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Atualizado em 22 DE março DE 2019 ás 07:17

Gestantes Universitárias e o Regime de Exercício Domiciliar

Projeto Gestantes Universitárias surgiu da inquietação de um docente e tem sido fundamental para esclarecer e informar estudantes no processo de obtenção de auxílios

POR THAINARA OLIVEIRA*
thzinara@gmail.com

Empecilhos, falta de informação, de estrutura e suporte da Universidade Federal da Bahia (UFBA), carência de capacitação dos docentes para realização das atividades em regime domiciliar e supressão de apoio da rede familiar e institucional que, consequentemente, ocasiona baixo rendimento e até mesmo na decisão de trancar a matrícula ou abandonar o curso, são alguns dos problemas enfrentados por mães universitárias e comprovados por estudo realizado por estudantes do curso do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade da UFBA.

A comprovação desse quadro foi um produto da disciplina Metodologias de Projetos de Intervenção, ministrada pelo professor Felipe Fernandes, por meio do Projeto de Intervenção Gestantes Universitárias. De acordo com Fernandes, a ideia do estudo surgiu a partir de uma inquietação, uma situação vivida por uma aluna que havia solicitado o regime de exercício domiciliar em 2018 e estava tendo muita dificuldade. “Eu nunca tinha me confrontado com tal formalidade em relação a esse pedido, a situação sempre tinha ocorrido de forma informal, a aluna me falava ‘vou ganhar neném, não vou poder ir pra aula’ “, conta o orientador do projeto.

O Gestantes Universitárias, então, foi pensado para orientar e esclarecer a comunidade acadêmica da UFBA sobre a Lei n° 6.202, de 17 de abril de 1975, que atribui à estudante em estado de gestação o regime de exercícios domiciliares a partir do oitavo mês de gestação e após três meses ao nascimento do bebê, podendo ocorrer variações a depender do caso e orientações médicas. Entretanto, um novo projeto de lei tramita para que esse período possa se estender até seis meses.

Quando passou a ministrar a matéria de Metodologias de Projetos de Intervenção, Fernandes propôs a temática: “minha ideia foi simular em sala de aula com os alunos, uma organização social ou uma instituição pública que cria projetos de intervenção, ali foi simulada uma situação de trabalho concreto”, afirma.

Para Fernandes, o primeiro momento da descoberta da gestação é crucial para o acesso a informação, o momento onde as gestantes não devem se sentir culpadas, “porque muitas gestantes que conversamos acharam que estavam jogando o sonho na lata do lixo. Há esse sentimento. E não, a gente diz que é possível ser mãe e universitária, mãe e profissional…entretanto, existe algumas barreiras”.

Outro dado significativo comprovado pelo estudo é a ausência de um senso a respeito do número de gestantes e mães com filhos na universidade, o que dificulta o mapeamento e a construção de políticas de assistência para esse público. Porém, a UFBA conta com uma rede de mães e pais estudantes que, solidariamente, se revezam no cuidado de seus filhos para que possam assistir às aulas. “É uma rede informal, um grupo consolidado. Não é uma coisa ampla, política e muito visível, mas que já tem ações concretas de cuidado mútuo e reivindicações”, aponta o professor.

Vagas insuficientes na creche universitária - A dificuldades das mães universitárias também é agravada pelo número insuficiente de vagas na Creche da UFBA, um dos serviços de assistência oferecidos pela Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (PROAE), que conta com o auxílio creche e outros tipos de bolsa. A equipe da Agência em CI&T tentou checar junto a coordenação da PROAE quais bolsas seriam, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos retorno. Porém, foi apurado que há suspensão de alguns benefícios quando as estudantes estão gestantes ou quando os bebês nascem. Como, por exemplo, a saída da residência universitária, sendo um comportamento que não se restringe a UFBA. É alegado que há inadequação da estrutura, mas, não existe uma assistência alternativa que garanta o suporte para continuação da vida acadêmica da estudante.

Imagem reprodução

A assistência oferecida para Creche está disponível para crianças na faixa etária de 4 meses a 3 anos e 11 meses de idade, que conta com com um subsídio mensal de R$ 180,00 reais, para cada dependente legal, durante o período letivo definido pelo calendário acadêmico oficial. Além disso, o Serviço Médico Universitário Rubens Brasil Soares (SMURB) não conta com um plano específico de atendimento às gestantes, delegando a função para Maternidade Climério de Oliveira (MCO-UFBA), para atendimento ginecológico e obstétrico, que atende o público em geral.

Uma das responsáveis pelo projeto e mãe de Zion, hoje com 3 anos, Taisa Ferreira, lembra que tentou fazer o pedido do regime domiciliar, mas a coordenação do curso e outras pessoas a quem ela procurou, não souberam informar qual caminho percorrer. Dessa forma, a estrutura de apoio por parte do seu companheiro e da família foi fundamental no período em que esteve grávida e também quando teve que retornar para sala de aula. “A ideia do projeto é que a universidade perceba que temos o direito de estar nesse espaço e que ela precisa pensar na gente também. É necessário políticas de assistência que nos incluam e as nossas crianças também”, ressaltou.

A aluna que está na sua segunda graduação, teve que diminuir o ritmo de estudos, optando por um número menor de matérias, para conciliar sua vida acadêmica e familiar, o que resultou no prolongamento do curso. “Os professores precisam ser formados para entender que eles não estão nos fazendo um favor, que a gente não precisa depender da boa vontade de ninguém. É um direito nosso, garantido por lei, garantido por normativa da universidade”, desabafa Taisa.

Para a mãe universitária, um passo importante é que os departamentos e instâncias se apropriem de suas próprias normativas e coloquem em execução. “É preciso parar de ficar empurrando as pessoas como um ping pong, que é o que acontece hoje. Nem nos próprios espaços que são para protocolar as pessoas sabem o que é para fazer, não cumprem o que está determinado nas normativas por desconhecerem”, conta a estudante.

Existem demandas para além da UFBA, que envolve principalmente a rede de apoio fora da universidade, onde é necessário educar para ter uma visão mais equitativa das tarefas domésticas e do cuidado das crianças. Porque ainda vivemos em uma sociedade extremamente machista, que acredita que cuidar de criança é “coisa de mulher”, e que o homem não pode realizar tarefas como trocar fralda, dar comida e bater papinha.

Segundo os responsáveis pelo projeto, os setores acadêmicos se mostraram dispostos a ouvir e construir ações para debate, conhecimento e medidas referentes a formalização do processo de atividades domiciliares, garantido avanços com a Resolução número 05, de setembro de 2018. A pró-reitora Cássia Virgínia Bastos se mostrou sensível ao tema e falou que essa gestão está comprometida com a causa. Porém, é cobrado a necessidade de envolvimento dos outros setores e campanhas educativas para viabilizar a notoriedade de todo corpo estudantil a respeito da Lei 6.202 e das questões enfrentadas pelas mães e pais universitários.

*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

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