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Atualizado em 13 DE novembro DE 2019 ás 13:49

Iniciação Científica no Ensino Médio

Mesa discutiu a importância da inserção de estudantes da Educação Básica na prática da pesquisa acadêmica

POR GIOVANNA HEMERLY*
gihe296@gmail.com

Imagem: Giovanna Hemerly

Quem disse que aluno do Ensino Médio não pode fazer pesquisa científica? Foi com o objetivo de desconstruir a ideia de que o desenvolvimento de projetos de investigação científica é feita apenas no Ensino Superior, que professores e jovens pesquisadores da Escola SESI Reitor Miguel Calmon apresentaram seus trabalhos e discutiram sua importância na mesa de debates Pesquisa Científica no Ensino Médio: Uma Análise Socioespacial da Estação Acesso Norte, realizada no auditório da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia (EMEVZ/UFBA), durante o Congresso Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal da Bahia 2019 (Congresso UFBA 2019).

Os trabalhos apresentados foram desenvolvidos pelos grupos de pesquisa júnior em Cartografia e Geoprocessamento na Educação Básica (CGEB) e em Identidade e Memória das Periferias de Salvador (IMEPS), que contam com o apoio da Universidade Católica de Salvador (UCSAL) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Para a professora orientadora do IMEPS, Mariana Conceição, a participação dos alunos do Ensino Médio em projetos de pesquisa científica é essencial quando o assunto é despertar o interesse dos jovens para a Ciência e para suas contribuições sociais, já que, além de mostrar ao estudante, na prática, a importância do desenvolvimento de trabalhos científicos, ainda o incentiva e prepara para dar continuidade às atividades no Ensino Superior, com base nas experiências vividas ainda na escola. “Eles sabem como escrever, como formar uma referência, como buscar dados, como fazer gráficos, mexer com plataforma de fotografia. Então é incrível a oportunidade que esses meninos vão ter quando chegar na graduação”, afirmou.

Integrantes do grupo de pesquisa CGEB / Imagem: Instagram

Contudo, o professor e coordenador do CGEB, Filipe Trindade, chamou atenção para a necessidade de maior investimento em iniciação científica de jovens ainda na Educação Básica, pois, apesar de existirem projetos de incentivo nas escolas, o número de alunos que têm a oportunidade de desenvolver pesquisas nesse estágio ainda é bastante reduzido. “A escola [SESI Reitor Miguel Calmon] conta com 1800 estudantes. Dentro da pesquisa, a gente tem cerca de dez estudantes, ou seja, não corresponde nem a 1%”, relatou.

O coordenador ressaltou ainda que, dos dez alunos que participam de grupos de pesquisa júnior, apenas quatro recebem bolsa de iniciação científica. “Se a gente for olhar o que são quatro bolsistas dentro de um universo de 1800 alunos, eles são mais privilegiados do que a gente [que está fazendo pesquisa na universidade]”. Deste modo, ele mostrou sua preocupação com o caráter elitista da Ciência no Brasil. “Só o fato de ingressar na pesquisa, significa que se chegou a um lugar em que muitos não vão chegar”, destacou.

“Quando eu fui me desenvolvendo e me envolvendo em outras atividades, como o grupo de pesquisa em geografia, aí que eu fui entender a dimensão do que é uma pesquisa científica e o quanto eu tenho que ser grata por estar tendo essa oportunidade tão cedo”, contou a pesquisadora júnior e integrante do CGEB, Alice Falcão. A estudante, que foi contemplada com bolsa CNPq, vinculada a UCSAL, foi uma das primeiras a ter o contato com a iniciação científica desde cedo, começando suas atividades de pesquisa ainda no Ensino Fundamental.

Professores e jovens pesquisadores explicaram a importância dos grupos de pesquisa júniors para a democratização da Ciência brasileira / Imagem: Giovanna Hemerly

Transformações na região do Acesso Norte - O metrô de Salvador e os impactos na dinâmica da cidade – Uma análise socioespacial da estação Acesso Norte é o trabalho que está sendo desenvolvido por Alice Falcão, em conjunto com Filipe Trindade. “O objetivo da pesquisa é saber as principais mudanças que ocorreram após o funcionamento da estação. Por meio de uma pesquisa de campo, fizemos um questionário e entrevistamos 385 pessoas no Acesso Norte”, contou a pesquisadora júnior durante a apresentação na mesa de debates.

Como moradora do bairro Pernambués, localizado próximo à estação, Alice contou que o interesse nas alterações que estão ocorrendo vem desde a infância, quando através da observação e de relatos dos familiares, pôde notar os impactos decorridos das mudanças espaciais e estruturais. Após iniciar as atividades com o CGEB, a estudante aprendeu a aplicar a metodologia científica para pesquisa, o que possibilitou investigar também as mudanças sociais ocorridas com a modificação do espaço. “A gente constatou que a maioria das pessoas que circulam hoje no metrô são do setor de serviços, em destaque pessoas que são empregadas domésticas, diaristas ou seguranças. Com a circulação dessas pessoas, começou a se instalar um comércio informal do lado de fora da estação, comercializando coisas mais baratas, como o famoso abará de um real”, afirmou a jovem pesquisadora.

Pensar em melhorias para a região do Acesso Norte a partir da análise de fatores sociais, ambientais e estruturais é o objetivo da pesquisa de Alice Falcão / Imagem: Giovanna Hemerly

Dentre os principais fenômenos sociais observados pela pesquisa estão também os processos de justaposição, gentrificação e especulação imobiliária na localidade do Acesso Norte. Alice explicou que antes o espaço era ocupado por pessoas de classe média baixa, mas após a construção dos condomínios e do Shopping Bela Vista, pessoas com renda cada vez maior foram atraídas para a região. “A gente tem de um lado o Palazzo Bela Vista e do outro a comunidade da Barros Reis, os prédios do Cabula que são mais simples, o bairro Pernambués e a comunidade do Saramandaia. Então vemos esses contrastes de classe diante desse ‘aburguesamento’ da região’”. Desta forma, a pesquisa que ainda está em andamento, buscará analisar a vivência das pessoas com menor condição financeira que habitam o espaço.

Além dos aspectos sociais, os impactos ambientais na área ao longo dos anos, o crescente fluxo de pessoas na estação e a relação entre o metrô com os outros transportes públicos também estão sendo analisados pela pesquisa. “São coisas que precisam ser vistas para serem estudadas e trazer melhorias para essa área. Porque agora pode estar até suportável, mas conforme mais pessoas forem para lá, e mais alterações forem feitas, será que daqui há alguns anos ela continuará propícia para todas essas atividades das pessoas do metrô?”, questionou Alice.

Região do Acesso Norte antes da construção do metrô, Shopping e Horto Bela Vista / Imagem: CONDER BAHIA

Área do Acesso Norte após as transformações socioespaciais analisadas pela pesquisa / Imagem: Google Maps

Presente, passado e identidade da periferia - Foi com a intenção de utilizar a Ciência em favor das transformações sociais que o pesquisador júnior integrante do IMEPS, Leonardo Cabanelas, decidiu desenvolver sua pesquisa Lembranças do presente: uma análise cultural do bairro da Fazenda Grande do Retiro. Com orientação da professora Mariana Conceição, o estudante está analisando a desigualdade social do bairro, buscando sua origem através da relação passado e presente, com referência no estudo de memória oral com os moradores locais. Deste modo, Cabanelas visa apontar a identidade da região periférica que está além dos estereótipos, calcados em preconceitos e discriminações sociais, para assim poder encontrar possíveis soluções por meio da própria potencialidade da comunidade. “A gente pensa em gerar o conhecimento sobre o que é a periferia com base na visão de quem mora lá, pois ela tem potencialidades, tem cultura, tem artes, e a gente quer trazer isso à tona”, explicou Leonardo.

Para Leonardo Cabanelas, o valor social da Ciência é fundamental na hora de pensar a pesquisa científica / Imagem: Giovanna Hemerly

O jovem pesquisador contou que ao analisar as informações coletadas a partir dos relatos de memória coletiva dos moradores da Fazenda Grande do Retiro, ficou evidente que os diversos conflitos da localidade surgiram como consequência do tratamento desigual do Estado com a comunidade, composta em grande parte por minorias sociais. No entanto, diante da situação de descaso os moradores encontraram, na união e na postura de enfrentamento, o caminho para lidar com a vulnerabilidade. “O governo, a partir daí, já começa a olhar com um olhar diferente, começa a deixar de lado a periferia. E a periferia vai se fortificando como cultura, como resistência, como pessoas que estavam fragilizadas, mas se uniram por uma causa”, afirmou.

Um dos exemplos citados por Cabanelas é o caso chamado de “Festa do Lixo”. Leonardo contou que o evento teve origem na falta de políticas públicas e descaso do governo com o saneamento básico da região. “Essa festa aconteceu porque o governo não queria coletar o lixo da Fazenda Grande. Eles iam até a entrada, onde tinha uma gráfica, pegava o lixo que estava em frente a empresa e voltava. Ou seja, o resto da comunidade ficava sem coletar lixo”. Por conta disso, os moradores se reuniram e passaram a jogar todos os resíduos não recolhidos há tempos em frente à gráfica como forma de protesto. Contudo, perante a socialização e de união entre os moradores, o protesto foi ganhando novos rumos. “As pessoas que estavam jogando o lixo em frente a empresa eram acolhidas pela população, ganhavam suco, lanches. Isso foi tomando tal proporção que acabou virando festa”, completou.

Inicialmente a festa era voltada apenas para os moradores da Fazenda Grande do Retiro, mas com o tempo a celebração foi ganhando grandes proporções e passou a atrair pessoas de outros espaços, o que trouxe também o aquecimento na economia local. “Isso gerou uma renda que era movimentada entre os moradores, e isso era bom”, disse Leonardo. No entanto, como o governo na época também não fornecia assistência de segurança no bairro, a ausência de policiamento nas celebrações resultou em acidentes e fatalidades durante o festejo, o que culminou na redução cada vez maior dos participantes e, consequentemente, no próprio fim do evento.

*Estudante do curso de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura

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