Segundo dados do MS, no ano passado, mais de 1,4 milhão de pessoas tiveram acesso às PICS. A expectativa é que os pacientes do SUS se beneficiem de tratamentos e utilizem recursos terapêuticos como prevenção de doenças como depressão e hipertensão
POR LARISSA COSTA*
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Nas manhãs de sexta-feira da Universidade Federal da Bahia (UFBA), no campus de Ondina, em frente à Biblioteca Central, pode-se encontrar um grupo praticante de Tai Chi Chuan. É fácil reconhecer essa prática por seus movimentos lentos e circulares realizados com as mãos, pela leveza com a qual os pés são movidos. As orientações da instrutora, formada pela Academia Brasil China e bióloga licenciada pela UFBA, Isa Machado, 34, passadas durante a aula são quase sempre sobre concentração e respiração: “Prestem atenção ao seu corpo. Vocês só têm uma hora na semana para cuidar de si mesmos”.
Já Maria Fanny de Araújo tem duas semelhanças com Isa: tem 34 anos e também pratica algumas terapias alternativas. Diagnosticada com câncer de mama, pela segunda vez, optou por fazer o tratamento integrativo, aliada à hormonioterapia, em vez do convencional com quimioterapia. Após o primeiro diagnóstico, em 2016, ela realizou a quimioterapia, mas adotou a ozonioterapia, a suplementação e a acupuntura para complementar o tratamento habitual. Dessa vez, entendeu que precisava de um tratamento que fosse menos agressivo e que tratasse a saúde como um todo. “Eu não me sinto doente, não me sinto cansada. Eu faço um tratamento no qual não sinto efeitos colaterais”, afirma.
A eficácia e os resultados dessas práticas ainda geram controvérsia e debates no cenário da saúde no Brasil. Em 2006, o Ministério da Saúde (MS) incorporou ao Sistema Único de Saúde (SUS) as chamadas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), das quais o Tai Chi Chuan, a ozonioterapia e a acupuntura fazem parte. O objetivo dessas práticas é prevenir doenças e promover a recuperação da saúde através de métodos tradicionais. Neste ano, o MS incorporou mais dez novas terapias, totalizando 29.
As PICS consideram o bem-estar dos indivíduos como a união do corpo e da mente, pensamento que tem origem com Hipócrates, o pai da medicina. Historicamente, a medicina ocidental se separou desta corrente com o surgimento do racionalismo e do pensamento cartesiano. Quando aliadas ao tratamento médico, essas terapias adquirem caráter complementar, não substituindo o papel do médico. O manual da dor do Instituto Nacional do Câncer (INCA), de 2011, sugere o uso dessas práticas no tratamento dos pacientes. “Acredita-se que pensamentos e atitudes podem afetar os processos psicológicos, influenciar no humor e determinar comportamentos”.
De acordo com dados divulgados pelo MS, em 2017, foram realizados mais de 1,4 milhão de atendimentos aos usuários, como acupuntura, auriculoterapia e yoga. A expectativa é que os pacientes do SUS se beneficiem de tratamentos e utilizem recursos terapêuticos, baseados em conhecimentos ancestrais, voltados para prevenir diversas doenças, como depressão e hipertensão. As últimas terapias a serem integradas no SUS foram: apiterapia, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia de florais.
Controvérsias - A integração das PICS ao sistema público de saúde levanta algumas problemáticas. O presidente Conselho Federal de Medicina (CFM), Carlos Vital, declarou em vídeo que as terapias complementares “não têm base científica, portanto oneram o sistema e não deveriam estar incorporadas”.
A adoção das PICS é incentivada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) desde a década de 70. Seus praticantes defendem a eficácia das terapias para a saúde física e mental. Isa Machado conta que começou a praticar o Tai Chi Chuan quando ainda era estudante e procurava aliviar as tensões que sentia com a vida acadêmica. “Minha respiração mudou, minha capacidade de concentração também. Eu acho que a medicina ocidental despreza o cuidado com a mente”, comenta.
O ex-ministro da Saúde, Ricardo Barros, reforça a defesa das PICS e afirma que o Brasil lidera a oferta desta modalidade e se trata de um investimento em prevenção. “Somos o país líder na oferta dessa modalidade na atenção básica. Essas práticas são investimento em prevenção à saúde para evitar que as pessoas fiquem doentes. Precisamos continuar caminhando em direção à promoção da saúde em vez de cuidar apenas de quem fica doente”, ressaltou o ex-ministro em entrevista ao portal do Ministério da Saúde.
O médico do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (CREMEB) e representante da Bahia, no CFM, Otávio Marambaia questiona a acessibilidade dessas terapias. “Eu não desprezo essas técnicas, mas não confiro a elas validade científica. Se houvesse a possibilidade de que as pessoas tenham acupuntura ou ioga isso seria ótimo, desde que elas tenham o tratamento de base feito de maneira adequada”, disse..
A regulamentação do CFM proíbe os médicos de prescrever terapias complementares para seus pacientes, por não serem reconhecidas cientificamente. Ainda assim, caso o paciente deseje praticar alguma terapia, Marambaia recomenda informar de maneira fácil sobre os riscos e as vantagens que o tratamento pode trazer. “Não há terapia inócua”.
Isa reconhece que há alguns cuidados a serem tomados com a prática do Tai Chi Chuan. “Quando eu dou aulas para idosos procuro tirar alguns movimentos que seriam perigosos para eles. Ainda faço os movimentos normais, mas alguns seriam muito fortes”, afirma a professora.
*Estudante de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura