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Atualizado em 30 DE janeiro DE 2018 ás 16:12

Heteronormatividade prejudica a saúde

Quadros de dependência química, depressão, ansiedade, atitudes violentas, negligência à saúde e outras condutas de risco podem ser as consequências da chamada “masculinidade tóxica”, termo utilizado para se referir ao padrão idealizado de masculinidade que afeta negativamente tanto a sociedade como o próprio homem

POR GIOVANNA HEMERLY*
gihe296@gmail.com

Reprimir emoções, assumir atitudes violentas e se recusar a procurar ajuda médica são comportamentos comuns na vida de homens que tentam adequar-se no padrão heteronormativo e que tem levado ao sofrimento por meio de problemas psicológicos, como depressão e ansiedade. A origem desse tipo de comportamento, para alguns estudiosos, estaria relacionada ao preconceito com relação às mulheres. Nesse entendimento, características comuns da personalidade humana são associadas como algo específico do gênero feminino, desta forma são inferiorizadas e evitadas.

Segundo a psicóloga da rede Dandaras, Laura Augusta, a ausência de homens na busca ajuda médica em seu consultório tem sido notória se comparado à presença de mulheres que buscam ajuda psicológica. “Eu não faço restrição de gênero na minha clínica, porém, até agora só chegaram mulheres, e isso já diz bastante. Sim, nós temos muito mais mulheres que se cuidam do que homens”, afirma.

Para os estudiosos, a masculinidade excessiva é uma exteriorização do medo de ser associado ao feminino, já que existe um preconceito estrutural contra esse gênero na sociedade/ Imagem: LiveStrong.com

Além disso, a psicóloga também acredita que o padrão de masculinidade tóxica pode ser um fator que, além de prejudicar a saúde do homem, perpetua a violência contra a mulher. “As consequências estão tanto para o auto cuidado do homem e para sua saúde física e mental, quanto para as pessoas que estão ao redor desses homens que cresceram com essa identidade de masculinidade tóxica, principalmente as mulheres, porque correm o risco de serem agredidas psicologicamente, verbalmente, fisicamente e moralmente. Pois, na hora que essa masculinidade é colocada em cheque, a agressão ocorre para sustentá-la”, explica Laura.

Heteronormatividade na infância – Apesar de estar associado geralmente a homens adultos, esse padrão já é reforçado desde a infância, fase em que começa a se instituir e distinguir comportamentos de acordo com convenções sociais de gênero, rechaçada por pesquisadoras como Simone de Beauvoir e Judith Butler. Começa-se a estabelecer, por exemplo, a cor azul e brincadeiras com carrinho para meninos e a cor rosa e brincadeiras com bonecas para meninas.

O vendedor Adonias Curvelo relata que lembra de ter que lidar com a masculinidade tóxica desde criança por influência da família. No entanto, ao perceber como a heteronormatividade pode ser prejudicial para homens e mulheres, o vendedor garante que tem buscando fugir desse modelo de masculinidade. “Eu acredito que a criação do indivíduo vai definir como ele vai se comportar no futuro. Eu fui criado nos pilares da família tradicional, nos quais esses pilares estão muito arraigados com muito machismo. A luta é diária para que eu mude e me torne um homem melhor”, afirma.

Para a psicóloga, isso impacta desde a forma como a criança se identifica, até na sua socialização. “A masculinidade tóxica construída nas crianças, desde o que implica em ser menino e até o que implica no que menina não pode fazer, limita e estrangula os horizontes de desdobramentos das construções dos desejos, da identidade e da socialização dessas crianças. Então durante a adolescência e a vida adulta, esses ideais, quando reforçados pela mídia e pelo senso comum, concretizam esse risco à saúde mental e física”, alerta Laura.

Discussões sobre a heteronormatividade na infância e juventude e como a masculinidade hegemônica tem afetado psicologicamente jovens e adultos nos Estados Unidos, foram o centro do documentário The Mask You Live (A Máscara Em Que Você Vive), dirigido pela norte-americana Jennifer Siebel. Ela convidou profissionais de educação para contarem suas experiências com esse público que desde cedo receiam demonstrar sentimentos de tristeza e afeto por medo de sofrerem bullying dos colegas ou ser repreendido por adultos. Os próprios estudantes também contam como é usar a “máscara do macho dominante” e como se sentem pressionados com isso.

Trailer do documentário “The Mask You Live” (A Máscara Em Que Você Vive), dirigido por Jennifer Siebel

No entanto, Laura Augusta considera importante que, diante dessa situação, possa refletir sobre a necessidade de rever construções sociais que têm prejudicado o bem-estar da própria sociedade. “Isso é importante para refletirmos o tipo de sociedade que nós temos, que adoece, que não consegue lidar com a relação com o outro. Nós, mulheres, homens, crianças, jovens, adultos e idosos, todos somos atravessados por essa misoginia que foi construída na história do nosso país e, infelizmente, carregamos isso nos ambientes de trabalho, nos ambientes de educação, nos ambientes de saúde, em todos os lugares, inclusive nas relações domiciliares e familiares que é basicamente o que estruturam as pessoas para outras relações”.

*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura

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