O Geografar busca entender como grupos sociais elaboram estratégias para sobreviver em meio aos conflitos de terras no campo baiano
NAIRA DINIZ*
A busca por entender os conflitos agrários na Bahia, motivou a pesquisadora e professora do Instituto de Geociências (IGEO) da Universidade Federal da Bahia, Guiomar Inez Germani a criar o grupo de pesquisa Geografar (Geografia dos Assentamentos na Área Rural). O grupo que existe há 18 anos é composto por alunos de graduação e pós-graduação do Instituto de Geociências, das Ciências Sociais, Filosofia, Serviço Social, Economia e outros.
O Geografar surgiu de um projeto de pesquisa interdisciplinar financiado pelo CNPq e vinculado ao Departamento de Geografia/IGEO, que incorporou bolsistas de Iniciação Científica e proporcionou a realização de atividades de extensão – estudos em acampamentos de trabalhadores rurais sem terra e projetos de assentamentos em áreas de reforma agrária.
“O projeto Geografar em suas bases no tripé ensino-pesquisa-extensão e sua produção acadêmica é orientado a discutir e analisar o processo de produção e os conflitos existentes no campo agrário baiano,” explicou a pesquisadora Guiomar Germani.
Os primeiros estudos sobre o tema tiveram início durante a dissertação de mestrado defendida pela Professora Guiomar que discutiu o conflito agrário provocado pela construção da usina hidrelétrica de Itaipu, no Paraná. A dissertação gerou um livro publicado pela Edufba/Ulbra( Editora da Universidade Federal da Bahia/ Universidade Luterana do Brasil), em 2003, com o título “Expropriados Terra e Água: O Conflito de Itaipu”.
O tema continuou sendo desenvolvido durante o doutorado da pesquisadora, que teve como título “A Questão Agrária e Assentamentos de População na Área Rural”. Ambas as pesquisas sobre a temática tiveram continuidade em 1996, quando foi formado o Grupo de Pesquisa Geografar, atualmente coordenado pelas professoras Dra. Guiomar Germani e Dra. Gilca Garcia.
“Os assuntos agrários são compreendidos dentro de uma dimensão territorial, através da sua concentração nos meios de produção, neste caso a posse de terras e a exploração da força de trabalho,” explicou a pesquisadora.
Ela também explica que a questão agrária e suas vertentes são estudas pelo grupo de pesquisa, através de uma metodologia voltada a entender as práticas e articulações dos trabalhadores sem terra, indígenas, posseiros, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais, entre outros. “O esforço em buscar entender estes grupos sociais e explicitar suas estratégias, seus conflitos cotidianos para existir é um reconhecimento de sua importância não só como sujeitos de direitos, que lhe são negados, mas também como sujeitos de saberes que são desconsiderados, apagados e negados à sociedade de conhecê-los.”
Pesquisa - Uma dessas vertentes da questão agrária trabalhadas pelo grupo de pesquisa é o trabalho análogo a de escravo. “Não se usa a denominação trabalho escravo, pois legalmente, a escravidão foi abolida do Brasil em 1888. Também não se usa o termo “escravo”, mas de um trabalhador que está submetido a condições semelhantes à de escravo.” Esclarece a professora Guiomar.
Pela necessidade de conhecer e saber onde esta forma de trabalho acontece no estado da Bahia, uma pesquisa foi realizada pelo grupo Geografar em parceria com a Comissão da Pastoral da Terra (CPT/BA), a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais e outras organizações populares. O diagnóstico intitulado “Diagnóstico e Mapeamento do Trabalho Escravo na Bahia”, revelou que 80% dos casos foram registrados no campo.
No estado da Bahia foram resgatados, de 2003 a 2013, 3.260 trabalhadores em condição análoga a de escravo, o que corresponde a 8,5% do total de trabalhadores resgatados no país. O trabalho análogo a escravo na Bahia está concentrado no oeste do estado, nos municípios de São Desidério, Barreiras e Luiz Eduardo Magalhães, onde foram resgatados mais de 50% dos trabalhadores. Em sua maioria, os empregadores são empresários que produzem soja, milho ou algodão, e empresários dos setores de transportes, telecomunicações e mineração.
Segundo a professora Guiomar, ao se aproximar da dimensão da realidade do trabalho escravo foi possível estabelecer ligações com a questão agrária, porque nas áreas onde há maior concentração de terras no estado é onde há maior incidência de casos do trabalho análogo a escravo. Foi notado também, que quase todos os munícipios baianos são fornecedores de mão-de-obra para este tipo de relação, e a vulnerabilidade econômica é apontada como a principal causa, que leva um grande número de pessoas a essa relação de trabalho, que mesmo sendo crime, ainda é acobertado e persiste.
Para a pesquisadora, a solução, além das punições legais, são a criação de melhores condições de acesso à terra para o trabalhador, condições de trabalho dignas e a promoção da reforma agrária.
*Estudante de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias C,T&I – Ciência e Cultura – Ufba.