada assim. O jeito que a escola passou para ela é que no dia do índio ela deveria se vestir de índio e ponto”, disse Awvas.

Para Denílson Baniwa, a origem dessa situação está no preconceito institucional e estrutural que se tem com a cultura indígena somada a falta de interesse em pesquisas a respeito do assunto. “A gente está em 2017. O nível de informação que as pessoas têm e de chance de saberem das coisas é muito grande. E infelizmente as pessoas não sentem vontade de digitar no Google algo relacionado ao índio no Brasil”. Além disso, Baniwa também afirma que há um interesse maior em estereotipar e romantizar a população indígena, colocando-a como uma figura exótica para chamar mais atenção.

Dessa forma, o web ativista explicou a necessidade de distanciar a imagem do índio como uma figura fantasiosa do folclore brasileiro para trazer um reconhecimento mais humano para essa população. Ele também declara que essa má representação atinge não só a cultura indígena, mas também a cultura negra. “Acontece de se colocar todo mundo no mesmo lugar. Você pega tribos, não só indígenas, mas africanas também, e coloca todo mundo no mesmo lugar, como se eles não existissem, não fizessem parte da sociedade”, afirma Baniwa.

Foto reprodução

Outra crítica feita por ele é o fato do conhecimento ancestral ser constantemente subjugado pela comunidade científica. “Os povos do Rio Negro acreditam que nós viemos dos peixes. Acreditam que o deus criador mexeu nas águas e fez surgir uma espécie de peixe que foi se desenvolvendo e virou um ser humano. Aí eu te pergunto: o que os cientistas descobriram até hoje? Descobriram que os primeiros seres humanos vieram de seres unicelulares que eram da água, ou seja, ‘peixes’!”.

Além de subjugada pela comunidade científica, segundo o web ativista, a cultura indígena também sofre preconceito diante de religiões mais preponderantes, que colocam suas crenças como superiores. “Como é que a gente pode acreditar que o homem foi feito do barro e depois a mulher foi feita de uma costela dessa pessoa feita de argila, mas não pode acreditar que o ser humano veio de um trovão, por exemplo?”. Questiona Baniwa. Ele também afirma que foi partindo dessa situação que diversos elementos do folclore brasileiro foram sendo demonizados’.

Outra questão colocada foi o cuidado que se deve ter ao utilizar a crença indígena nas criações das obras, pois para diversas tribos, as lendas do folclore brasileiro não se tratam de uma mitologia, mas de uma manifestação sagrada. “A gente acredita que isso não é uma história, não é um conto, uma lenda. A gente acredita que isso já existiu em algum momento ou que ainda existe”, conta Baniwa. Ele também destaca que há mais de 300 povos indígenas no Brasil e cada povo tem seu próprio panteão de deuses e heróis. Sendo assim, deve-se ter  cuidado para não generalizar essa pluralidade cultural e buscar divulgar outros personagens folclóricos que ainda são desconhecidos para a maioria dos brasileiros.

Por isso Baniwa ressalta a necessidade de se aprofundar em pesquisas e estudos antes de criar uma história, um desenho ou um game com a temática, pois ainda é comum a descontextualização de elementos culturais importantes, como os grafismos indígenas, por desconhecimento do que esses elementos representam. “O grafismo por si só já é uma linguagem. E para as populações indígenas ele é algo mágico, como se fosse um feitiço. Você não pode usar isso aleatoriamente, sem saber o que aquilo significa”, declarou.

Por outro lado, Anderson Awvas abordou a dificuldade encontrada por escritores e artistas brasileiros em encontrar livros e artigos voltados para essa cultura, já que ainda falta interesse do mercado em investir nessa área. “As grandes editoras não tem interesse nenhum em publicar artigos e livros indígenas. Esse é outro tipo de distanciamento que nós temos, o distanciamento da indústria”, disse Anderson.

*Estudante de jornalismo na Faculdade de Comunicação e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura da Ufba

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